O governo federal e o Congresso Nacional estão em um impasse crucial sobre como alcançar a meta fiscal de R$ 20,5 bilhões para o orçamento de 2025. Essa divergência se concentra na questão de como obter os recursos necessários, gerando um debate acalorado sobre quem arcará com o ônus do ajuste.
O Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) no centro da polêmica
A principal pedra de atrito reside no Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). O Executivo propõe o aumento de impostos, enquanto o Legislativo defende cortes mais profundos nos gastos primários, o que inevitavelmente afetaria serviços públicos essenciais. Vale lembrar que o governo já contingenciou R$ 31,3 bilhões em despesas em 2024, sinalizando a urgência da situação. Analistas, em entrevistas à Agência Brasil, apontam uma resistência significativa do Parlamento em aprovar medidas que evitem cortes ainda maiores, especialmente porque esses cortes costumam impactar negativamente a população mais vulnerável, que mais depende dos serviços públicos.
Em contraponto à proposta do governo, o Congresso e setores do empresariado se opõem ao aumento da carga tributária. Eles pressionam o Executivo para que este realize cortes mais amplos nas despesas primárias, definidas como gastos com serviços públicos essenciais, como saúde e educação – excluindo-se os gastos com juros e dívida pública.
Visões divergentes sobre a natureza dos cortes
A professora de economia da Uerj, Juliane Furno, argumenta que algumas das medidas propostas pelo Ministério da Fazenda, classificadas como aumentos de impostos, na verdade representam cortes de despesas tributárias. Segundo a especialista, “quando o governo propõe taxar as LCIs e LCAs, ele está cortando gastos, pois, para serem isentas, é o governo que cobre o valor”. Ela destaca a resistência do Congresso em cortar gastos tributários embutidos em isenções fiscais.
Além disso, Furno explica que a proposta de taxar em 5% os títulos de Letras de Crédito Imobiliárias (LCI) e do Agronegócio (LCA), atualmente isentos, gerou forte reação da bancada ruralista, que a considera prejudicial ao crédito rural. A economista enfatiza que esses gastos tributários beneficiam, principalmente, grandes empresas por meio de subsídios e isenções fiscais, explicando a preferência do setor empresarial por cortes nas despesas primárias que afetam diretamente a população de baixa renda.
O impacto social dos cortes propostos
A assessora política do Inesc, Cleo Manhas, complementa essa análise ao destacar que a priorização de cortes de gastos primários prejudica a população mais dependente de políticas sociais. Em suas palavras, “o que há por trás disso é uma captura do orçamento por parte dos mais privilegiados, ampliando as desigualdades já abissais no Brasil”. Manhas questiona a falta de cortes em emendas parlamentares e supersalários como alternativas para o ajuste fiscal.
O aumento do IOF e suas consequências
A medida do governo para elevar as alíquotas do IOF enfrentou forte oposição do Congresso, do mercado financeiro e de setores empresariais, que alegam que isso encareceria o crédito e afetaria toda a população. Embora o presidente Lula tenha defendido o reajuste do IOF como forma de compensar o ajuste orçamentário, o governo recuou parcialmente. Inicialmente, o decreto previa arrecadar R$ 20 bilhões, mas, após negociações, foi editada uma nova norma com impacto fiscal de R$ 10,5 bilhões. Mesmo assim, a Câmara aprovou urgência de projeto para sustar a mudança.
Manhas contesta o argumento de que o aumento do IOF impactaria significativamente o custo do crédito, argumentando que a alta taxa Selic, atualmente em 15% ao ano, é o principal fator de encarecimento. Ela afirma que a alta taxa afeta mais os pequenos comerciantes e microempreendedores, enquanto grandes empresas, como o agronegócio, se beneficiam de juros subsidiados.
Propostas de cortes estruturais e o debate sobre isenções
O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, defende cortes estruturais nos gastos primários como alternativa ao aumento de impostos, sugerindo medidas como a desvinculação dos pisos de saúde e educação do mínimo constitucional, o que reduziria recursos para essas áreas. Outras sugestões incluem desvincular o reajuste da aposentadoria do aumento real do salário mínimo ou acabar com o reajuste do salário mínimo acima da inflação.
Manhas contrapõe essas propostas, argumentando que os recursos atuais para saúde e educação são insuficientes e que, para um verdadeiro equilíbrio fiscal, seriam necessários cortes em subsídios e renúncias fiscais. Ela lembra que a desoneração da folha de pagamento em 17 setores da economia, mantida pelo Congresso em 2024, gerou um gasto tributário estimado em R$ 18 bilhões. Além disso, menciona a possibilidade de redução linear de isenções fiscais, dado que o governo gasta cerca de R$ 800 bilhões anualmente com esse tipo de benefício.
Os cortes já realizados e a nova medida provisória
Apesar das alegações de que o governo não realizou cortes de gastos, o pacote de corte do ano passado, que reduziu o aumento real do salário mínimo, resultará em uma redução de R$ 327 bilhões em despesas em cinco anos. Adicionalmente, foram bloqueados R$ 31,3 bilhões do orçamento em 2024. Após negociações, o governo apresentou uma nova medida provisória (MP) com cortes de gastos na ordem de R$ 4,2 bilhões e aumento de receitas em R$ 10,5 bilhões, incluindo a ampliação da taxação de empresas de apostas on-line e Fintechs, além da padronização das alíquotas de títulos de investimentos.
O arcabouço fiscal e suas implicações
A necessidade de cortes de gastos ou aumento de receitas é imposta pela Lei do Arcabouço Fiscal, que limita as despesas da União. Manhas critica políticas fiscais muito restritivas, argumentando que a pressão por cortes em saúde e educação é insustentável, e que a população mais vulnerável sempre é quem arca com as consequências dessas medidas.