O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) anunciou nesta segunda-feira (10) o arquivamento definitivo do processo de licenciamento da Usina Termelétrica (UTE) Ouro Negro. Situada em Pedras Altas, no Rio Grande do Sul, esta iniciativa representava o último projeto de carvão mineral sob análise no país, marcando um ponto de virada significativo para o setor ambiental.
A proposta da empresa Ouro Negro Energia LTDA visava construir uma térmica de 600 megawatts (MW) impulsionada por carvão mineral. Entretanto, a localização planejada para a usina já havia sido identificada pela Agência Nacional de Águas (ANA) como uma área crítica em termos de disponibilidade hídrica. Em 2016, a ANA havia indeferido o pedido de captação de água da empresa, fundamentando sua decisão em potenciais riscos ambientais.
Vitória Ambiental e Encerramento de um Ciclo
Para o Instituto Arayara, uma organização internacional sem fins lucrativos dedicada à proteção ambiental, a recente decisão do Ibama constitui uma vitória histórica. Este marco não apenas beneficia a sociedade civil e o meio ambiente, mas também a população gaúcha, sinalizando o término de um período intenso de mobilização contra a expansão do carvão mineral em território brasileiro. Em plena Conferência das Partes (COP30), que ocorrerá em Belém em novembro de 2025, este arquivamento ganha ainda mais relevância.
Juliano Bueno de Araújo, diretor técnico do Instituto Internacional Arayara, celebrou a medida. Segundo ele, o arquivamento da UTE Ouro Negro vai além de uma simples decisão administrativa do Ibama; na verdade, representa um marco na jornada pelo fim da era do carvão no Brasil. Araújo enfatiza que o projeto carecia de consistência técnica, era socialmente injustificável e ambientalmente inviável, justificando plenamente a interrupção de seu licenciamento.
Deficiências Técnicas e Parada do Processo
O Ibama identificou diversas pendências nos planos de risco e emergência apresentados pela UTE Ouro Negro. Entre as falhas, destacavam-se deficiências notáveis nos sistemas de combate a incêndios, bem como a ausência de medidas eficazes para a proteção da fauna local. A empresa recebeu notificação dessas inadequações em agosto de 2023. Contudo, a ausência de complementações e esclarecimentos por parte da Ouro Negro Energia LTDA levou à paralisação e, subsequentemente, ao arquivamento definitivo do processo de licenciamento.
Anteriormente, em fevereiro de 2025, outro projeto de usina a carvão mineral no Rio Grande do Sul também havia sido encerrado: a UTE Nova Seival, que teria uma potência prevista de 726 MW. Naquela ocasião, o próprio empreendedor optou por desistir do projeto, citando lacunas técnicas e a preocupação com os impactos socioambientais que a usina poderia gerar.
O Carvão no Rio Grande do Sul e os Desafios Futuros
Apesar do arquivamento de novos projetos, o engenheiro John Wurdig, membro do Instituto Arayara e integrante da equipe de especialistas em energia do Observatório do Carvão Mineral (OCM), alerta para a persistência de incentivos à matriz energética de carvão. Segundo Wurdig, embora o Brasil não tenha novos empreendimentos termelétricos a carvão mineral em pipeline, isso não significa o fim do suporte a essa fonte altamente poluente.
Conforme o especialista, ainda existem garantias de continuidade para empreendimentos fósseis já em operação. Por exemplo, a UTE Candiota, o Complexo Termelétrico Jorge Lacerda e a UTE Pampa Sul permanecem autorizadas a funcionar até o ano de 2040. Isso ocorre mesmo utilizando carvão nacional, que frequentemente possui baixo poder calorífico e, por outro lado, elevado teor de cinzas e enxofre, contribuindo para a poluição atmosférica.
Lobby Carvoeiro e Prorrogação de Subsídios
Wurdig também denunciou ativamente a influência do lobby carvoeiro, que articulou a inclusão de emendas no Projeto de Lei de Conversão nº 10/2025, derivado da Medida Provisória nº 1.304/2025. Esse texto prevê a prorrogação de subsídios ao carvão mineral até 2040 e, além disso, garante outorgas para o funcionamento dessas usinas até 2050. Atualmente, tais dispositivos aguardam a decisão presidencial para serem sancionados ou vetados.
O engenheiro do Arayara ressaltou o papel do instituto em estratégias de oposição a projetos de combustíveis fósseis. Ele citou, por exemplo, a Ação Civil Pública que levou à suspensão do licenciamento da UTE Candiota III. De acordo com a Nota Técnica nº 8 do Ibama, esse empreendimento acumula multas que ultrapassam R$ 125 milhões, sem qualquer registro de pagamento até o momento. A Agência Brasil, por sua vez, busca contato com a empresa Ouro Negro Energia LTDA para obter um posicionamento sobre a decisão do Ibama, mantendo o espaço aberto para manifestações.



