O cartunista gaúcho Rafael Corrêa, conhecido por seu humor aguçado em suas tirinhas, viu sua vida tomar um rumo inesperado em 2010, aos 33 anos. Após sentir um peso crescente em sua perna durante caminhadas, recebeu o diagnóstico de esclerose múltipla. Longe de se entregar à desesperança, Corrêa transformou esse desafio em mais uma fonte de arte e conscientização, combatendo o preconceito que cerca a doença.
Um Filme para Quebrar Tabus
Neste fim de semana, coincidindo com o Dia Mundial da Esclerose Múltipla (30 de maio), Rafael Corrêa deu continuidade à divulgação de seu filme “Memórias de um esclerosado”. A produção de 75 minutos, realizada em parceria com a cineasta Thaís Fernandes, foi exibida em diversas cidades brasileiras. Na sexta-feira, o filme teve sessão em Brasília, no Cine Brasília, seguida de debate. No sábado, as exibições ocorreram em Belo Horizonte (Cine Humberto Mauro, 16h) e Recife (Cine São Luiz, 14h30, com sessão extra no domingo às 18h). A maratona de exibições seguiu na próxima semana, com sessões em Vitória (Cine Metrópolis, segunda e quarta às 20h10) e Niterói (terça-feira, 20h).
A ideia para o filme, segundo Corrêa, surgiu a partir de uma autobiografia em quadrinhos. Entretanto, o processo criativo enfrentou um obstáculo significativo: após o aparecimento dos sintomas nas pernas, a doença atingiu seu braço esquerdo – sendo ele canhoto. “Aí eu comecei a treinar com a mão direita que, depois, também foi afetada, mas com menos intensidade. Hoje, eu desenho só com a mão direita”, explicou o artista durante sua passagem por Brasília. Até o momento, ele já concluiu 40 páginas da obra e pretende finalizar um livro completo.
Humor como Ferramenta de Conscientização
Apesar dos desafios físicos impostos pela doença, o humor de Rafael Corrêa permaneceu intacto. Na verdade, ele se tornou um elemento fundamental em sua jornada e em seu filme. “Em 2015, eu juntei algumas páginas e consegui colocar na internet. Foi um sucesso muito grande e muita gente começou a me seguir, mandar perguntas e contar histórias sobre a esclerose”, relembra o cartunista. O filme, que mistura desenho animado e imagens de VHS, retrata seu dia a dia como cartunista e sua luta contra a doença, utilizando o humor como forma de desconstruir estigmas. “Quando eu comecei a fazer [o livro e o filme], eu não tinha muito claro se ia ser uma história de humor. Eu queria contar minha história. Só que, quando eu vi, saíam as piadas. O humor faz parte da minha vida desde criança”, contou.
A Importância da Visibilidade e do Diagnóstico Precoce
Além disso, o trabalho de Rafael Corrêa tem sido reconhecido como um importante instrumento de conscientização sobre a esclerose múltipla. Ricardo Faria, presidente da Associação Gaúcha dos Portadores de Esclerose Múltipla (Agapem), destaca a necessidade de combater a desinformação e o preconceito em torno da doença. “O objetivo é que nenhum paciente passe pela desinformação. Não é fácil ter o diagnóstico de uma doença que não tem cura e que tem vários preconceitos e enigmas a serem desvendados”, afirma Faria, que recebeu o diagnóstico há oito anos e passou por um longo período de incertezas e diagnósticos equivocados antes de finalmente obter um diagnóstico preciso. Ele enfatiza a importância da conscientização pública, pois “as pessoas não sabem o que é esclerose múltipla. Há um movimento gigantesco no Brasil das associações para conscientizar a população”.
Em consonância com essa visão, o neurologista Alexandre Guerreiro ressalta a importância da visibilidade da esclerose múltipla para um diagnóstico precoce, fundamental para o sucesso dos tratamentos. “É importante que haja visibilidade para pacientes e médicos”, defende. O especialista explica que a esclerose múltipla, uma doença autoimune que afeta a bainha de mielina, pode apresentar diversos sintomas, como perda de força em membros, tonturas e desequilíbrios. “Por isso, há ataques a essa mielina que causam déficits, que são ou não totalmente revertidos, em um médio e longo prazo”, explica Guerreiro. Apesar da falta de cura, o médico enfatiza que a medicina está em constante evolução, e que os tratamentos disponíveis oferecem chances significativas de melhorar a qualidade de vida dos pacientes. “Quanto mais precoce, melhor. Essa visibilidade ajuda muito a agilizar todos esses processos”, conclui.