O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, declarou categoricamente que a União não se juntará à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que modifica as regras de pagamento de precatórios. Em evento recente na capital paulista, Haddad classificou o adiamento dessas dívidas judiciais como “ilegal, inconstitucional e irracional”, afirmando preferir ser associado à pecha de “gastador” a ser rotulado como “caloteiro”. Essa decisão reflete a posição do governo federal em relação às obrigações judiciais pendentes, marcando uma clara distinção das práticas anteriores.
A Posição da União e os Argumentos do Ministro
Participando do Seminário de Precatórios, promovido pelo Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) na última sexta-feira (24), o ministro Fernando Haddad enfatizou a importância de honrar as dívidas judiciais do poder público. Para ele, a inobservância do pagamento de precatórios — que são débitos com trânsito em julgado e sem mais possibilidade de recurso — representa uma afronta à legalidade e à racionalidade. Diante deste cenário, a União optou por não aderir à emenda constitucional que revisa as normas para o seu cumprimento.
Adicionalmente, Haddad destacou a disparidade de capacidade financeira entre a União e os entes federados menores. Prefeitos, por exemplo, frequentemente enfrentam dificuldades para cumprir obrigações essenciais em saúde, educação e folha de pagamento, muitas vezes recorrendo a soluções paliativas. No entanto, o governo federal, que possui maior capacidade de financiamento, decidiu explicitamente não participar de tais mecanismos de adiamento. “Além de ilegal e inconstitucional, é irracional a decisão de não pagar as dívidas federais. Eu prefiro ficar com a pecha de ter gastado demais, mas não ficar com a pecha de caloteiro”, reiterou o ministro, ao mesmo tempo em que repudiou a prática de “calote” observada em gestões anteriores. Consequentemente, o governo atual busca um caminho que valorize a condição do país, evitando riscos e desmerecimento.
Reflexões de Outras Autoridades e Reconhecimento
O debate sobre precatórios ganhou mais profundidade com a participação de outras figuras importantes. O ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, presente no mesmo seminário, alertou para os severos prejuízos que o não pagamento de precatórios acarreta não apenas para o Estado, mas diretamente para o cidadão. Dantas salientou que, embora a previsibilidade fiscal seja um fator crucial, não se pode negligenciar o direito fundamental que, após anos de espera, foi garantido pelo Poder Judiciário. Assim sendo, a quitação desses débitos é uma questão de justiça e respeito à tutela judicial.
Paralelamente, durante o evento, Fernando Haddad foi honrado pelo IASP em reconhecimento à sua contribuição para o adimplemento de precatórios. Ao receber o prêmio, o ministro rememorou sua gestão como prefeito de São Paulo, uma cidade que historicamente acumula o maior volume de precatórios no país. Ele relembrou com orgulho ter sido o primeiro, e possivelmente o único, prefeito a não só quitar o fluxo corrente dessas dívidas, mas também a reservar recursos para o estoque acumulado. Posteriormente, Haddad descreveu essa atitude como uma decisão de “espírito público”, tomada por aqueles que vislumbram um futuro além do próprio mandato.
Detalhes e Controvérsias da Emenda Constitucional
A emenda constitucional em questão, promulgada pelo Congresso em setembro, introduziu mudanças significativas. Primordialmente, ela retirou os precatórios federais do limite de despesas primárias do Executivo, com efeito a partir de 2026. Além disso, a medida impõe limites ao pagamento dessas dívidas por parte de estados e municípios, e permite o refinanciamento de seus débitos previdenciários com a União. Na prática, esta alteração tem o propósito de aliviar a pressão financeira sobre estados e municípios, possibilitando que quitem suas dívidas judiciais em parcelas menores e com prazos estendidos. Concomitantemente, a PEC auxilia o governo federal no cumprimento de suas metas fiscais, ao realocar parte desses gastos para fora do teto de despesas.
Entretanto, a PEC não está isenta de críticas. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por exemplo, apresentou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). Felipe Sarmento, vice-presidente do Conselho Federal da OAB, que também participou do seminário, confirmou que a ação contesta dispositivos que permitem o adiamento indefinido, a perda do valor real dos créditos e a ausência de previsibilidade. Sarmento argumentou que “o pagamento de precatórios não é uma planilha contábil. É respeito à autoridade do Judiciário e à dignidade do cidadão que esperou, confiou e venceu”. Ele detalhou que a emenda modificou profundamente o cenário, estabelecendo um teto anual de pagamento de 1% a 5% da receita corrente líquida, antecipando a data de corte para 1º de fevereiro, reduzindo juros para 2% ao ano, e limitando a correção à taxa de serviço. Em sua análise, tais alterações conjuntas transformam as exceções em regra, abrindo caminho para uma “moratória permanente”.
Equilíbrio Fiscal e a Responsabilidade Pública
Em meio a essas discussões, o ministro Haddad reiterou a defesa do equilíbrio fiscal, mas com a ressalva de que ele deve ser alcançado de forma sustentável e com pleno respeito às decisões judiciais. “Resolver o problema fiscal desse jeito qualquer um resolve. Tem que resolver o problema fiscal de maneira sustentável, e é o que nós estamos procurando fazer”, asseverou o ministro. Além disso, ele levantou preocupações com a atuação antiética de alguns advogados, mencionando denúncias de litigância de má-fé em casos de acesso a programas e benefícios sociais por clientes sem direito. Consequentemente, Haddad sublinhou a necessidade de zelar pela coisa pública sob ambas as perspectivas, evitando culpar apenas o Estado. A transparência e a ética são, portanto, pilares fundamentais para a saúde financeira e jurídica do país.



