O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quarta-feira (10) para rejeitar a acusação de organização criminosa armada em uma ação penal que investiga uma suposta trama golpista. O objetivo da alegada conspiração seria manter o ex-presidente Jair Bolsonaro no poder. Fux justificou sua decisão argumentando que as condutas descritas na denúncia não se enquadram nos critérios legais exigidos para configurar o crime.
Análise Jurídica Detalhada da Acusação de Organização Criminosa
Em sua extensa explanação, o ministro Fux delineou sete pontos fundamentais que o levaram a afastar a imputação de organização criminosa armada. Segundo ele, as ações narradas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) não correspondem aos requisitos estabelecidos pela legislação para a tipificação desse delito. Primeiramente, a acusação não conseguiu demonstrar que o propósito das reuniões entre os réus era a prática de um número indeterminado de crimes. Pelo contrário, conforme Fux, os delitos mencionados eram pontuais e predeterminados, uma distinção crucial já pacificada pelo próprio Supremo em julgamentos anteriores, incluindo o caso conhecido como Mensalão.
Em seguida, Fux sublinhou que a denúncia carecia de evidências sobre a “estabilidade e permanência” da suposta organização, requisito legal indispensável. Ele enfatizou a ausência de descrições que comprovassem a intenção dos réus de manterem-se associados para cometer novos crimes indefinidamente, após a execução dos supostos atos planejados. Ademais, o ministro Fux também descartou o agravante do uso de armas pela alegada organização criminosa. Isso ocorreu porque o procurador-geral da República, Paulo Gonet, não narrou, em nenhum momento da denúncia ou das alegações finais, a utilização efetiva de armas pelos acusados. A doutrina jurídica brasileira, para Fux, é unânime ao afirmar que a mera posse de armas não é suficiente; é imperativo demonstrar que elas foram empregadas na prática dos crimes.
O Debate sobre o “Crime Único” e suas Implicações
Abordando um dos aspectos mais debatidos no julgamento, o ministro Fux expressou seu entendimento de que os crimes de golpe de Estado e de tentativa violenta de abolir o Estado Democrático de Direito não podem coexistir simultaneamente. Para ele, o crime de golpe de Estado “absorve” o segundo, configurando uma única infração penal. Conforme suas palavras, a dualidade de crimes contra o Estado Democrático de Direito se mostrou equivocada, pois o delito de abolição violenta constitui, em tese, um meio para atingir o delito maior de golpe de Estado. Fux, portanto, baseou-se em votos anteriores, inclusive os seus e de outros ministros, que seguiram essa linha de raciocínio, especialmente em decisões relativas aos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
Por conseguinte, a exclusão do agravante referente ao uso de armas, juntamente com a absorção do crime de atentado contra o Estado de Direito pelo de golpe de Estado, implica que não se caracterizaria a prática de mais de dois crimes com pena superior a quatro anos. Essa é uma exigência legal fundamental para enquadrar a reunião dos réus como uma organização criminosa. Em conclusão, o ministro Fux declarou a manifesta falta de correspondência entre as condutas narradas na acusação inicial e o tipo penal, o que o levou a julgar improcedente a imputação do crime de organização criminosa.
Contexto e Andamento do Julgamento no STF
Anteriormente, o ministro Fux já havia votado favoravelmente aos pedidos da defesa, reconhecendo nulidades processuais, tais como o cerceamento de defesa e a incompetência do Supremo Tribunal Federal para julgar o caso. Sua posição é a terceira no julgamento e a primeira a apresentar divergências significativas em relação às questões preliminares levantadas pelas defesas e à própria tipificação dos crimes imputados.
No dia anterior, terça-feira (9), os ministros Alexandre de Moraes, relator da ação penal, e Flávio Dino rejeitaram todas as preliminares e votaram pela condenação dos oito réus pelos crimes inicialmente imputados pela Procuradoria-Geral da República. A Primeira Turma do STF retomou o julgamento nesta quarta-feira (10) para decidir sobre a possível condenação de Bolsonaro e mais sete aliados, acusados de participar de uma conspiração para reverter o resultado das eleições de 2022. Este grupo, considerado o núcleo principal da denúncia apresentada pela PGR, engloba as figuras centrais do suposto complô. O julgamento iniciou na semana anterior, com as sustentações das defesas e a manifestação do procurador-geral Paulo Gonet, que pleiteou a condenação de todos os envolvidos. A expectativa é que a análise se estenda até a sexta-feira (12), com a aguardada votação da ministra Cármen Lúcia e do ministro Cristiano Zanin, que preside a Primeira Turma e conduz os trabalhos.
Lista dos Réus e Crimes Atribuídos
Os réus que figuram nesta ação penal são:
- Jair Bolsonaro, ex-presidente da República;
- Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin);
- Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal;
- Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI);
- Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
- Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro em 2022;
- Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
Todos os acusados respondem pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado por violência e grave ameaça, além de deterioração de patrimônio tombado. Contudo, há uma exceção para o ex-diretor da Abin, Alexandre Ramagem, atualmente deputado federal. Ele foi beneficiado com a suspensão de parte das acusações, respondendo apenas por três dos cinco crimes. Essa prerrogativa é amparada pela Constituição e se aplica especificamente aos crimes de dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União com prejuízo considerável, e deterioração de patrimônio tombado, todos relacionados aos atos de 8 de janeiro.