Um novo relatório intitulado “Amazônia em Disputa”, divulgado recentemente em Bogotá, na Colômbia, lança luz sobre a alarmante intensificação de crimes, conflitos e a precária presença estatal que assola as fronteiras do bioma amazônico. O estudo destaca, em particular, a vulnerabilidade da região noroeste, onde a complexa intersecção de fatores ambientais, criminais e institucionais gera um cenário de instabilidade crescente.
A Complexa Realidade das Fronteiras Amazônicas
A Amazônia, um bioma de relevância estratégica global para a regulação climática e lar de uma biodiversidade incomparável e diversas culturas tradicionais, enfrenta desafios significativos que vão além de suas qualidades intrínsecas. O relatório em questão mapeia minuciosamente as áreas fronteiriças, os atores envolvidos e as dinâmicas que colocam esta vasta região em risco iminente. Conforme o estudo, a região está sob forte pressão de atividades ilícitas e de uma governança frágil, impactando diretamente suas populações e ecossistemas.
Este levantamento representa uma colaboração fundamental entre o Instituto Igarapé, a União Europeia e a Fundação para a Conservação e o Desenvolvimento Sustentável (FCDS). Prioritariamente, ele foca na porção noroeste da Amazônia, uma área crítica que engloba os limites geográficos e políticos do Brasil, Colômbia, Venezuela, Equador e Peru. Além disso, a escolha dessa região estratégica enfatiza a natureza transfronteiriça dos problemas.
A Mecânica das Disputas na Região
O estudo identifica quatro categorias distintas de disputas que permeiam o território amazônico, cada uma com suas particularidades e impactos. Em primeiro lugar, as disputas ambientais manifestam-se através de severos danos à floresta, abrangendo degradação, desmatamento desenfreado, queimadas intensas e exploração predatória de recursos naturais. Subsequentemente, o aspecto criminal revela a atuação de grupos armados e redes ilícitas que operam na fronteira entre o legal e o ilegal, o formal e o informal. Isso inclui desde o narcotráfico e a mineração ilegal até a imposição de “impostos” locais por esses grupos.
Adicionalmente, as disputas de capital envolvem o processo pelo qual a floresta é transformada em mercadoria por meio de cadeias de extração, tanto legais quanto ilegais. Esta dinâmica engloba commodities como drogas, ouro, madeira e gado, que não apenas alimentam o desmatamento, mas também criam mecanismos sofisticados para a lavagem de ativos. Finalmente, as questões institucionais refletem a governança frágil e fragmentada da região. Enquanto as redes criminosas expandem sua atuação e influência, a presença do Estado se mostra desarticulada e ineficaz para conter esses avanços.
Melina Risso, diretora de pesquisa do Instituto Igarapé, ressalta a responsabilidade global inerente a essa problemática. Segundo ela, ao analisar as economias ilícitas que exercem pressão sobre a Amazônia, é imperativo reconhecer a existência de mercados globais. Risso enfatiza que a responsabilidade não recai apenas sobre os países amazônicos, mas também sobre todos os que adquirem esse tipo de ativo da região. Portanto, ela defende a necessidade de respostas conjuntas para enfrentar os danos concretos observados no território, uma vez que, embora o dano permaneça na Amazônia, as redes que operam nessas economias ultrapassam as fronteiras amazônicas.
Desafios Críticos e Grupos Armados
O diagnóstico inicial realizado pelo estudo revela uma paisagem preocupante de desafios nas fronteiras do noroeste amazônico. Uma das análises preliminares aponta para a presença de, no mínimo, dezesseis grandes grupos armados ilegais. Impressionantemente, estes grupos atuam em 69% dos municípios amazônicos. Entre os mais notórios estão o Comando Vermelho (CV), o Primeiro Comando da Capital (PCC), o Exército de Libertação Nacional (ELN) e as dissidências das FARC, que exercem considerável influência sobre a região.
Em quase todos os países da Amazônia, as taxas de homicídio superam as médias nacionais, o que demonstra a gravidade da violência. Em particular, a situação é mais crítica nas fronteiras de Putumayo (Colômbia), Madre de Dios (Peru) e Sucumbíos (Equadro). Nessas localidades, o narcotráfico, a mineração ilegal e a ausência do Estado convergem para criar focos de intensa instabilidade. Ademais, os grupos criminosos operam com fluxos financeiros de escala transnacional, cujas redes de economias ilícitas — envolvendo ouro, madeira e drogas — se articulam com mercados formais, dificultando ainda mais o combate a essas atividades.
Impactos Sociais e Fragilidade Estatal
As populações indígenas e as comunidades ribeirinhas são as mais severamente afetadas pela violência e pelas atividades ilegais. Frequentemente, esses grupos enfrentam deslocamentos forçados, a perda de seus territórios ancestrais e a destruição de seus meios de vida tradicionais. Consequentemente, a desestruturação social e cultural é profunda. A região amazônica, além disso, é reconhecida como a mais perigosa do mundo para defensores ambientais, com mais da metade dos assassinatos globais registrados em 2023 ocorrendo nesse bioma. Este dado alarmante sublinha a gravidade da situação e a vulnerabilidade dos que atuam na defesa da floresta.
Um dos fatores preponderantes para esse cenário é a atuação frágil e, por vezes, equivocada do Estado. Pesquisadores apontam que os órgãos estatais tendem a agir de maneira reativa e militarizada, sem fortalecer a governança civil e comunitária. Por outro lado, a ausência de uma atuação coordenada e a formação de vazios de poder reforçam a violência e a informalidade, permitindo que grupos criminosos prosperem e expandam suas operações sem grandes entraves.
Cenários Específicos: As Cinco Zonas de Disputa
Os pesquisadores identificaram e categorizaram cinco áreas fronteiriças na Amazônia, cada uma com dinâmicas de disputa particulares e desafios singulares. Duas dessas áreas incluem territórios pertencentes ao Brasil, evidenciando a abrangência do problema:
- Guainía–Orinoco (Colômbia–Venezuela): Esta região caracteriza-se por um intenso fluxo de bens, tanto legais quanto ilegais, e uma proliferação de garimpo e redes criminosas. As comunidades indígenas locais, por exemplo, enfrentam constante pressão de grupos armados, resultando em severa degradação ambiental.
- Mitú–Taraira (Colômbia–Brasil): Esta área sofre com a baixa presença estatal e é atravessada por rotas cruciais do narcotráfico e atividades ilegais de mineração. Seu isolamento geográfico favorece a atuação de grupos armados, que pressionam intensamente as comunidades tradicionais da região.
- Trapézio Amazônico (Colômbia–Brasil–Peru): Considerado um dos epicentros da economia ilícita na região, sua posição geográfica privilegiada favorece a concentração de rotas estratégicas para o tráfico de drogas e armas. A atividade fluvial é intensa, e os grupos armados que ali atuam possuem conexões internacionais robustas.
- Putumayo (Colômbia–Equador–Peru): Esta zona é crítica devido à intensa presença do narcotráfico e à violência letal. Observa-se uma sobreposição de grupos armados, rotas ilícitas, pressão sobre a floresta e, lamentavelmente, frequentes deslocamentos forçados de populações.
- Yavarí (Brasil–Peru): Uma região de difícil acesso, o Yavarí tem visto a expansão do garimpo ilegal, da extração predatória de madeira e do tráfico de mercadorias. A ausência do Estado combina-se com disputas por territórios indígenas, criando um cenário de acentuada degradação ambiental e social.
Caminhos para a Cooperação e Ação Urgente
Para a diretora de pesquisas do Instituto Igarapé, Melina Risso, o momento atual exige o estabelecimento de novas estruturas de governança para a Amazônia. Isso inclui uma articulação interinstitucional dentro de cada país e, igualmente crucial, entre os países que compartilham a bacia amazônica. Uma oportunidade significativa para delinear esses novos rumos foi a 5ª Cúpula de Presidentes dos Estados Partes do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), ocorrida em Bogotá. Este evento sublinhou a urgência de ação coordenada.
Risso vê a OTCA como uma grande chance para a cooperação, especialmente com a instalação da Comissão de Segurança Pública. Contudo, as soluções propostas também devem contemplar alternativas econômicas inovadoras e uma discussão aprofundada sobre o pagamento por serviços ecossistêmicos e o financiamento para a economia da natureza. Essas discussões, por conseguinte, deverão estender-se até a COP30. Em conclusão, a pesquisadora complementa, o estudo visa chamar a atenção para a urgência de uma ação coordenada, enfatizando que “não temos mais tempo de esperar que todas as relações diplomáticas estejam estabelecidas para a gente avançar”.