O Festival Nosso Futuro, realizado em Salvador, Bahia, tornou-se palco para intensos debates sobre justiça climática e o combate à desinformação, reunindo jovens do Brasil, da França e de países africanos. O evento, marcado por uma programação diversificada, destacou a importância da produção midiática jovem e do diálogo intercultural para enfrentar desafios globais.
O Rádio como Palco para Diálogos Essenciais
Em um formato inovador, as ondas do rádio serviram como fio condutor para as discussões sobre sustentabilidade e equidade climática. A renomada jornalista francesa Valérie Nivelon, apresentadora do programa semanal La Marche du Monde (A Marcha do Mundo), realizou uma gravação especial diretamente da capital baiana. A transmissão, que irá ao ar na França, abordou as complexas relações e os desafios entre Brasil, França e nações africanas.
Na ocasião, a voz do influente filósofo e historiador camaronês Achille Mbembé ressoou pelo auditório através de uma gravação. Embora impossibilitado de comparecer pessoalmente por motivos pessoais, Mbembé, conhecido por sua conceituação de necropolítica, enfatizou a urgência de uma relação mais harmoniosa com a natureza, em especial com as florestas. Além disso, o pensador defendeu o meio ambiente como um espaço crucial para debates sobre justiça climática, reiterando a necessidade de proteger comunidades vulneráveis, como as rurais e quilombolas.
O painel de debate contou com a participação de figuras proeminentes, como Karim Bouamrane, prefeito de Saint-Ouen, Ileana Santos, fundadora de Je m’engage pour l’Afrique, Zola Chichmintseva-Kondamamdou, curadora, e a jornalista brasileira Dríade Aguiar. Cada um contribuiu com suas perspectivas sobre as interconexões entre clima, sociedade e informação.
Conexões Brasil-África e o Racismo Ambiental
A co-fundadora da Mídia Ninja, Dríade Aguiar, única brasileira convidada a participar do programa de rádio francês, defendeu veementemente que o debate sobre racismo ambiental no Brasil é indispensável para a salvaguarda dos povos quilombolas. Conforme a jornalista, a participação dessas comunidades na agenda ambiental é frequentemente invisibilizada.
“A presença deles não é convocada como deveria. Entretanto, os territórios quilombolas e as religiões de matriz africana sustentam uma forma de vida que entende que a natureza é sagrada, vital. Na prática, são grandes defensores do meio ambiente e pilares da justiça climática”, declarou Dríade. A comunicadora, que se prepara para a COP30 em Belém, enfatizou a necessidade de aprofundar as relações entre Brasil e África para construir espaços verdadeiramente justos e sustentáveis. Ela propôs que as iniciativas para a construção desses territórios deveriam avançar no sentido de um reconhecimento mútuo, um “espelho e continuidade” entre as nações, superando a unilateralidade do Brasil “falar sobre a África”.
Apesar de reconhecer os avanços do Brasil nas últimas décadas em relação ao racismo e à consciência racial – como a implementação de uma lei para o ensino da cultura afro-brasileira nas escolas –, a jornalista brasileira salientou a urgência de aprofundar a valorização da cultura herdada dos africanos, especialmente entre as novas gerações. Ela observou ainda com otimismo a atuação da juventude. “Tenho ouvido coisas muito interessantes vindas da juventude — tanto de pequenas cidades da França quanto de países africanos. Acho que a juventude entendeu que ela não é mais ‘o futuro’. Ela é o presente. Está agindo agora — seja na crise climática, na pauta da moradia, no direito de pertencer e de ir e vir”, concluiu Aguiar, demonstrando a força e o engajamento dos jovens.
Juventude Conectada e o Combate à Desinformação
Para além das discussões radiofônicas, a pauta ambiental ganhou um novo impulso na internet, com a ativa participação de jovens. Durante o festival, um grupo de estudantes brasileiros e franceses se destacou com o crachá de “Repórter”, simbolizando um movimento para incluir a juventude na divulgação de informações a partir de seus próprios territórios.
Entre esses jovens estava Brenda Batista, de 16 anos, integrante da Agência de Notícias Estudantil Voz Ativa, que dissemina conteúdos educacionais e informações de serviço à comunidade. “É uma oportunidade incrível para aprender várias coisas e levar informações para outras pessoas também”, refletiu a estudante, expressando o impacto da iniciativa.
Brenda, aluna da Escola Estadual Clarice Santiago dos Santos, em Salvador, faz parte de um grupo de cerca de 20 estudantes de municípios baianos e da cidade francesa de Saint-Ouen. Eles tiveram as primeiras experiências no combate à desinformação durante o Festival Nosso Futuro e agora aplicarão seus conhecimentos na Conferência do Clima na Amazônia (COP30).
Este projeto, batizado de MidiaCop, é financiado pela Embaixada da França no Brasil e tem como objetivo capacitar professores e estudantes. É implementado no país pelo CLEMI (Le Centre Pour L’éducation Aux Médias et à L’information), em colaboração com o governo brasileiro. Lucas Chevalier, representante do CLEMI e mediador de um debate no evento, sublinhou que a produção de conteúdo midiático diretamente dos territórios dos jovens e estudantes constitui uma forma poderosa de combater a desinformação. Esta visão é compartilhada por Mariana Filizola, coordenadora-geral de Comunicação Midiática da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, que salientou o potencial do intercâmbio de experiências bem-sucedidas entre os dois países para o fortalecimento das democracias. “É muito potente quando pessoas com o mesmo objetivo se unem por um propósito”, disse Filizola. Ao final, a estudante Brenda Batista, questionada sobre sua futura carreira, respondeu com convicção: “Jornalista, claro!”.
O Significado do Festival Nosso Futuro
O Festival Nosso Futuro, sediado em Salvador, integrou as celebrações dos 200 anos de relações diplomáticas entre Brasil e França. A capital baiana, até este sábado (8), foi cenário para uma série de eventos culturais, gastronômicos, exposições e oficinas, reunindo ativistas, artistas e empreendedores. A maioria dos participantes era composta por jovens franceses, brasileiros e africanos, todos preocupados com o futuro do planeta e engajados na construção de territórios mais justos e sustentáveis diante das mudanças climáticas.



