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Formação militar: pesquisadora analisa influência na política brasileira

Cientista política Ana Amélia Penido destaca como a formação militar no Brasil contribui para uma visão diferenciada do Estado e do papel das Forças Armadas.
Formação Militar Brasileira
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Educação militar e democracia: relação complexa

A formação dos militares brasileiros, especialmente no Exército, sempre despertou interesse de pesquisadores devido ao papel histórico da instituição. Desde a Proclamação da República, em 1889, até a Ditadura Militar iniciada em 1964, os militares exerceram influência decisiva em momentos políticos críticos do país. Recentemente, com a investigação de atos antidemocráticos, cresce o debate sobre como a educação militar molda a visão de mundo desses profissionais.

A cientista política Ana Amélia Penido, da Unicamp, lançou o livro Como se Faz um Militar? pela Editora Unesp. O estudo detalha a formação na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) e analisa como o internato, as rotinas regimentais e as práticas simbólicas contribuem para consolidar uma identidade militar distinta da civil.

Ideia de superioridade e seus reflexos

Segundo Penido, o ambiente acadêmico militar enfatiza hierarquia e disciplina, com um distanciamento claro entre o mundo civil e o militar. “Essa diferenciação gera um sentimento de superioridade, que, em casos extremos, pode abrir margem para práticas golpistas”, explica. A pesquisadora cita exemplos cotidianos que reforçam essa visão, como comparações depreciativas entre as universidades civis e os padrões de organização nas escolas militares.

Interação entre civis e militares pode mitigar riscos

Embora a formação militar tenha características únicas, Penido acredita que maior integração com a sociedade civil poderia reduzir tensões e promover valores democráticos. “Na Marinha e na Aeronáutica, essa interação é maior devido à dependência tecnológica e à necessidade de colaborações com engenheiros e outros civis”, observa.

A pesquisadora sugere que incluir mais disciplinas voltadas para direitos humanos e relações civis-militares no currículo militar pode ajudar, mas enfatiza que a essência do ensino militar vai além das salas de aula. “A formação ocorre em rituais, práticas e vivências que moldam a identidade dos cadetes”, afirma.

Autonomia educacional e desafios estruturais

Penido defende que o sistema educacional militar esteja integrado ao Ministério da Educação (MEC) para garantir maior supervisão e alinhamento com valores nacionais. Atualmente, Exército, Marinha e Aeronáutica possuem sistemas autônomos, o que, segundo ela, cria “uma nação dentro da nação”.

A pesquisadora também questiona como a história é ensinada nas escolas militares. Ela destaca a construção de narrativas que reforçam o protagonismo militar na formação do Brasil, como o mito de Guararapes, apontado como marco fundador do Exército antes mesmo da Independência.

Futuro das relações civis-militares no Brasil

Para Penido, compreender e reformar a formação militar é essencial para fortalecer a democracia. “A sociedade precisa se engajar nesse debate e exigir que as Forças Armadas sejam alinhadas com os princípios democráticos e as necessidades da população brasileira”, conclui.