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Fiscal municipal avança, mas 36% das cidades ainda enfrentam crise, diz Firjan

Firjan aponta melhora na gestão fiscal de municípios brasileiros, mas 36% das cidades ainda vivem situação crítica ou difícil, apesar do bom momento econômico.
Firjan gestão fiscal municípios
Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

O Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF) revelou que, apesar de um cenário econômico favorável e um aumento nos repasses de verbas, a gestão fiscal dos municípios brasileiros demonstrou avanços significativos. Contudo, o estudo ressalta que 36% das cidades do país, representando cerca de 46 milhões de habitantes, ainda enfrentam uma situação fiscal classificada como difícil ou crítica. Esta análise abrangente considerou os dados financeiros de 5.129 prefeituras, conforme as informações por elas declaradas.

Para avaliar a saúde financeira municipal, o IFGF atribui uma pontuação de zero a um, considerando quatro indicadores essenciais: Autonomia, Gastos com Pessoal, Investimentos e Liquidez. A classificação varia de “crítica” (abaixo de 0,4 ponto) a “excelência” (acima de 0,8 ponto), passando por “dificuldade” (entre 0,4 e 0,6) e “boa” (entre 0,6 e 0,8). Em média, as prefeituras brasileiras alcançaram 0,6531 ponto, indicando uma condição fiscal geralmente boa. Notavelmente, Vitória se destaca como a única capital a atingir a pontuação máxima no estudo. Em contraste, Cuiabá apresenta um nível crítico em investimentos e pontuação zero em liquidez, refletindo um desafio significativo em sua administração.

Luiz Césio Caetano, presidente da Firjan, sublinha a importância de reconhecer que a atual melhora fiscal se deve em grande parte aos resultados econômicos de 2024 e ao maior volume de recursos transferidos, alertando que tal cenário pode não persistir no futuro. Ele enfatiza que, mesmo com uma maior folga orçamentária, uma parcela expressiva de cidades permanece em situação desfavorável, o que evidencia profundas desigualdades históricas e mantém o Brasil distante de um patamar elevado de desenvolvimento. Em 2024, por exemplo, o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) totalizou repasses de R$ 177 bilhões. Caetano defende, ademais, que as cidades precisam fomentar a economia local e gerar recursos próprios. Dessa forma, além de diminuir a vulnerabilidade aos ciclos econômicos, elas proporcionarão mais oportunidades e melhor qualidade de vida à população.

Naiara Freire, especialista em estudos econômicos da Firjan, complementa que o crescimento na distribuição de receitas nos últimos anos, especialmente no período pós-pandemia, contribuiu para que muitos municípios se tornassem mais ricos. No entanto, ela aponta que esse progresso ocorreu de forma bastante desigual. As cidades menores, por exemplo, que recebem uma proporção maior do FPM, ficaram com mais receitas disponíveis em comparação com as cidades de médio e grande porte. A pesquisadora observa que, embora a situação fiscal dos municípios nunca tenha sido tão favorável, esse ajuste se deu predominantemente via receitas. Ela avalia que a maior descentralização dos recursos públicos propiciou uma melhoria fiscal para a maioria das prefeituras. Contudo, Freire ressalta que os municípios estão distantes da excelência, e diversos gargalos ainda precisam ser superados para uma gestão verdadeiramente eficaz.

Autonomia Fiscal: Dependência de Repasses

Um dos indicadores cruciais analisados pelo IFGF é a Autonomia, que mensura a capacidade das receitas locais de cobrir as despesas essenciais da administração pública. Neste quesito, a média das cidades brasileiras atingiu 0,4403 ponto, categorizando a gestão como em dificuldade. Essa pontuação, portanto, revela a alta dependência dos municípios em relação às transferências de recursos da União para suprir suas necessidades mínimas. O estudo também alerta que mais de 50% das prefeituras vivem uma situação crítica de autonomia. Desse grupo, surpreendentemente, 1.282 cidades não conseguem gerar receita suficiente nem mesmo para custear as despesas do prefeito e da Câmara de Vereadores, evidenciando uma fragilidade orçamentária fundamental.

Gestão de Gastos com Pessoal: Desafios e Limites

No que concerne aos Gastos com Pessoal, que avalia a proporção da receita corrente líquida destinada ao pagamento de funcionários, a média brasileira alcançou 0,7991 ponto, considerado um patamar de boa gestão. A Firjan esclarece que esta foi a pontuação mais alta entre todos os indicadores do IFGF, resultado do expressivo aumento do orçamento total, e não de um ajuste na folha de pagamentos, medida que atualmente se encontra restrita pela legislação. Em média, as cidades destinam 46% de sua receita para esta despesa. Em períodos de arrecadação mais baixa, este percentual chegou a 56,1%. Contudo, mesmo em um cenário mais favorável, 540 prefeituras ainda comprometem mais de 54% do orçamento com gastos de pessoal. Dessas, 131 chegam a ultrapassar o limite máximo de 60% estipulado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), configurando um risco para a sustentabilidade fiscal.

Investimentos Públicos: Potencial e Ineficiência

O indicador de Investimentos mede a fatia da receita total municipal destinada a essa finalidade. O país obteve 0,7043 ponto, configurando uma boa gestão. Tal resultado reflete a alocação de, em média, 10,2% da receita para investimentos públicos, o maior percentual já registrado na série histórica do IFGF. Ademais, 1.601 cidades alcançaram a nota máxima (1 ponto) neste indicador, destinando mais de 12% do orçamento para investimentos. Entretanto, a Firjan salienta a ausência de um plano nacional de desenvolvimento com mecanismos que permitam medir a qualidade dos gastos. Consequentemente, os investimentos podem não ser os mais eficazes para reduzir as desigualdades regionais. Além disso, 938 cidades, o equivalente a 18,3% do total, exibem um nível crítico no IFGF Investimentos, dedicando em média apenas 3,2% de sua receita a essa importante finalidade.

Liquidez Municipal: O “Cheque Especial” das Prefeituras

No indicador de Liquidez, que verifica se as prefeituras adiam pagamentos de despesas para o exercício seguinte sem cobertura de caixa adequada, a média das cidades brasileiras foi de 0,6689 ponto, classificada como boa gestão. De acordo com a Firjan, o aumento das receitas também impulsionou os municípios a encerrarem 2024 com uma boa liquidez geral. Apesar desse quadro predominantemente positivo, 2.025 municípios apresentaram níveis de liquidez difíceis ou críticos em 2024. Neste grupo, as 413 prefeituras que finalizaram o ano sem recursos em caixa suficientes para cobrir as despesas postergadas para o ano seguinte destacam-se negativamente, obtendo pontuação zero no indicador. Na prática, conforme explica a federação, esses municípios operam no “cheque especial”, comprometendo sua estabilidade financeira a curto prazo.

Desigualdades Regionais e Reformas Necessárias

Jonathas Goulart, gerente de Estudos Econômicos da Firjan, enfatiza um cenário de flagrante desigualdade na economia regional do Brasil. Ele observa que 98% dos municípios com alto desenvolvimento estão concentrados nas regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste. Por outro lado, 95% das cidades com desenvolvimento crítico situam-se nas regiões Norte e Nordeste, acentuando a disparidade geográfica. Diante deste panorama geral delineado pelo IFGF, Goulart defende que reformas são imprescindíveis para aprimorar a gestão municipal e, consequentemente, impulsionar o desenvolvimento do país. Entre os pontos cruciais a serem considerados, ele menciona a necessidade de revisão dos critérios de distribuição de recursos. Estes, em seguida, deveriam incluir regras que incentivem os gestores públicos a ampliar a arrecadação local e assegurem a qualidade do gasto público. Ele também ressalta a extrema importância de uma reforma administrativa para flexibilizar o orçamento e otimizar as despesas com pessoal, além de apontar a fusão de municípios como uma medida potencial para melhorar a eficiência da gestão e o panorama geral do desenvolvimento nacional.

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