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Filme francês no Rio gera debate sobre autonomia neurodivergente

Um filme francês de 2024 gerou debate no Rio sobre a autonomia e a sexualidade de pessoas neurodivergentes, destacando a necessidade de inclusão e combate a estereótipos.
autonomia neurodivergente
Foto: Anna Karina de Carvalho/Agência Brasil

Um filme francês recente reacendeu um diálogo crucial no Rio de Janeiro sobre a autonomia e a sexualidade de pessoas neurodivergentes, sublinhando a urgência de promover a inclusão e desmantelar preconceitos arraigados. Este debate ocorreu em torno da obra cinematográfica Pedaço de Mim (França, 2024), dirigida por Anne-Sophie Baill, durante uma sessão e discussão no renomado cinema Estação Net Gávea, localizado na zona sul carioca.

Desafiando Estereótipos e a Importância da Representação

A exibição de Pedaço de Mim serviu como catalisador para um encontro significativo entre a audiência e diversos profissionais das áreas de acessibilidade e cinema. No centro da narrativa do filme, uma mãe confronta o complexo dilema de permitir que seu filho, diagnosticado com transtorno do espectro autista (TEA), busque uma vida independente. Este percurso inclui o desejo de morar sozinho, estabelecer relacionamentos interpessoais e, eventualmente, formar sua própria família, questões que frequentemente são negligenciadas ou estereotipadas quando se trata de indivíduos neurodivergentes.

Neste contexto, o cineasta Daniel Gonçalves, que abertamente se identifica como neurodivergente, enfatizou que Pedaço de Mim instiga profundas reflexões. Ele critica veementemente a percepção comum de que pessoas neurodivergentes não possuem desejos sexuais ou afetivos. Conforme Gonçalves, o senso popular frequentemente as retrata como seres “angelicais”, desprovidos de paixões, perpetuando, portanto, estereótipos profundamente capacitistas. Além disso, Gonçalves é o diretor do documentário brasileiro Assexybilidade (2024), um trabalho que complementa essa discussão. Seu filme oferece um espaço para pessoas com deficiência falarem abertamente sobre flertes, beijos, intimidade e namoro, provando inequivocamente que, assim como qualquer indivíduo, possuem desejos e vidas afetivas ricas e complexas.

Impulsionando a Autonomia e a Vida Independente

Para Flávia Pope, representante do Instituto JNG, é imperativo que a sociedade adote uma nova perspectiva e reconheça a plena capacidade de pessoas neurodivergentes em lidar com as interações e desafios do cotidiano. Em vista disso, o Instituto JNG tem sido pioneiro no Brasil ao criar o primeiro modelo de residência assistida. Este projeto inovador visa proporcionar a adultos com deficiência a oportunidade de desenvolver autonomia e viver de forma independente, desmistificando a ideia de que necessitam de constante tutela.

Avanços Legislativos e Acessibilidade no Setor Cultural

Paralelamente, a empresária Ana Mota ressalta o impacto transformador das recentes modificações na Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015). Essas alterações têm sido fundamentais para facilitar a participação de mais pessoas com deficiência em diversas atividades rotineiras, como, por exemplo, frequentar cinemas e espetáculos. Mota é proprietária da All Dub Estúdios, uma empresa especializada na prestação de serviços de acessibilidade para eventos e salas de exibição. Consequentemente, as mudanças legislativas dos últimos anos impulsionaram significativamente a demanda por serviços como audiodescrição, interpretação em Libras e a adaptação física de espaços, tornando o lazer cultural mais acessível a todos.

Crescimento da Acessibilidade em Salas de Cinema

A melhoria na acessibilidade não é apenas uma questão de legislação; é uma realidade em expansão no setor cinematográfico brasileiro. De acordo com dados da Associação Brasileira das Empresas Exibidoras Cinematográficas Operadoras de Multiplex (Abraplex), o número de salas de cinema equipadas para receber pessoas com deficiência tem demonstrado um crescimento contínuo e notável. Em 2024, o país registrou aproximadamente 3.480 salas em operação com recursos de acessibilidade, um número que já representava um recorde. No entanto, este marco foi superado logo em janeiro do ano corrente, quando o total atingiu 3.509 salas, evidenciando um compromisso crescente da indústria em tornar a experiência cinematográfica verdadeiramente inclusiva para um público mais amplo.

Conclusão: Rumo a uma Sociedade Mais Inclusiva

Em conclusão, o debate suscitado pelo filme Pedaço de Mim no Rio de Janeiro serve como um lembrete contundente da importância de discutir abertamente a autonomia e a sexualidade de pessoas neurodivergentes. Através de filmes, iniciativas de moradia independente e avanços legislativos, a sociedade brasileira caminha progressivamente em direção a um ambiente mais inclusivo e respeitoso. Essas ações coletivas são essenciais para assegurar que cada indivíduo, independentemente de sua neurodiversidade, tenha o direito e a oportunidade de viver uma vida plena e autodeterminada, livre de estereótipos e barreiras.