Político, lírico e esperançoso. Assim foi o discurso do secretário de Cultura e Economia Criativa, Bartolomeu Rodrigues, na primeira noite da 55ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (FBCB), na noite de terça-feira (14), no Cine Brasília. A abertura da mostra foi uma noite de reencontros, retorno e celebração do novo.
Exaltando o “público maravilhoso” do festival, o legado do professor e crítico de cinema Paulo Emílio Salles Gomes (idealizador do FBCB) , o gestor alertou sobre a necessidade de acabar com a fome e a miséria no país, as insanidades irascíveis das redes sociais e impunidades contra as minorias, convocando todos à construção de um novo Brasil. Um Brasil democrático que diz não às atrocidades e injustiças.
Ainda no palco, Bartô teceu loas ao grande homenageado da noite, o cineasta e diretor de fotografia Jorge Bodanzky, que em dezembro completará 80 anos. Emocionado, o diretor de pérolas do cinema brasileiro, como Iracema, uma Transa Amazônica (1975), lembrou os tempos de estudante da segunda turma de cinema da Universidade de Brasília (UnB), quando foi aluno de Paulo Emílio e Luís Humberto.
“Comemorando meus 80 anos, estou mais uma vez nesta cidade de que gosto tanto e que foi e continua sendo protagonista dos momentos decisivos da minha vida”
Jorge Bodanzky, cineasta homenageado
Bodanzky agradeceu pela exibição de quatros filmes de sua carreira no festival – Amazônia, A Nova Minamata? (2022), Distopia Utopia (2020), Brasília em Super 8 (2020) e Compasso de Espera (1969), de Antunes Filho, no qual ele assina a fotografia – e finalizou com declaração de amor à capital: “Comemorando meus 80 anos, estou mais uma vez nesta cidade de que gosto tanto e que foi e continua sendo protagonista dos momentos decisivos da minha vida”.
Coube à diretora artística do FBCB, Sara Rocha prestar tributo a outro nome importante do cinema brasileiro: o pesquisador e conservador-chefe da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Hernani Heffner. “É uma honra receber esta homenagem aqui neste Festival porque, embora eu não tenha conhecido Paulo Emílio Salles Gomes, ele mudou a minha vida”, disse o restaurador, com 40 anos de estrada, lembrando do pai do FBCB.
Outro homenageado foi Manoel Messias Filho, técnico de cinema com carreira consolidada no Distrito Federal, que teve seu talento e profissionalismo lembrados pela Associação Brasiliense de Cinema e Vídeo.
Mostra competitiva
Filmes inclusivos, marcados por um olhar especial, sensível e original para aqueles que vivem à margem da sociedade marcaram a noite de abertura da mostra competitiva do 55º FBCB. Coprodução mineira e potiguar, o drama Big Bang, de Carlos Segundo, trouxe como protagonista Chico, anão que ganha a vida consertando fogões e fornos e vê o destino lhe dar uma nova chance ao escapar ileso de um inusitado acidente de carro.
“Big Bang é um marco na minha vida, primeiro protagonista que faço em 15 anos de carreira e um dos poucos personagens com dramaticidade, longe dos estereótipos cômicos que são acostumados a enxergar os corpos com nanismo”, destacou o ator Giovanni Venturini.
“Queria agradecer o (diretor) Carlos Segundo pela empatia, o filme é sobre os corpos que são invisibilizados na sociedade, então espero que Big Bang explode a cabeça de vocês para trazer mais protagonistas com deficiência para as telas de cinema”, desabafou Venturini.
Drama afetivo sobre a reconstrução no seio familiar, o segundo curta da noite, o carioca Ave Maria recorre ao poderoso elenco feminino para contar uma história marcada por traumas, perdas e memórias dolorosas. A diretora Pê Moreira dedicou a sessão do filme à avó, recém-falecida. “O filme é muito, principalmente, sobre a textura da relação de nossos ancestrais dentro de nós”, explicou.
Um dos filmes brasilienses mais esperados dos últimos tempos, o drama futurista Mato Seco em Chamas mistura o clássico Mad Max, protagonizado por Mel Gibson, com referências distópicas do cinema e da literatura para falar sobre um grupo de “minas das quebradas” que descobrem petróleo em pleno Sol Nascente, periferia de Ceilândia. Com bela direção de arte e fotografia, o filme da dupla Joana Pimenta e Adirley Queirós mais uma vez ressignifica o entorno do DF com um olhar autoral norteado por questões sociais.
Público emocionado
O retorno presencial do público à mostra cinematográfica mais importante do país emocionou muita gente. Bonito de ver as 606 poltronas do Cine Brasília tomadas por amantes da sétima arte e as luzes dos holofotes bailando, novamente, pelo teto do Cine Brasília e pelos rostos da plateia, em meio ao burburinho de vozes e som ambiente.
Entre os habitués de longa data, estavam a pesquisadora Berê Bahia, entusiasta do evento e das produções realizadas na cidade. “Temos que tomar ainda as devidas precauções, por conta da covid, mas como estou feliz de ter voltado presencialmente”, confidenciou. “Aqui é o meu templo, o cinema é a minha religião e a tela do Cine Brasília o meu altar, com os técnicos e os artistas como santos”, se declara.
Diretora de Meu Nome É Gal, cinebiografia sobre uma das vozes mais marcantes do país – a cantora Gal Costa, recentemente falecida –, que deve estrear em 2023, Dandara Ferreira, filha do ex-ministro da Cultura Juca Ferreira, fala do reencontro com a mítica sala e marcante festival. “Gosto muito deste lugar, é um dos meus festivais preferidos, pela importância política, pela importância para o cinema brasileiro e estou muito feliz por estar de volta”, destaca.
Jovem diretor e produtor engajado com a cena cinematográfica de Brasília, João Paulo Procópio, atualmente morando em São Paulo, acredita que esta edição de número 55 do festival é um divisor de águas para a cultura brasileira. “Acho que esta retomada do público do Cine Brasília marca um reencontro da cultura bem importante”, observa. “A característica do Festival de Brasília é dialogar sobre as políticas culturais, um momento efervescente, com muita coisa acontecendo”, avalia.
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