Detergente, bolhas de sabão, a tensão de trabalhar diante de uma pandemia e a paixão pela poesia levaram o diretor pernambucano Taciano Valério a criar o roteiro do filme Espumas ao Vento. A revelação foi feita pelo cineasta de Caruaru no segundo dia de debates com os realizadores dos filmes da Mostra Competitiva do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (FBCB), que ocorreu nessa quarta-feira (16). Realizado pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do DF (Secec), com a organização da sociedade civil Amigos do Futuro, o evento vem promovendo uma série de atividades ao longo do dia, como as fundamentais discussões sobre os filmes exibidos na noite anterior.
“Participar é melhor do que não participar e a participação pode ser essa, sentado na plateia. Não é só ser selecionado, mas ir aos eventos, prestigiar o que tem na sua cidade”
Eduardo Valente, cineasta, crítico e programador de cinema
“Eu trabalhei um tempo como vendedor de detergentes e esse imaginário se misturou com a realidade artística”, contou Taciano. O belo trabalho de construção dos personagens do longa, conduzido por um elenco poderoso e coeso liderado pela atriz Rita Carelli e os veteranos Everaldo Pontes e Mestre Sebá, também foi lembrado durante o encontro, assim como a questão do pertencimento de uma produção que tem orgulho de ter sido desenvolvida no interior de Pernambuco. “Espumas ao Vento é um filme do interior e feito no interior”, destacou o diretor.
Historiador e cineclubista do Rio de Janeiro, o diretor Uilton Oliveira falou da experiência de realizar Nossos passos seguirão os seus… (RJ), um filme histórico sem muito apoio das instituições que cuidam da memória cinematográfica do país. Ele também destacou a figura do operário Domingos Passos, tema do curta exibido na noite anterior.
Já a diretora Marisa Arraes, que divide a direção de Anticena (DF) com Tom Motta, explicou o processo metalinguístico da trama construída a partir de uma história que destaca questões como a luta de classes entre um patrão insensível e seu cozinheiro recém-demitido. “Fomos atrás de um filme que tentasse mostrar como a realidade natural das pessoas interfere na forma como elas fazem o roteiro. Mesmo o título do filme nasceu a partir dessa construção”, detalhou.
Trocas e aprendizado
Importantes encontros também ocorreram na tarde de quarta-feira. Um deles foi o debate O protagonismo do olhar feminino no cinema nacional reuniu Ana Johann, da Associação Brasileira de Autores Roteiristas (Abra); Maíra Carvalho, representante da Brada (coletivo de diretoras de arte do Brasil); Ana Caroline Brito, da Associação de Profissionais do Audiovisual Negro (Apan); Joanna Ramos, representante do Movielas; Isabel Lorenz, representante da Figurinistas Associados de São Paulo (FigA); e Julia Zakia, da DAFB (coletivo de mulheres e pessoas transgênero do Departamento de Fotografia do Cinema Brasileiro); com a mediação da produtora Daniela Marinho, representando a Associação Brasiliense de Cinema e Vídeo (ABCV) e a Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro (API).
“Muitas vezes uma pessoa sabe muito bem explicar seu projeto ao vivo, mas não consegue traduzir e colocar desse mesmo modo no papel. Pensar formas de inscrição que não são só textuais é uma iniciativa democrática e que permite um acesso mais amplo de toda a população às políticas públicas”
Lais Valente, assessora jurídico-legislativa da Secec
A proposta do encontro, transmitido virtualmente e com participação do público, foi discutir o protagonismo da mulher em todas as áreas de criação e produção de obras audiovisuais e, sobretudo, os desafios que ainda existem na ocupação desses espaços por mulheres.
“Acho que a gente pode ir dando um passo de cada vez para chegar no lugar que a gente deseja. E o jeito da gente sobreviver a isso tudo foi se juntando. Quando são diretoras ou produtoras mulheres, em geral, as equipes possuem mais mulheres, esse número aumenta um terço, mostrando que as mulheres se acolhem. Mas não basta ser mulher, tem que ser mulher consciente, engajada e que se coloque no propósito de agir, de fato”, declarou Maíra Carvalho.
Em paralelo, o festival recebeu também a palestra Festivais de Cinema: Modos de usar, de Eduardo Valente, cineasta, crítico e programador de cinema, trabalhando desde 2016 como delegado do Festival de Berlim no Brasil. O conteúdo apresentado condensou as informações de um curso oferecido por Valente na Universidade Federal Fluminense (UFF), pretendendo analisar para que serve um festival de cinema e para quem eles são feitos.
Trazendo um pouco da sua extensa experiência nesses eventos, Eduardo também falou sobre como se destacar nesses eventos e pensar estratégias do que fazer com o filme em um universo de tantas produções. “A gente tem que ir se informando e tentar participar. E entrar na cara dura, porque sem cara dura no cinema a gente nem acorda, quanto mais fazer um filme, quanto mais distribuir internacionalmente”, brincou. “Participar é melhor do que não participar e a participação pode ser essa, sentado na plateia. Não é só ser selecionado, mas ir aos eventos, prestigiar o que tem na sua cidade.”
“Trazer esse intercâmbio proporciona um mercado criativo, não só uma mostra competitiva. Então, eu vejo, cada vez mais, a importância desse outro lado do FBCB como um alicerce, uma fundação para que esse cinema continue evoluindo”
Andrey Hermuche, diretor de arte e cenógrafo
A programação de atividades formativas seguiu ao longo da tarde com a realização do segundo painel da 1ª Conferência do Cinema Nacional, com a mesa Desvendando a Lei Paulo Gustavo. O público pôde esclarecer dúvidas com Lais Valente, assessora jurídico-legislativa da Secec, e Marcos Souza, assessor no Senado e participante ativo na criação e redação da Lei Complementar nº 195/2022.
Marcos destacou que durante a tramitação da lei muitas contribuições da sociedade civil e dos agentes culturais foram incorporadas em oitivas, como, por exemplo, formas alternativas de inscrição, inaugurando o que ele chamou de uma “nova era na política pública de cultura”.
A assessora da secretaria, por sua vez, comentou que a iniciativa foi importantíssima, pois existe uma tradição da oralidade muito forte na cultura brasileira, que não se reflete nas políticas culturais. “Muitas vezes uma pessoa sabe muito bem explicar seu projeto ao vivo, mas não consegue traduzir e colocar desse mesmo modo no papel. Pensar formas de inscrição que não são só textuais é uma iniciativa democrática e que permite um acesso mais amplo de toda a população às políticas públicas”, acrescentou Lais Valente.
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Ela destacou ainda que muitas das premissas previstas na Lei Paulo Gustavo já estão aplicadas nos editais do FAC-DF, promovido pela Secec, como, por exemplo, a implementação de cotas e pontuações diferenciadas para mulheres, pessoas pretas e pessoas LGBTQIA+, além dos projetos que tenham recursos de acessibilidade. Sobre este tema, Lais ainda aproveitou para convidar a população a participar do Conselho de Cultura do DF e de evento que será promovido no dia 28 de novembro, para formação de agentes culturais em acessibilidade.
Enquanto isso, na área de convivência do Cine Brasília, o diretor de arte e cenógrafo que assina a cenografia do festival, Andrey Hermuche, concedeu a masterclass Métodos e Planejamento na Direção de Arte. O bate-papo propôs uma reflexão sobre a necessidade de um aprofundamento constante de criação e proposição do departamento de arte para a criação de novos contextos visuais. “A gente trabalha para o mundo, um mundo em transformação, e tudo se trata de uma percepção desse mundo. Como uma tecnologia hoje, até um celular, permite a uma pessoa criativa entregar produtos incríveis? Quem trabalha com a experiência do cliente tem que estar sintonizado nisso, acompanhando e estar introjetando novas linguagens, para criar em cima disso também”, defendeu.
Hermuche também elogiou a diversidade das atividades do FBCB. “Eu sempre vejo como uma grande oportunidade o festival propor esses encontros de backstage com os técnicos e profissionais da área para atualizar a vivência de trabalho dentro dos processos criativos, do desenvolvimento de tecnologia, do aprendizado em diferentes praças. Trazer esse intercâmbio proporciona um mercado criativo, não só uma mostra competitiva. Então, eu vejo, cada vez mais, a importância desse outro lado do FBCB como um alicerce, uma fundação para que esse cinema continue evoluindo”, destacou.
Serviço
55º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro
→ Até 20 de novembro
→ Local: Cine Brasília, com exibições também no Complexo Cultural de Planaltina e Complexo Cultural de Samambaia
→ Confira aqui a programação completa
→ Ingressos nas bilheterias
*Com informações da Secretaria de Cultura e Economia Criativa
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