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Famílias Acolhedoras: Uma solução pouco conhecida que salva vidas

Famílias acolhedoras no Brasil

Foto: Andreia Amaral/Arquivo Pessoal

O Dia Mundial do Acolhimento Familiar, celebrado em 31 de maio, trouxe à tona a importância, ainda pouco conhecida, desse serviço no Brasil. Apesar de previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e ser a alternativa ideal para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, o acolhimento familiar atende apenas uma pequena parcela dos casos.

A realidade do acolhimento familiar no Brasil

Dados da Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS) de 2025 revelam um cenário preocupante: dos 34.427 jovens acolhidos no país, 32.302 (93,8%) estão em instituições, como abrigos e albergues. Apenas 2.124 (6,2%) encontram-se sob os cuidados de famílias acolhedoras. Este número demonstra uma lacuna significativa no sistema de proteção à infância.

Conforme a conselheira Renata Gil, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a baixa adesão ao acolhimento familiar representa uma perda de oportunidades. Ela enfatiza que este tipo de acolhimento “salva vidas”, oferecendo um comprometimento com o bem-estar da criança, contribuindo para a formação de um adulto saudável, diferentemente da adoção, que implica em assumir todos os deveres e direitos da parentalidade. A conselheira destaca que esta é uma oportunidade para conscientizar a população sobre a importância do programa.

A busca por uma ampliação significativa

Diante desta realidade, o CNJ, em conjunto com juízes e grupos que atuam na defesa da infância, estabeleceu uma meta ambiciosa: alcançar 25% de crianças e adolescentes acolhidos em famílias até 2027. Embora distante do objetivo, observa-se um crescimento gradual nos últimos anos. O Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) registrou um aumento significativo no número de novas famílias cadastradas, saltando de 23 em 2013 para 1.098 em 2024. Atualmente, existem 3.649 famílias com cadastro ativo em 153 programas pelo país.

Acolhimento: diferenças cruciais em relação à adoção

É importante esclarecer a diferença entre acolhimento e adoção. O acolhimento familiar é temporário, com duração máxima de 18 meses, prorrogável em situações excepcionais. Ele ocorre quando crianças e adolescentes, de até 18 anos incompletos, precisam ser afastados temporariamente da família de origem devido a situações de violência, entrega voluntária ou ausência de rede de apoio. Este processo pode ser conduzido pelo Conselho Tutelar ou pelo Poder Judiciário. O serviço, previsto no Sistema Único de Assistência Social (SUAS), prioriza o acolhimento em famílias, ao invés de instituições.

As famílias acolhedoras passam por um processo de cadastramento e recebem treinamento e acompanhamento. Diversos perfis familiares são aceitos, incluindo adultos solteiros, desde que maiores de 18 anos, sem intenção de adotar e sem registro no cadastro de adoção. Além disso, é necessário possuir disponibilidade afetiva, emocional e de tempo, além de condições de saúde adequadas e ausência de antecedentes criminais. Após o período de acolhimento, a criança retorna para a família de origem ou, em último caso, é encaminhada para adoção, sem que as famílias acolhedoras tenham prioridade nesse processo.

Experiências inspiradoras: casos de sucesso no Rio de Janeiro

O Rio de Janeiro se destaca como um município pioneiro no acolhimento familiar, com o programa em funcionamento desde 1996. Segundo Flávia Medeiros, coordenadora do serviço na cidade, a meta nacional de 25% de crianças e adolescentes em acolhimento familiar já foi alcançada. Ela destaca a vantagem do acolhimento familiar, que oferece um cuidado individualizado, evitando o estigma associado às instituições. A criança, em vez de dizer que mora em um abrigo, pode mencionar que vive em uma casa, proporcionando maior inclusão social.

Andreia Amaral, trabalhadora autônoma, é um exemplo inspirador. Desde 2006, acolheu 122 crianças e adolescentes, motivada por sua experiência com crianças em escolas e creches. Sua dedicação a inspirou familiares e amigos a também se tornarem famílias acolhedoras, mostrando o impacto positivo que esse trabalho pode ter. Ela vê o acolhimento como uma forma de dar apoio tanto às crianças quanto às famílias de origem, facilitando a reunificação familiar.

Maravilha Sebastião, acolhida por Andreia, hoje com 19 anos, estuda Engenharia na UFRJ. Chegada ao Brasil aos 16 anos, vindo de Angola, sem recursos e sem documentação, ela encontrou em Andreia um lar e um suporte fundamental para se estabilizar no país. Sua experiência demonstra a importância do acolhimento familiar como uma rede de segurança e referência para crianças e adolescentes em situação vulnerável.

Alessandra Queiroz, advogada, juntamente com o marido e o filho, também participam do programa desde 2021. Eles demonstram como a experiência de acolhimento familiar pode enriquecer a vida de toda a família, promovendo valores de generosidade e compaixão. A família acolhedora se destaca pela disponibilidade em apoiar o processo de reunificação familiar, mesmo que gere apego emocional.

Como se tornar uma família acolhedora

Para aqueles interessados em se tornar famílias acolhedoras, a orientação é procurar a prefeitura do seu município. No Rio de Janeiro, o pré-cadastro pode ser realizado online ou presencialmente nas coordenadorias de Assistência Social (CAS). A secretária municipal de Assistência Social do Rio, Martha Rocha, enfatiza a importância do aumento do número de famílias cadastradas para ampliar as opções de acolhimento. O cadastro é simplificado e aceita diversos perfis familiares.

Em breve, o processo de cadastramento será unificado em nível nacional, integrando-se ao Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA). Segundo Renata Gil, essa iniciativa visa tornar o programa mais conhecido e acessível, facilitando a adesão de novas famílias. A conselheira reforça a importância de se priorizar a infância e adolescência no país, investindo no futuro e na dignidade humana.

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