A expansão do sistema Open Finance no Brasil tem encontrado um desafio significativo na baixa adesão de empresas, que enfrentam complexas barreiras burocráticas e tecnológicas para efetuar o compartilhamento de seus dados neste ambiente inovador. Essa dificuldade contrasta com o avanço e a praticidade que o modelo já oferece para as pessoas físicas, evidenciando um gargalo crucial para a plena consolidação do ecossistema financeiro aberto.
O Que é o Open Finance e Sua Abrangência?
O conceito central do Open Finance reside no compartilhamento de informações entre diversas instituições financeiras, permitindo uma comunicação mais fluida e segura. Por exemplo, operações como o Pix por aproximação, lançado em fevereiro, demonstram a capacidade do sistema. Esta funcionalidade, que permite pagar um café apenas aproximando o celular da maquininha, exigiu uma robusta troca de dados entre comércios, bancos e administradoras de terminais. Entretanto, fundamentalmente, a permissão para o uso de dados pessoais por terceiros sempre parte do usuário, que pode revogar essa autorização a qualquer momento, conforme estipulado pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Ademais, o Open Finance, que completou cinco anos recentemente, já se integrou de diversas formas ao cotidiano dos correntistas. Sua infraestrutura foi, por exemplo, crucial para o desenvolvimento do Pix automático, modalidade que, desde junho, gradualmente substitui o boleto bancário. Para autorizar cobranças periódicas, o correntista necessita apenas conceder acesso aos seus dados financeiros uma única vez, diretamente no aplicativo do banco. Além disso, o sistema facilita a visualização de saldos de múltiplas contas em diferentes instituições em uma só tela. Consequentemente, ele também impulsiona a oferta de crédito com juros mais competitivos para bons pagadores, aumentando a taxa de aprovação em até 30%. Vale ressaltar que, desde abril de 2023, o compartilhamento de dados se estendeu para incluir investimentos, câmbio, seguros, previdência privada e capitalização, ampliando significativamente seu escopo.
Desafios Operacionais e Segurança das Transações
A Associação dos Iniciadores de Transação de Pagamento (Init) aponta dois grandes entraves para o avanço do Open Finance. O primeiro deles refere-se à taxa de sucesso na conversão dos pagamentos. Atualmente, apenas entre 50% e 60% das operações realizadas via Open Finance ocorrem sem erros, o que representa uma lacuna significativa. Segundo Gustavo Lino, diretor executivo da Init, “o desafio é elevar essa taxa para 99,5%, como ocorre com os cartões de crédito e débito”, indicando uma busca por maior eficiência e confiabilidade operacional.
Apesar desses desafios de conversão, Lino enfatiza que o Open Finance demonstrou ser um sistema mais seguro do que as transações tradicionais com cartões bancários. “A segurança das transações no Open Finance é excelente. Os casos de fraude e golpes são ínfimos”, observa ele. Ele cita como exemplo a segurança do Pix por aproximação, onde o cliente pode verificar o valor da transação diretamente na tela do celular antes de finalizar, um contraste com as transações de cartão por aproximação, que exigem a conferência na máquina do estabelecimento. As iniciadoras de pagamentos, por sua vez, são empresas aprovadas pelo Banco Central para iniciar transações sem deter os fundos, facilitando a comunicação entre instituições e permitindo que os usuários realizem pagamentos e transferências sem acessar diretamente o aplicativo do banco.
Baixa Adesão de Pessoas Jurídicas: Um Obstáculo Chave
Outro gargalo crítico está na adesão das empresas ao compartilhamento de dados. A Associação Open Finance Brasil (AOF), entidade que representa o setor e dialoga com o Banco Central, divulgou números que ilustram essa disparidade. Em 2024, foram registrados 40,8 milhões de consentimentos de pessoas físicas como receptoras de dados e 37,6 milhões como transmissoras. Em contrapartida, para pessoas jurídicas, os números são bem mais modestos: apenas 403,2 mil consentimentos como receptoras e 406,7 mil como transmissoras. Cada indivíduo ou empresa pode conceder múltiplos consentimentos, mas a diferença numérica é marcante.
Jonatas Giovinazzo, diretor-presidente da Init, explica que os impedimentos para a adesão corporativa são de natureza tanto burocrática quanto tecnológica. Ele destaca, por exemplo, que empresas de grande porte podem ter mais de 200 contas bancárias e múltiplas máquinas de pagamento em cada filial. A integração contábil dessas operações é um desafio, visto que “os pagamentos precisam vir identificados pelo Open Finance da mesma forma que no internet banking para serem lançados na contabilidade”. Além disso, há discussões sobre a data de lançamento de transações em fins de semana nos extratos e quem, entre funcionários ou sócios, deve conceder os consentimentos pela empresa, evidenciando a complexidade do processo.
Iniciativas para Superar Barreiras e Perspectivas Futuras
Em um esforço para solucionar essas questões, a Init participou de uma reunião da Associação Open Finance no Banco Central, que celebrou os cinco anos do sistema e debateu aprimoramentos. Uma das discussões centrais girou em torno do processamento de Pix em lotes para empresas, que agregaria diversas contas bancárias. Essa medida visa facilitar a adesão de médias e grandes corporações. Giovinazzo explica que “por uma questão de segurança, as instituições financeiras travam o Pix quando há várias transações por segundo, como ocorre com grandes empresas”, e o processamento em lotes ajudaria a superar esse obstáculo.
Apesar dos obstáculos presentes, Gustavo Lino ressalta as vantagens significativas da adesão das empresas ao Open Finance. Para pequenas e médias empresas, o sistema “vem em boa hora” porque “elas ganham poder de barganha para crédito com bancos e diminuem as dificuldades de oferecer garantias”. Lino prevê que, no futuro, “a maior parte do volume financeiro do Open Finance virá de pessoas jurídicas, que movimentam mais recursos que as pessoas físicas”, indicando um potencial gigantesco de crescimento.
Olhando para o futuro, o Banco Central planeja, para fevereiro de 2026, lançar a portabilidade de crédito por meio do Open Finance. Esta iniciativa permitirá que os correntistas usem o compartilhamento de dados para transferir operações de crédito entre diferentes bancos. Caso não haja atrasos, a portabilidade será estendida ao crédito consignado. Atualmente, a portabilidade desse tipo de crédito é limitada a trabalhadores da iniciativa privada através do aplicativo do próprio banco e, até novembro, estará disponível no aplicativo Carteira de Trabalho Digital. Com a implementação via Open Finance, o processo poderá ser realizado fora da plataforma “Crédito do Trabalhador”, simplificando e democratizando ainda mais o acesso.