Neste sábado, dia 7 de junho, o Memorial da Resistência de São Paulo será palco do lançamento de um projeto multimídia que investiga a perseguição sofrida pela comunidade LGBTQIA+ durante a ditadura militar brasileira (1964-1985).
Exposição e Podcast: Memórias de Resistência LGBTQIA+
Trata-se de uma iniciativa conjunta do Instituto Vladimir Herzog, do Acervo Bajubá e do Arquivo Lésbico Brasileiro (ALB). A exposição virtual, intitulada “Vidas Dissidentes em Ditadura – Repressão, Imaginário Social e Cotidiano”, e um podcast complementar, oferecem um relato profundo da repressão sofrida pela comunidade LGBTQIA+ durante o regime militar, explorando não apenas as violências do passado, mas também a sua persistência no presente. Além disso, o trabalho destaca a resistência e os mecanismos de luta empregados pela comunidade para enfrentar a opressão e a imposição da heteronormatividade.
O projeto, apoiado pela Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, compreende quatro episódios do podcast, que complementam a riqueza da exposição virtual. Esta última, por sua vez, funciona como um portal de acesso a documentos da Comissão Nacional da Verdade (CNV), permitindo ao público conhecer os relatos de sobreviventes que sofreram cerceamento de direitos e violência, muitas vezes em espaços privados, e que tiveram suas histórias silenciadas.
A Marginalização pela Heteronormatividade
Um dos métodos cruciais de marginalização empregados durante a ditadura foi a rotulação de identidades de gênero e orientações sexuais que se desviam da heteronormatividade. Em outras palavras, a distorção de referências médicas foi usada para justificar a violência perpetrada contra a comunidade LGBTQIA+, violência esta que, infelizmente, continua presente na sociedade contemporânea. A construção dessa narrativa de opressão é um dos eixos centrais do trabalho.
A Importância dos Depoimentos e a Construção da Memória Coletiva
Lorrane Rodrigues, coordenadora executiva da área de Memória, Verdade e Justiça do Instituto Vladimir Herzog, ressalta a importância crucial dos depoimentos das vítimas para a compreensão completa da situação. Entretanto, ela enfatiza a necessidade de sensibilidade na abordagem desses relatos, visando evitar a revitimização e a potencial intensificação do sofrimento e estigma sofridos pelas pessoas afetadas. “A gente vê que o silêncio e o medo vão sendo enfrentados; muitas pessoas dissidentes de sexo e gênero vão encontrando segurança para narrar, e isso tem um impacto imenso, porque esses testemunhos não são individuais somente, mas ajudam a reconstituir uma memória coletiva que foi invisibilizada”, afirma Lorrane.
Segundo a coordenadora, a preocupação com a preservação da memória da comunidade LGBTQIA+ através de acervos começou precocemente, ganhando força nas décadas de 1970 e 1980. Essa iniciativa pioneira é evidenciada pela exposição “Histórias LGBTQIA+”, realizada no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP) até abril deste ano. A exposição do MASP demonstrou como grupos de diferentes países se organizaram, e se organizam, para registrar e documentar suas experiências de opressão. “Mesmo em um período de muita repressão, havia preocupação intensa com o registro. Publicações, jornais, boletins, artigos foram sendo produzidos por mãos militantes, por grupos que se formavam naquele momento, para ter seus espaços de sociabilidade, e parte dessa herança é o que alimenta acervos como o Bajubá e o ALB, que são fundamentais para que a gente possa pensar em projetos como a exposição e o podcast”, pontua Lorrane.
Desafios na Construção do Projeto
Além do silêncio imposto pela repressão, Lorrane destaca a dificuldade de superar “os vazios institucionais” e a obtenção de recursos financeiros para projetos como este. “Há uma resistência muito grande ainda, quando se trata de reconhecer a violência de Estado contra as pessoas LGBTQIA+”, declara. Por outro lado, ela também aponta o acesso a arquivos como um obstáculo significativo: “Arquivos são instituições de poder. A gente sabe que esses espaços escolhem aquilo que vão mostrar e também que vão omitir”, acrescentando que a falta de digitalização de alguns itens exige maior esforço dos pesquisadores, e pode ser interpretada como uma decisão política das organizações.
Em contraponto às dificuldades, Lorrane menciona a força da resistência LGBTQIA+ ao longo da história, representando a esperança e a capacidade de amor mesmo em tempos de intensa perseguição. Como exemplo, ela cita uma fotografia de travestis e trans dançando e sorrindo, durante o período da ditadura, descrevendo-a como “uma imagem que fala de vida pulsando nesse espaço subterrâneo da história oficial”.
Serviço
Lançamento da exposição virtual e do podcast “Vidas Dissidentes em Ditadura – Repressão, Imaginário Social e Cotidiano”: 7 de junho (sábado), das 14h às 17h, no Memorial da Resistência de São Paulo (Largo General Osório, 66 – Santa Ifigênia, São Paulo – SP).