Dez anos se passaram desde a brutal chacina que abalou as cidades de Osasco, Barueri e Itapevi, na Grande São Paulo, em agosto de 2015. Em um ato carregado de emoção e reivindicação, familiares de 19 jovens cruelmente assassinados por policiais militares se reuniram recentemente em Barueri, no último sábado (16), para clamar por justiça plena e pela tão esperada indenização que, para muitos, ainda não se concretizou.
A Memória Viva de Uma Tragédia de Dez Anos
O evento de memória foi cuidadosamente organizado pela Associação 13 de Agosto, em parceria com o movimento Mães de Osasco e Barueri. A manifestação ocorreu em um espaço comunitário na rua Alagoinha, no Jardim Mutinga, em Barueri, e contou com a presença marcante de representantes de outras associações que lutam contra a violência policial, como as Mães de Maio, da Baixada Santista, e as Mães de Manguinhos, do Rio de Janeiro. A tragédia, que vitimou 19 pessoas em 13 de agosto de 2015, espalhou-se por um raio de sete quilômetros entre as 21h e as 23h daquela noite fatídica. Os assassinatos, conforme investigações, foram perpetrados por policiais militares em um ato de vingança após a morte de um PM e de um guarda-civil metropolitano dias antes. Das 19 vítimas, quinze morreram em Osasco, três em Barueri e uma em Itapevi, evidenciando a escala da violência.
O Clamor por Justiça e Indenização: Vozes da Periferia
A dor da perda, infelizmente, é apenas uma das dimensões do sofrimento vivenciado por estas famílias. Além do luto constante, muitos enfrentam desafios sociais e econômicos decorrentes da tragédia. Ademais, a ausência de compensação financeira agrava a situação de vulnerabilidade dessas pessoas, que se veem desamparadas pelo Estado.
O Legado de Dor e a Luta por Reparação
Antônia Lúcia Gomes da Silva, mãe de Jailton Vieira da Silva, assassinado aos 30 anos na chacina, exemplifica a profundidade do impacto. Após a morte do filho, Antônia precisou abandonar sua vida no interior paulista, em Embu-Guaçu, e se mudar para Barueri, a fim de garantir a guarda dos três netos que se tornaram órfãos. Ela relata o sacrifício pessoal: “Tive que deixar minha vida no interior para vir para cá e cuidar dos netos, caso contrário, eles seriam encaminhados para adoção.” Posteriormente, Antônia ainda enfrentou outra tragédia familiar: sua mãe sofreu um AVC no dia em que souberam da morte de Jailton, vindo a falecer dois meses antes do ato recente. Conforme Antônia, a despeito das promessas de pensão e indenização, nenhum auxílio financeiro foi recebido do estado até o momento. Ela expressa sua indignação com a impunidade: “Ninguém age. O policial já está trabalhando na rua, e ele pode fazer a mesma coisa, sair novamente matando pessoas, sobretudo pessoas pretas, pobres e da periferia.” Jailton, por exemplo, foi morto enquanto esperava por uma pizza em um bar de Barueri. Sua mãe descreve a cena chocante: “Ele estava sentado na porta do bar, esperando a pizza; eles o empurraram para dentro e já atiraram.”
A Busca Incansável por Punição e o Grito Contra a Impunidade
Aparecida Gomes da Silva Assunção, que perdeu seu filho Leandro Pereira Assunção, de 36 anos, reforça o coro por punição exemplar. Ela lamenta a falta de justiça efetiva, observando a recorrência de tragédias semelhantes que afetam outras mães. “Não se vê punição, apenas vê-se o mesmo acontecendo com outras mães”, afirma Aparecida. Ela ainda pontua que a verdadeira mudança só virá com punições severas para os responsáveis, o que, em sua visão, ainda não ocorre, perpetuando o lamento das famílias. Similarmente, Rosa Francisca Correa, mãe de Wilker Thiago Correa Osório, morto aos 29 anos, relata a brutalidade do crime: seu filho foi assassinado com quarenta tiros enquanto retornava do trabalho. Para Rosa, o ocorrido destruiu a vida de todas as famílias afetadas. “Quando essa tragédia aconteceu, não acabou apenas com a minha família, mas com a família de todos. Todas as mães vivem um luto constante, e esse luto levaremos conosco”, desabafa. Ela detalha que Wilker foi baleado pelas costas, carregando uma mochila com sua marmita e um garfo, sem sequer saber o motivo de sua morte.
O Labirinto Judicial e a Luta Pela Condenação
O percurso judicial do caso tem sido complexo e marcado por reviravoltas. Dois anos após a chacina, quatro policiais foram levados a julgamento. Inicialmente, Fabrício Emmanuel Eleutério e Thiago Barbosa Henklain foram condenados a penas elevadas: Eleutério a 255 anos, sete meses e dez dias de prisão, enquanto Henklain recebeu sentença de 247 anos, sete meses e dez dias de reclusão. Além disso, o guarda civil Sérgio Manhanhã foi condenado a 100 anos e dez meses de prisão nesse mesmo julgamento. Posteriormente, em março de 2018, o ex-PM Victor Cristilder dos Santos, julgado em separado, também recebeu uma sentença de 119 anos, quatro meses e quatro dias de reclusão. Entretanto, as defesas dos acusados recorreram das decisões, o que resultou em um novo julgamento em 2017. Infelizmente, tanto Cristilder quanto Manhanhã foram absolvidos neste novo processo, gerando ainda mais frustração para as famílias das vítimas. A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, por sua vez, informou à Agência Brasil que o inquérito policial conduzido pelo Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) foi concluído em dezembro do mesmo ano da chacina. O relatório final resultou na identificação e indiciamento de oito indivíduos, sendo sete policiais militares e um guarda civil metropolitano. Consequentemente, a secretaria reiterou que todos os policiais militares envolvidos no caso foram expulsos da corporação, o que representa uma medida administrativa importante, ainda que não traga a sensação de justiça completa para as famílias enlutadas.