Descobertas arqueológicas recentes em Roraima lançaram luz sobre a presença de dinossauros na região amazônica, um fato inédito para a ciência até então. Pesquisadores da Universidade Federal de Roraima (UFRR) identificaram mais de dez pegadas fossilizadas na Bacia do Tacutu, que datam de aproximadamente 103 milhões de anos. Essa evidência concreta indica que grandes répteis, como raptores, ornitópodes e xireóforos, circularam pela Amazônia durante o período Jurássico-Cretáceo.
Evidências Inéditas na Amazônia
Embora a presença de dinossauros em diversas partes do Brasil já fosse um conhecimento consolidado pela comunidade científica, a Amazônia permanecia como um território sem registros concretos. Contudo, a nova descoberta, realizada na cidade de Bonfim, no extremo norte de Roraima, preenche essa lacuna. As mais de dez pegadas encontradas representam um marco, confirmando que a diversidade de ecossistemas brasileiros incluía também a vastidão amazônica em tempos pré-históricos.
Embora não seja possível determinar com exatidão a espécie de dinossauro por trás de cada pegada, a análise das marcas permitiu aos cientistas inferir os grupos que habitavam a área. Entre eles, destacam-se os raptores, conhecidos por sua agilidade; os ornitópodes, que eram bípedes e herbívoros; e os xireóforos, caracterizados por possuírem uma espécie de armadura óssea protetora no dorso. Portanto, a descoberta amplia nosso entendimento sobre a fauna pré-histórica que compartilhou o planeta.
Desafios da Conservação Fóssil na Região Amazônica
A região amazônica, por sua natureza, apresenta desafios significativos para a preservação de vestígios arqueológicos. A geologia local, com rochas expostas a processos intensos de intemperização, tende a desgastar e decompor materiais orgânicos, dificultando a fossilização. Assim, a preservação de fósseis em áreas tropicais úmidas é uma raridade, exigindo condições específicas para que ocorra.
Lucas Barros, um dos pesquisadores envolvidos na descoberta, explica que a preservação de material ósseo é mais eficaz quando as rochas permanecem soterradas. Ele descreve o cenário da Bacia do Tacutu como um antigo vale fluvial, com múltiplos canais de rio e abundante vegetação. Nesse ambiente úmido, as pegadas deixadas pelos dinossauros, ao perderem umidade e endurecerem, tornavam-se mais resistentes ao processo de soterramento.
Com o passar de milhões de anos, essas pegadas soterradas se solidificaram, transformando-se em rocha. Dessa forma, mesmo quando expostas pela ação do tempo e da erosão, elas conseguem resistir aos elementos. Por outro lado, a vegetação de cerrado presente na Bacia do Tacutu também desempenha um papel crucial, pois a formação dessas savanas facilita o surgimento de afloramentos rochosos, permitindo a identificação de formações fossilíferas. Além de pegadas, essa condição também favorece a descoberta de fósseis de invertebrados, vegetais, troncos fossilizados e impressões de folhas.
Uma Longa Trajetória de Pesquisa
As pegadas em questão foram inicialmente avistadas em 2014, durante uma atividade de campo com alunos de geologia da UFRR, sob a orientação do professor Vladimir Souza. Naquele momento, a universidade não possuía especialistas em paleoecologia nem o equipamento técnico necessário para a análise detalhada dos achados. Consequentemente, o projeto de pesquisa ficou parado e a descoberta permaneceu sem divulgação.
O professor Souza justificou a decisão de não divulgar a descoberta prematuramente, afirmando que uma divulgação antecipada poderia atrair outros pesquisadores que poderiam assumir a liderança do estudo. Posteriormente, em 2021, o trabalho foi retomado por Lucas Barros, que, em colaboração com o professor Felipe Pinheiro, da Unipampa, transformou a pesquisa em sua tese de mestrado. A partir daí, Barros iniciou um mapeamento sistemático de locais com icnofósseis, que são os vestígios da atividade de organismos passados.
A metodologia empregada para a identificação e análise das pegadas envolve a técnica de fotogrametria. Essa abordagem permite a criação de um modelo tridimensional de alta precisão, que digitaliza as feições com grande fidelidade. “Isso permite digitalizar o modelo em uma escala muito fiel. É através disso que nós descrevemos essas pegadas,” ressaltou Barros, explicando que foi com essa técnica que ele descreveu as pegadas e identificou novas áreas fossilíferas durante seu mestrado.
Próximos Passos e Desafios Futuros
Lucas Barros estima que a Bacia do Tacutu abrigue centenas de outras pegadas de dinossauros, e sua pesquisa atual foca em áreas dentro da terra indígena Jabuti, onde já foram identificadas quatro localidades de relevância científica. No entanto, a pesquisa enfrenta obstáculos devido à localização de muitas pegadas em propriedades privadas. Proprietários de terras temem que novas investigações possam levar à demarcação de suas propriedades, desapropriações pelo governo ou à falta de compensação justa.



