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Crise do metanol: Universidades criam testes rápidos para identificar adulteração em bebidas

Universidades públicas brasileiras desenvolvem e oferecem testes rápidos para identificar adulteração por metanol em bebidas, agindo em meio à crise de contaminação com mais de 100 registros.
Testes rápidos metanol
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Diante de uma preocupante onda de contaminação por metanol em bebidas alcoólicas, com mais de uma centena de casos registrados no país, universidades públicas brasileiras assumem um papel crucial. Estas instituições de ensino e pesquisa estão na vanguarda do desenvolvimento e da oferta de testes rápidos e acessíveis para identificar a adulteração por esta substância tóxica, proporcionando uma resposta vital à saúde pública em meio à crise.

A Escalada da Crise do Metanol no Brasil

A adulteração de bebidas com metanol representa um perigo invisível e insidioso, visto que a substância não altera o cheiro nem o gosto, tornando-se indetectável sem análises laboratoriais específicas. Esta característica traiçoeira amplifica o risco para os consumidores, que podem ingerir bebidas contaminadas sem qualquer suspeita.

Nesse cenário, a urgência de soluções eficazes é inegável. O Ministério da Saúde, por exemplo, confirmou nesta sexta-feira um total de 113 registros de intoxicação por metanol em todo o território nacional. Deste montante, onze casos foram categorizados como confirmados, enquanto os 102 restantes permanecem sob rigorosa investigação. A gravidade da situação, portanto, exige uma ação coordenada e eficiente das instituições científicas.

Iniciativas Pioneiras de Detecção em Universidades Públicas

Como resposta à crescente crise, universidades federais e estaduais têm mobilizado seus recursos. Uma das iniciativas mais proeminentes é a da Universidade Federal do Paraná (UFPR), cujo Laboratório Multiusuário de Ressonância Magnética Nuclear abriu suas portas para a comunidade. O laboratório oferece exames gratuitos de bebidas alcoólicas, mediante agendamento prévio, ampliando significativamente a capacidade de detecção.

De acordo com o professor de química Kahlil Salome, vice-coordenador do laboratório, o processo de análise utilizando o equipamento de ressonância magnética nuclear é extremamente ágil. Conforme explicado por ele, basta uma pequena amostra, cerca de 0,5 mililitro da bebida, para realizar o procedimento. “A análise é muito rápida. Conseguimos examinar uma amostra a cada cinco minutos”, afirmou Salome. Em seguida, o equipamento gera um gráfico onde uma linha específica indica a presença de metanol.

Além disso, o pesquisador enfatiza a versatilidade do método, que consegue detectar o metanol mesmo em bebidas que contêm corantes ou frutas, elementos que poderiam dificultar outros tipos de análise. O exame também é capaz de quantificar a presença de metanol, indicando, por exemplo, quando a concentração excede o limite considerado inadequado para consumo humano: 10 microlitros de metanol em 100 ml de bebidas como cachaça, vodka e tequila. Para Salome, as pessoas que desconfiam da origem de suas bebidas devem procurar o laboratório, pois “a gente consegue analisar bem rapidinho”.

Neste contexto, o professor Salome reitera o papel vital da pesquisa universitária pública, que proporciona respostas concretas à sociedade em momentos de crise. Ele também destaca que outras universidades federais possuem laboratórios com capacidades semelhantes que poderiam ser ativados para reforçar a rede de detecção de metanol, ampliando ainda mais o alcance dessas soluções.

Método Patenteado da Unesp Oferece Solução Rápida

Outra relevante contribuição para a detecção de metanol vem da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Em 2022, pesquisadores do Instituto de Química, localizado em Araraquara, desenvolveram e patentearam um método inovador no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) para identificar adulterações em bebidas alcoólicas destiladas.

Este método consiste na adição de um tipo de sal à amostra da bebida. Se houver metanol presente, a amostra se transforma em formol. Posteriormente, a inclusão de um ácido específico provoca uma notável mudança na coloração da solução. Todo esse processo de reação, para o etanol e outras bebidas alcoólicas, leva aproximadamente 15 minutos, configurando uma solução relativamente rápida e eficiente para a identificação da substância tóxica.

Transformando Pesquisa em Ação: O Caso da UnB e Macofren

A Universidade de Brasília (UnB) também foi o berço de uma importante pesquisa que se transformou em uma solução comercial. Em 2013, o químico Arilson Onésio Ferreira, durante seu curso de mestrado, desenvolveu um projeto que resultou em um exame prático baseado em reagentes. Posteriormente, este projeto foi incubado na instituição, dando origem à empresa Macofren, que atualmente fornece kits de detecção para empresas privadas e órgãos governamentais.

Inicialmente, o projeto da UnB focava no combate a fraudes de metanol em combustíveis, conforme contextualizado por Ferreira. Contudo, a startup, que nasceu das ideias do Laboratório de Materiais e Combustíveis, sob a liderança do professor Paulo Soares e do estudante Guilherme Bandeira, adaptou sua tecnologia para as bebidas alcoólicas. O químico alerta para a gravidade da intoxicação por metanol, mencionando o documentário “Metanol, o líquido da morte” e a fatalidade de apenas 30 ml da substância. Ele ressalta ainda que a detecção do metanol em bebidas é complexa devido à diversidade de formulações, incluindo corantes e açúcares, que podem gerar falsos positivos, mas enfatiza que nunca deve ocorrer um falso negativo.

A Macofren disponibiliza seus kits com os instrumentos e materiais necessários para um teste, custando cerca de R$ 50. O reagente, por sua vez, tem um custo aproximado de R$ 25 por teste individual. Para a realização do exame, é suficiente 1 ml da amostra da bebida. Desde o início da crise atual, a demanda pelos kits disparou, com a empresa reportando cerca de 200 empresas em lista de espera, incluindo produtores de grandes eventos como casamentos, o que sublinha a urgência e a necessidade dessas soluções no mercado.