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CPI das Bets: Relatório revela crimes e impacto devastador nas famílias

Relatório da CPI das Bets expõe crimes e impacto devastador nas famílias brasileiras. A comissão apontou lavagem de dinheiro, evasão fiscal e manipulação de resultados em jogos online, além de prejuízos econômicos e sociais, com indiciamento de influenciadores.
Relatório CPI das Apostas Online
Foto: Lula Marques/Agência Brasil

O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets, apresentado no Senado em 10 de outubro, expõe um cenário preocupante sobre a indústria de apostas online no Brasil. A senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), relatora da CPI, detalhou em 541 páginas crimes como lavagem de dinheiro, evasão fiscal, organização criminosa e manipulação de resultados em jogos virtuais, com graves consequências econômicas e sociais para o país.

Crimes e Impacto Financeiro Devastador

O documento destaca o impacto devastador das apostas online, especialmente em famílias de baixa renda. Segundo a relatora, o consumo familiar diminuiu significativamente, com recursos sendo desviados para jogos de azar, em detrimento de necessidades básicas. Esse desvio de recursos gera um impacto negativo na economia brasileira como um todo. A senadora Soraya Thronicke ressaltou o crescimento exponencial do setor, com um aumento de 1300% desde 2018, e alertou: “Com crescimento de 1.300% desde 2018, parece-nos que é o melhor negócio que existe nesse momento no nosso país. O consumo das famílias brasileiras diminuiu e empregos da economia real foram destruídos em benefício do lucro astronômico de poucos”. Estimativas apontam um faturamento entre R$ 89 bilhões e R$ 129 bilhões em 2024, um valor que supera o orçamento previsto para o Ministério da Educação em 2025 (R$ 187,2 bilhões).

Além disso, o relatório recomenda medidas drásticas, como a regulamentação mais rígida das apostas online, a criação de uma entidade nacional independente para fiscalizar o setor, um cadastro nacional de jogadores e maiores restrições à publicidade, especialmente aquela que envolve influenciadores digitais.

Indiciamentos e Manipulação de Resultados

O relatório recomenda o indiciamento de 16 pessoas ou empresas, incluindo as influenciadoras digitais Virgínia Fonseca e Deolane Bezerra, por crimes que vão de lavagem de dinheiro e sonegação fiscal a estelionato, corrupção e organização criminosa. A votação do parecer, entretanto, foi adiada a pedido de vista coletiva dos senadores.

Em seguida, o documento destaca a gravidade dos jogos virtuais, sem ligação com eventos esportivos reais, como “tigrinho”, “ratinho” e “cobrinha”. A relatora afirma que a impossibilidade de auditar os algoritmos utilizados por essas empresas torna os resultados passíveis de manipulação. “São [jogos] estruturados com algoritmos não auditáveis, que determinam os resultados com base em códigos internos ocultos. Esses jogos não envolvem qualquer elemento real ou aleatório externo. São 100% controlados por softwares, sem transparência”, explicou a senadora. Por isso, o relatório propõe a proibição total desse tipo de jogo, dada a facilidade de manipulação e lavagem de dinheiro.

Lavagem de Dinheiro e Impacto Social

A CPI apontou também o uso das apostas online para lavagem de dinheiro por organizações criminosas, muitas vezes com a abertura de empresas de fachada no exterior. “Foi constatado que diversas entidades exploraram deliberadamente brechas regulatórias e tecnológicas para facilitar o fluxo de valores, dificultar o rastreamento pelas autoridades e viabilizar a evasão de divisas e a lavagem de dinheiro em larga escala”, consta no relatório. Este cenário demonstra a complexidade do problema e a necessidade de uma atuação enérgica por parte das autoridades.

Por outro lado, o impacto social é outro ponto crucial analisado. O relatório evidencia o desvio de recursos das famílias mais pobres para as apostas, comprometendo o acesso a bens essenciais. Um estudo do Banco Central (BC) revelou que 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em apostas em 2024. Dados da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) reforçam esse cenário, indicando que 23% dos apostadores deixaram de comprar roupas, 19% de comprar itens de supermercado e 19% de fazer viagens para apostar. Uma pesquisa do Instinto Locomotiva complementa esses dados, mostrando que uma parcela significativa dos entrevistados redirecionou o orçamento destinado à poupança (52%), bares, restaurantes e delivery (48%), roupas e acessórios (43%) e lazer (41%) para as apostas.

Influenciadores e Recomendações

Finalmente, o relatório aborda o papel dos influenciadores digitais na promoção das apostas online, sugerindo punições para aqueles que promovem propagandas irresponsáveis ou enganosas. “Diversos influenciadores têm recebido verdadeiras fábulas de dinheiro – ou mesmo se tornado sócios de bets – para promover seus negócios. E o fazem mesmo em favor de bets irregulares, sem autorização para funcionar no Brasil. Também fazem propagandas abusivas, sugerindo que apostas poderiam ser uma forma de investimento, além de atingirem indiscriminadamente crianças e adolescentes”, destaca o documento. A CPI recomenda ações para frear essa prática nociva.

Em conclusão, o relatório final da CPI das Bets apresenta uma série de recomendações para o Executivo, o Banco Central e o Legislativo, incluindo a criação da Plataforma Nacional de Auditoria e Monitoramento de Jogos de Azar (PNAMJA) e a proibição dos jogos totalmente online. Além disso, o documento propõe uma regulamentação mais rígida da propaganda das apostas, proibindo o direcionamento a menores de 18 anos e alertando contra a apresentação das apostas como solução para problemas financeiros ou emocionais. A CPI lembra que a Lei 13.690/2018, que introduziu as bets no país, não previu as consequências negativas do setor e que a regulamentação de 2023 ainda não foi suficiente para mitigar os problemas. O relatório enfatiza que as apostas, operando sem regulamentação e fiscalização adequada, causaram danos financeiros e sociais significativos ao país.