O Brasil enfrenta um cenário alarmante com o aumento exponencial da coqueluche, registrando uma elevação de 1200% nos casos em 2024. A doença, prevenível por vacinação, já causou a morte de 14 crianças e infectou mais de 2.100 menores de cinco anos no período, conforme alertam especialistas e dados oficiais.
O Cenário Preocupante da Coqueluche no Brasil
Dados recentes do Observatório de Saúde na Infância revelam uma intensificação dramática da coqueluche, particularmente entre as crianças pequenas. Durante o ano de 2024, foram confirmados pelo menos 2.152 casos da infecção em menores de cinco anos, um grupo etário considerado o mais vulnerável a complicações graves. Este número, por exemplo, supera a soma total de diagnósticos registrados nos cinco anos anteriores (2019 a 2023). Como consequência direta, 665 dessas crianças necessitaram de internação hospitalar e, lamentavelmente, 14 faleceram, contrastando com as dez mortes contabilizadas ao longo do lustro anterior.
Patrícia Boccolini, coordenadora do Observatório, expressa profunda preocupação com a situação. “Como explicar todas essas crianças que morreram de algo totalmente prevenível?”, ela questiona, ressaltando a natureza evitável da tragédia. Ademais, embora os registros até agosto deste ano apontem uma leve melhora no panorama, com 1.148 novos casos e 577 internações, os patamares da doença continuam elevados, exigindo atenção constante das autoridades de saúde.
Entendendo a Coqueluche e Suas Formas de Prevenção
A coqueluche é uma infecção respiratória contagiosa, causada pela bactéria *Bordetella pertussis*. No entanto, trata-se de uma doença totalmente evitável por meio da vacinação. Para garantir a proteção dos bebês, o esquema vacinal recomenda três doses da vacina pentavalente, administradas aos 2, 4 e 6 meses de vida. Além disso, as gestantes desempenham um papel crucial na proteção dos recém-nascidos, pois devem receber a vacina DTPa em todas as gestações, conferindo imunidade passiva aos seus filhos nos primeiros meses de vida.
Uma pesquisa conjunta, desenvolvida por cientistas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Faculdade de Medicina de Petrópolis do Centro Universitário Arthur de Sá Earp Neto (Unifase), destacou que mais da metade dos casos do ano passado afetaram crianças com menos de um ano de idade. Igualmente preocupante é o fato de que este mesmo grupo etário responde por mais de 80% das internações relacionadas à doença, sublinhando sua extrema vulnerabilidade.
Múltiplos Fatores Contribuem para a Crise
Diversos elementos parecem convergir para o aumento dos casos de coqueluche, na visão de Patrícia Boccolini. Ela aponta, por exemplo, para a retomada dos ciclos naturais da doença após o período pandêmico, a desorganização de serviços de saúde locais e até mesmo o incremento na capacidade de testagem como fatores relevantes. Contudo, uma das vulnerabilidades mais significativas e alarmantes reside na desigualdade das coberturas vacinais em diferentes regiões do país.
Boccolini elabora sobre essa questão, enfatizando a necessidade de uma análise mais granular. Ela observa que, embora as metas de vacinação não estejam sendo atingidas, as coberturas não parecem tão baixas quando avaliadas em números nacionais e regionais. “O grande problema é quando a gente começa a olhar no micro, os dados municipais mostram muita heterogeneidade, alguns polos com altas coberturas e outros não”, afirma. Ou seja, as médias nacionais podem mascarar focos de baixa imunização, tornando comunidades inteiras suscetíveis à doença.
Conforme dados do Ministério da Saúde, o ano passado registrou a imunização de mais de 90% dos bebês e 86% das gestantes contra a coqueluche, superando os índices de 2013. Todavia, a coordenadora do Observatório reitera que a meta de cobertura de 95% ainda não foi alcançada. Em consequência, crianças mais velhas e adultos não vacinados também podem contrair e transmitir a doença, contribuindo para sua circulação, mesmo que a manifestação da coqueluche seja mais severa em lactentes.
Contexto Histórico e Alerta Regional
O volume de casos observados em 2024 se assemelha aos registros de 2015, período em que foram documentados mais de 2.300 casos entre crianças com menos de cinco anos. Após esse pico, a partir de 2016, houve uma queda gradual nos casos, e o último ano a ultrapassar a marca de mil registros havia sido 2019. Entretanto, a situação atual sinaliza um ressurgimento preocupante da doença.
O problema, aliás, não se restringe ao Brasil. Toda a região das Américas encontra-se em estado de alerta devido ao avanço da coqueluche. De acordo com informações da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), nos primeiros sete meses de 2025, nove países da região notificaram mais de 18 mil casos e 128 mortes, abrangendo todas as faixas etárias. Esta conjuntura reforça a necessidade de ações coordenadas e preventivas em escala continental.
Juarez Cunha, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), explica que a coqueluche é conhecida por sua característica de “ciclicidade”. Ele observa que, cerca de dez anos atrás, um aumento de casos já era percebido globalmente, e essa tendência acaba alcançando o Brasil. Portanto, mesmo com uma melhoria nas coberturas vacinais nos últimos dois anos, a persistência de casos é esperada devido à ciclicidade da doença, especialmente porque as metas ainda não foram plenamente alcançadas.
A Crucialidade da Vacinação Materna
Conforme Juarez Cunha salienta, a inclusão da vacinação para gestantes no Programa Nacional de Imunizações (PNI) ocorreu justamente durante um ciclo anterior de aumento de casos da doença. Essa medida é vista como uma estratégia fundamental para proteger os recém-nascidos. Segundo ele, um bebê só estará totalmente protegido a partir dos 6 meses, após receber todas as doses da vacina pentavalente. Por essa razão, a imunização da gestante é a principal via para assegurar a defesa do bebê nos seus primeiros meses de vida, período de maior vulnerabilidade. “É preciso falar para as grávidas, que elas precisam se vacinar para se protegerem e protegerem seus bebês”, recomenda Cunha, enfatizando a importância da conscientização.
Conscientização e o Resgate do Medo da Doença
Para Patrícia Boccolini, a coordenadora do Observatório de Saúde da Infância, um dos desafios atuais é a falta de conhecimento sobre a coqueluche. “Tem muita gente que não sabe nem o que é coqueluche”, ela afirma. Essa lacuna de informação, na sua avaliação, é um reflexo do sucesso passado das altas coberturas vacinais do país. Boccolini explica que a partir do momento em que a população deixou de ver muitos casos e crianças morrendo de coqueluche, o medo da doença diminuiu. Em suma, a ausência da doença no cotidiano fez com que a percepção de risco fosse reduzida.
Diante desse cenário, a expectativa é que os números atuais de casos e mortes sirvam como um alerta contundente para a população. “Eu espero que esses números sensibilizem a população”, conclui a especialista, reforçando o apelo para que a sociedade retome a importância da vacinação e o reconhecimento da gravidade da coqueluche, a fim de evitar mais tragédias preveníveis.