Durante a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que aconteceu em Belém, as comunidades periféricas do Pará encontraram uma plataforma essencial para articular suas vozes e propor soluções climáticas: a COP das Baixadas. Esta iniciativa, focada na participação popular, desempenhou um papel crucial ao levar o debate ambiental diretamente para as regiões mais vulneráveis aos impactos climáticos, garantindo que as perspectivas locais fossem ouvidas e valorizadas em um palco global.
O Gênese da COP das Baixadas: Conectando a Discussão Climática e a Realidade Local
A COP das Baixadas nasceu com a missão primordial de aproximar o complexo debate sobre as mudanças climáticas das populações mais diretamente afetadas, que frequentemente residem em favelas, comunidades periféricas, áreas rurais e aldeias. Primordialmente, trata-se de uma colaboração entre diversas organizações que visa inserir a questão mais premente da atualidade, o aquecimento global, no cotidiano das periferias. Em outras palavras, enquanto os debates oficiais da COP30 ocorriam, coletivos da sociedade civil do Pará promoviam uma série de atividades destinadas a evidenciar questões locais que, muitas vezes, não ocupam o centro das discussões globais sobre o meio ambiente.
Guydo Kithara, um dos cofundadores da iniciativa, explicou que a ideia surgiu da percepção de que, enquanto os debates oficiais sobre o clima acontecem, as populações mais atingidas por seus efeitos frequentemente ficam à margem dessas conversas. Consequentemente, essa lacuna motivou a criação da COP das Baixadas. Guydo e seu irmão, Jean Ferreira, conhecido como Jean do Gueto, são também os responsáveis pelo Gueto Hub, um espaço vibrante de formação e mobilização sociocultural situado no bairro Jurunas, uma das maiores comunidades de Belém, às margens do Rio Guamá.
As Zonas Amarelas: Amplificando Vozes Comunitárias
Com o propósito de influenciar o diálogo mundial sobre o clima durante a Conferência das Nações Unidas, a COP das Baixadas introduziu as inovadoras “yellow zones” (zonas amarelas). Essa denominação faz alusão às áreas oficiais da conferência – a blue zone, onde negociadores se reúnem, e a green zone, espaço para debates da sociedade civil e empresas. Ademais, a escolha da cor amarela possui um simbolismo específico: ela complementa as cores da Bandeira Brasileira e serve como um aceno à juventude que protagoniza a gestão desses espaços alternativos.
Ao todo, oito espaços distintos foram ativados em Belém e em sua região metropolitana, incluindo cidades como Ananindeua, Icoroaci e Castanhal. Desde o início da COP30, em 10 de novembro, até o seu encerramento, previsto para 21 de novembro, uma vasta gama de programações foi oferecida. Isso incluiu debates profundos, diversas atividades culturais, cursos práticos, oficinas interativas e celebrações comunitárias. Consequentemente, o encerramento da COP das Baixadas culminou em um ato simbólico no bairro Jurunas, em defesa da vida e dos territórios.
Soluções Locais e Racismo Ambiental em Pauta
Joyce Cursino, cineasta, atriz, comunicadora e gestora do espaço EcoAmazônias, uma das Yellow Zones coordenada pelo Instituto Negrytar, também no bairro Jurunas, ressaltou a importância da iniciativa. Ela destacou que, embora a COP30 seja um fórum para importantes decisões e direcionamentos, as comunidades se mobilizaram para transmitir uma mensagem poderosa: seus territórios já possuem as soluções, compreendem os problemas que enfrentam e já desenvolveram um plano de ação claro. Nesse sentido, o EcoAmazônias promoveu, na última semana, eventos significativos como encontros de parteiras, oficinas de bioconstrução para crianças, plantio de uma horta comunitária, além de debates e outras ações culturais e artísticas, engajando ativamente a comunidade local.
A comunicadora enfatizou a necessidade imperativa de escutar tanto a juventude quanto as comunidades, defendendo veementemente a participação popular. Além disso, ela abordou a questão do racismo ambiental, sublinhando que são justamente essas comunidades periféricas e marginalizadas que sofrem os impactos mais severos das mudanças climáticas.
O Legado da Luta Comunitária no Gueto Hub
No coração do Gueto Hub, a luta comunitária encontra raízes e continuidade através da dedicação de Jeane Ferreira, mãe de Jean e Guydo. Ela ofereceu apoio e entusiasmo desde o princípio, ajudando a transformar um imóvel da família em uma biblioteca comunitária. Com o tempo, este espaço se consolidou como um ponto cultural de referência na região. Jeane relata que o local realiza oficinas, organiza eventos, mantém a biblioteca e incentiva a comunidade a proteger o meio ambiente local, por exemplo, não jogando lixo no canal da Travessa Quintino. Dessa forma, a iniciativa foi ganhando força paulatinamente.
A matriarca, que anteriormente atuou como líder comunitária no bairro Jurunas, já havia impulsionado a demanda por obras de esgotamento sanitário e outras melhorias urbanas na infraestrutura. Hoje, ela observa com orgulho a iniciativa de seus filhos. Jeane Ferreira expressou uma profunda reflexão sobre o passado e o presente, observando que “ainda há tempo de sonhar”, pois em sua época, realidades como valas transbordando, inundações de casas e ruas sem asfalto eram comuns, e essas melhorias foram conquistas alcançadas através de “muita luta, luta popular”.
Em uma visita da Agência Brasil ao Gueto Hub, o músico Renato do Pife, originário de Campina Grande, Paraíba, estava fabricando pífanos utilizando canos de PVC reciclados. Ele havia viajado para a COP30 com o objetivo de participar de atividades de mobilização sociocultural com as comunidades paraenses e ministrar oficinas musicais sobre o tradicional instrumento de sopro nordestino. Renato do Pife compartilhou seu propósito: ele veio para aprofundar seu conhecimento sobre a cultura paraense, particularmente o carimbó, e para disseminar a arte de fabricar pífanos. Segundo o músico, o pífano é um instrumento extremamente democrático, fácil de construir e acessível, exigindo apenas um cano e sete furos para produzir todas as notas e executar diversas melodias.



