Após uma vasta operação policial ocorrida em 28 de outubro nos complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, dez adolescentes apreendidos receberão apoio intensivo. Os Conselhos Tutelares locais, em parceria com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDH), estão acompanhando de perto esses jovens e suas famílias. O objetivo primordial é resguardá-los de possíveis ameaças, como a “queima de arquivo”, e de qualquer tentativa de aliciamento por facções do tráfico de drogas.
Acompanhamento e Proteção Imediata
Os dez adolescentes, detidos durante a ofensiva contra a facção criminosa Comando Vermelho, encontram-se atualmente em uma unidade socioeducativa situada na Ilha do Governador. Eles serão submetidos a audiências de custódia até o final desta semana, momento em que a legalidade de suas apreensões será avaliada. Em seguida, o Ministério dos Direitos Humanos planeja a inclusão imediata desses jovens no Programa de Proteção à Criança e Adolescente Ameaçados de Morte (PPCAM), um programa federal que está em fase final de articulação com o governo do Rio de Janeiro.
Esta medida estratégica de proteção surgiu de um encontro crucial. Conselheiros tutelares dos bairros de Inhaúma e Ramos, que abrangem as comunidades impactadas pela Operação Contenção, reuniram-se com representantes de órgãos federais de defesa dos direitos humanos. Nesse sentido, a colaboração visa estabelecer um escudo protetor para os jovens vulneráveis.
Medidas de Amparo e Reintegração
Durante a reunião mencionada, foram estabelecidas três ações prioritárias para lidar com a complexa situação das crianças e adolescentes afetados pela operação, incluindo aqueles que foram apreendidos pela polícia. Primeiramente, busca-se o fortalecimento dos próprios conselheiros tutelares, oferecendo o suporte necessário para que possam desempenhar suas funções legais com maior eficácia. Em segundo lugar, a medida visa registrar e prover atendimento médico e psicológico àqueles que foram diretamente impactados no dia da operação, ao passo que também se avalia a assistência às famílias que perderam seus provedores, seja por morte ou prisão.
Finalmente, a terceira e essencial etapa é o acompanhamento contínuo dos dez adolescentes apreendidos e de suas famílias. Lívia Vidal, coordenadora-geral do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo e do Meio Aberto da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNDC), esclareceu que a maioria desses jovens não possui antecedentes criminais. Isso, portanto, abre a possibilidade de que alguns aguardem julgamento em regime de semiliberdade ou liberdade assistida, e não necessariamente em uma unidade socioeducativa. Conforme Vidal, é imperativo que esses adolescentes estejam resguardados e protegidos, a fim de não serem expostos a ameaças ou atuarem como testemunhas desamparadas pela Defensoria Pública ou pela comunidade. Adicionalmente, a coordenadora enfatizou que, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, a ressocialização é mais eficaz em ambientes abertos, onde o jovem pode ser positivamente fortalecido pela comunidade e pela escola.
Impactos Generalizados da Operação nas Comunidades
A megaoperação, que resultou em 121 mortes, conforme noticiado pela Agência Brasil, não se limitou às apreensões, mas também causou um impacto severo na rotina de crianças e adolescentes nos complexos de favelas. Um relatório da Ouvidoria Geral da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, divulgado recentemente, detalha que os jovens ficaram sem aulas e alimentação escolar por três dias. Além disso, crianças com condições atípicas apresentaram casos de desregulação comportamental devido aos intensos e prolongados ruídos de tiros, que perduraram por mais de 16 horas. Posteriormente, foram registrados relatos angustiantes de crianças atingidas por gás de pimenta ou com casas destruídas devido à prática da “Tróia”, uma tática policial que consiste em invadir residências para emboscar suspeitos.
Por exemplo, um depoimento chocante coletado no relatório da Ouvidoria, atribuído a “F.”, ilustra a brutalidade: “Eles entraram na minha casa e nos prenderam no quarto e usaram nossa janela para ficar atirando nas pessoas. Tem várias cápsulas de bala em cima da cama do meu filho. Eles atiraram com a gente dentro de casa. Meu filho só sabe gritar.” Paralelamente, o Ministério dos Direitos Humanos recebeu a denúncia de uma mãe grávida, com duas crianças pequenas, que teve sua casa completamente depredada e a cozinha destruída pela explosão de um botijão de gás. Vidal descreveu a situação dessa mulher como grave, enfrentando sangramento e sem acesso a exames médicos para verificar a gestação, um reflexo contundente do impacto da operação policial na vida das crianças e suas famílias. Para apoiar os Conselhos Tutelares, foi acordada a criação de uma rede de apoio que inclui acolhimento psicológico, reconhecendo o pesado impacto emocional do trabalho. Em contrapartida, espera-se que os conselheiros registrem detalhadamente as violações de direitos reportadas pelas famílias e encaminhem casos ao PPCAM quando necessário. Ainda há a expectativa de novas denúncias, pois Vidal avalia que, inicialmente, as pessoas estavam mais focadas no reconhecimento de corpos e traumatizadas pela operação, o que dificultava a formalização das demandas.
A Violência Crônica e a Juventude Periférica
A rotina de violência é uma realidade que permeia diferentes gerações de jovens nas áreas afetadas pela Operação Contenção, infelizmente notória como a mais letal da história do estado do Rio de Janeiro. Em um documentário de 2004, intitulado “Adolescência no Complexo da Penha”, alunos já manifestavam uma “adolescência cerceada”, marcada pelo medo constante. Uma das jovens entrevistadas no filme expressou sua apreensão: “A visão da Igreja da Penha é maravilhosa, mas eu prefiro ficar em casa, porque tem mais segurança. Se a gente for na rua, não sabe se vai voltar ou não.” Outra jovem, por sua vez, revelou o pavor de ser atingida por bala perdida: “Quando eu estou na rua, na Penha, fico com medo de acertarem em mim ou na minha avó.”
O documentário, realizado em parceria com o Programa Imagens em Movimento, também revelou a angústia de viver entre os abusos de facções criminosas e a ação policial. Uma jovem narrou: “Aqui, na Penha, para me divertir, às vezes, eu venho para escola e brinco, o que não faço em casa. Em casa, não posso sair, porque o clima é [de briga entre] facções.” Reconhecendo essa realidade complexa e persistente, o Ministério dos Direitos Humanos enfatiza a urgência de integrar ações sociais eficazes, ao mesmo tempo em que se combate a entrada de armas nas comunidades. Lívia Vidal, da SNDC, esclareceu que, embora o tráfico e o manejo de drogas e armas sejam classificados como crime ou ato infracional, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) os reconhece como trabalho infantil. A OIT, de fato, considera a população com até 18 anos como vítima do trabalho infantil no tráfico de drogas, evidenciando a exploração por trás da criminalidade.
A Letalidade e o Racismo Estrutural
Na sequência da operação, o Ministério dos Direitos Humanos comprometeu-se a assegurar uma perícia independente para os óbitos. Segundo o relatório da Ouvidoria da Defensoria, grande parte das 121 mortes foi registrada em áreas de mata, com claros indícios de tortura e execução. A lista das vítimas sublinha, portanto, a alta letalidade entre jovens, revelando que um em cada três tinha até 25 anos e era preto ou pardo, conforme documentado. Adicionalmente, o relatório da Ouvidoria aponta que o perfil das vítimas expostas em praça pública exibia traços característicos da juventude das comunidades, como cabelos tingidos de vermelho ou branco. “Isso mostra, efetivamente, um claro crime de racismo e de ódio, levando em conta que essa é a marca da juventude negra periférica”, conclui o documento, reforçando a dimensão racial da violência inerente a essas operações.



