O Congresso Nacional está no centro de uma controversa manobra legislativa, buscando reintroduzir grande parte do que ambientalistas denominam “PL da Devastação”. Um levantamento detalhado revelou que, entre as 833 emendas apresentadas a uma Medida Provisória (MP) governamental, uma parcela significativa — precisamente 80% — representa sérios retrocessos nas políticas ambientais do país. Esta iniciativa surge como uma tentativa de contornar os vetos presidenciais anteriores ao Projeto de Lei (PL) 2.159/2021, que já havia gerado intensa oposição.
Manobra Legislativa e o Resgate de Propostas Controversas
A estratégia adotada por parlamentares permite que dispositivos rejeitados pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva sejam reinseridos por meio da MP do Licenciamento Ambiental Especial. De acordo com dados divulgados pelo Observatório do Clima (OC) na última quinta-feira (18), 74% dessas emendas buscam retomar justamente os pontos que foram objeto de veto. O grande risco, além disso, é que essa abordagem permite reconstruir integralmente o projeto original e incorporar novas cláusulas sem o necessário debate público ou escrutínio social, desviando-se do rito legislativo tradicional.
Entre os dispositivos mais preocupantes que as emendas tentam ressuscitar, o Observatório do Clima destaca diversos pontos críticos. Primeiramente, há a retomada da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), também conhecida como “autolicenciamento”, que transfere parte da responsabilidade do controle ambiental para o empreendedor. Em segundo lugar, observa-se o esvaziamento de órgãos técnicos fiscalizadores, bem como a diminuição da participação social nos processos. Ademais, as emendas propõem a piora da Licença Ambiental Especial, encurtando etapas e prazos cruciais para a avaliação de impactos. Há também um notável enfraquecimento da Lei da Mata Atlântica e, por fim, a exclusão de terras indígenas não homologadas, territórios quilombolas não titulados e comunidades tradicionais do processo de licenciamento ambiental, o que geraria graves impactos socioambientais.
O Grito de Alerta da Sociedade Civil
Adriana Pinheiro, assessora de incidência política do Observatório do Clima, enfatiza a urgência de fortalecer a participação social, seja por meio de audiências nos territórios afetados ou em formatos híbridos. Ela distingue essa participação da consulta prévia, que, segundo ela, também deve ser rigorosamente respeitada. Pinheiro também defende a supressão da lista política de empreendimentos estratégicos, argumentando que tais projetos devem ser guiados por critérios técnico-ambientais transparentes e não por decisões políticas arbitrárias. Portanto, a lei deve operar via ato administrativo, com condicionantes robustos, evitando atalhos que comprometam a mitigação de danos ambientais, propósito primordial do rito processual rigoroso.
No cenário político, o Partido Liberal (PL) se destacou pela quantidade de emendas apresentadas. O partido foi responsável por 25% das propostas que visam reverter os vetos governamentais e por 30,4% daquelas classificadas como retrocessos ambientais. Os parlamentares do PL justificam suas ações com o argumento de que buscam modernizar e racionalizar os processos de licenciamento ambiental.
Implicações Constitucionais e a Nova MP
A criação da Licença Ambiental Especial representa, na visão de Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, um risco constitucional iminente. Ela argumenta que a Licença Ambiental Especial dificilmente será aprimorada e, na verdade, não deveria sequer existir. Embora aceite a priorização de processos considerados essenciais pelo governo, uma prática já observada, Araújo alerta que agilizar empreendimentos com alto potencial de impacto ambiental inverte a lógica estabelecida pela Constituição. Isso porque a Carta Magna, em seus princípios da ordem econômica, prevê tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental, privilegiando a proteção do meio ambiente.
Em agosto passado, precisamente no dia 8, o presidente Lula sancionou o PL 2.159/2021 com 63 vetos. Na ocasião, o Palácio do Planalto argumentou que essas medidas eram essenciais para garantir tanto a proteção ambiental quanto a segurança jurídica, afirmando que as decisões foram tomadas após amplo diálogo com a sociedade civil. Este projeto de lei, apoiado pelo agronegócio e por diversos setores empresariais, havia sido veementemente criticado por organizações ambientalistas e pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), que o consideravam um grave retrocesso.
Credibilidade Internacional em Jogo
Paralelamente à sanção do PL, foi assinada a MP 1.308, que introduz um licenciamento simplificado para projetos e obras classificadas como “estratégicas” pelo governo. Contudo, o Observatório do Clima alerta que esta modalidade cria perigosos atalhos para empreendimentos de grande porte, como a exploração de petróleo na Foz do Amazonas ou a pavimentação de estradas, permitindo que sejam aprovados por decisão meramente política, sem o rigor técnico necessário. Diante deste cenário, o OC recomenda a rejeição integral da MP ou, alternativamente, a aprovação de um substitutivo que inclua salvaguardas socioambientais robustas. A entidade entende que, ao instituir um licenciamento de fase única — substituindo o processo atual de três fases, proporcional ao impacto — a MP representa o maior retrocesso ambiental recente no país.
Além dos prejuízos diretos aos ecossistemas brasileiros, essa série de propostas coloca em xeque a imagem que o Brasil pretende projetar no cenário internacional, especialmente seu compromisso com as convenções climáticas. Esta situação é ainda mais crítica no ano da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), agendada para novembro, em Belém. Adriana Pinheiro conclui que o PL é o oposto do que se espera de um país que aspira a liderar a agenda climática e sediará um evento tão significativo. Assim sendo, tais ações fragilizam a credibilidade do Brasil perante parceiros globais, mercados e o próprio multilateralismo, desalinhando-o de seu discurso de se tornar uma potência ambiental e liderar essa discussão vital.



