O Congresso Nacional impôs um revés significativo à pauta ambiental do governo nesta quinta-feira (27), ao derrubar 56 dos 63 vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a um projeto de lei que flexibiliza as regras para o licenciamento ambiental no Brasil. Essa decisão, apelidada pelos críticos de “PL da Devastação”, resulta na retomada do autolicenciamento para determinadas obras e, adicionalmente, diminui a proteção para o bioma da Mata Atlântica, gerando preocupação entre ambientalistas e setores da sociedade civil.
Contexto da Deliberação Legislativa
Durante a sessão, os parlamentares analisaram não apenas os vetos presidenciais, mas também 28 destaques apresentados por partidos como PT e PSOL, que visavam a manutenção das restrições impostas pelo Executivo. Na Câmara dos Deputados, por exemplo, os destaques foram rejeitados por uma margem expressiva de 295 votos a 167. No Senado, contudo, a votação desses pontos ainda estava em andamento. Entretanto, o governo obteve um ponto a seu favor ao conseguir adiar a análise de sete vetos cruciais relacionados ao Licenciamento Ambiental Especial (LAE), uma nova modalidade que originalmente previa um processo simplificado e de “fase única” para empreendimentos considerados estratégicos.
A Resposta do Governo: Medida Provisória e Seus Desafios
Em reação ao veto do dispositivo da LAE, o Poder Executivo editou a Medida Provisória (MP) 1308 de 2025, buscando preservar a existência desse instrumento ambiental. Todavia, diferentemente da proposta original de fase única, a MP governamental estipula a criação de equipes exclusivas. Estas equipes seriam destinadas a agilizar os processos de licenciamento de obras estratégicas, mas mantendo todas as fases atualmente previstas para a liberação de empreendimentos, assegurando, assim, a complexidade e rigor dos procedimentos. O deputado Zé Vitor (PL-MG) atua como relator da MP 1308 na Câmara, enquanto a senadora Tereza Cristina (PP-MS), uma influente liderança da bancada ruralista, preside a comissão responsável pela análise. A medida, portanto, precisa ser examinada e aprovada até o dia 5 de dezembro para que não perca sua validade jurídica.
Consequências Diretas da Derrubada dos Vetos
A derrubada dos vetos de Lula reinstaura dispositivos controversos. Em primeiro lugar, ela autoriza novamente o autolicenciamento para obras de porte médio, conhecido como Licença por Adesão e Compromisso (LAC). Esta modalidade exige apenas um termo de compromisso dos empreendedores para a liberação dos projetos, dispensando os estudos ambientais aprofundados que são mandatórios hoje em dia. Além disso, a decisão parlamentar permite transferir a responsabilidade pela definição dos parâmetros ambientais do licenciamento da União para os estados e o Distrito Federal. Consequentemente, a derrubada também retira importantes atribuições de órgãos ambientais como o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e limita significativamente a consulta a povos indígenas e comunidades quilombolas diretamente afetados pelos empreendimentos. Ademais, foi revertido o veto governamental que impedia a remoção da Mata Atlântica do regime de proteção especial para a supressão de floresta nativa. Esta alteração, em suma, reduz as exigências para o desmatamento de um bioma que, atualmente, conserva apenas cerca de 24% de sua vegetação original.
Reações e Críticas do Setor Ambiental
Organizações ambientalistas manifestaram forte oposição à decisão do Congresso. O Observatório do Clima, uma rede que congrega 161 entidades sociais e ambientais, classificou a derrubada desses vetos como o mais grave retrocesso ambiental da história do Brasil. O momento da votação, logo após a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém (PA), intensificou as críticas. O Observatório enfatizou a importância de se preservar os vetos presidenciais, os quais seriam cruciais para evitar o enfraquecimento do licenciamento ambiental – ferramenta vital na prevenção de danos ao meio ambiente no país, instituída pela Política Nacional do Meio Ambiente em 1981.
O Debate Político no Congresso
Pauta Controversa Pós-COP30
A decisão do presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (União-AP), de pautar o tema do licenciamento ambiental logo após a COP30 gerou descontentamento entre deputados e senadores que defendiam a manutenção dos vetos de Lula. Muitos questionaram a prioridade, considerando a existência de inúmeros outros vetos aguardando apreciação. Por sua vez, Alcolumbre justificou a votação como uma medida essencial para destrancar o processo legislativo. O presidente do Senado defendeu que a votação era fundamental para liberar grandes projetos que, segundo ele, estão estagnados, esperando que o Congresso finalize a discussão para gerar empregos, renda e crescimento econômico, sempre com o devido cuidado ambiental. No entanto, o deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), líder do PT, salientou que a escolha de votar o tema imediatamente após a conferência do clima reflete uma clara decisão política de setores privados interessados em flexibilizar as regulamentações ambientais brasileiras.
Argumentos Divergentes entre Parlamentares
A senadora Eliziane Gama (PSD-MA) expressou preocupação, avaliando que a derrubada dos vetos fomentará o desmatamento. Ela argumentou que a transferência da definição de parâmetros e critérios para o licenciamento ambiental aos estados e ao Distrito Federal criará uma “guerra ambiental”, onde cada ente federativo buscará atrair empreendimentos com menos rigor, comprometendo a proteção dos biomas e do meio ambiente. Em contrapartida, o deputado José Vitor (PL-MG) defendeu o projeto aprovado, assegurando que ele respeita o meio ambiente e que o modelo de licenciamento vigente no Brasil apenas atrasa a execução de obras. Além disso, ele defendeu a exclusão do Ibama dos processos de liberação, argumentando que o “carimbo” do instituto seria redundante e ineficaz para a proteção ambiental, uma vez que a análise técnica já teria sido feita por secretarias estaduais.
O líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), reforçou essa perspectiva, defendendo que o Brasil deve explorar suas riquezas. Segundo ele, o governo tenta “colocar travas” no agronegócio, que, na sua visão, é o único setor econômico que prospera no Brasil, e que o país deveria, portanto, focar na exploração das riquezas proporcionadas pelo setor agrícola. Em contraposição, o deputado federal Túlio Gadêlha (Rede-PE) argumentou que os eventuais atrasos nos processos de licenciamento ambiental são, na verdade, um reflexo direto do desmantelamento dos órgãos ambientais ocorrido nos anos anteriores. Ele [Túlio Gadêlha] atribuiu a morosidade atual nos processos de licenciamento ao “desmantelamento” da pauta ambiental em governos passados, citando a redução de recursos como salários, diárias e combustível para os servidores. Gadêlha ainda criticou que instituições como Ibama, Funai e Iphan passem a atuar como meros “observadores”, sem que seus pareceres detenham um “caráter vinculante” nos complexos processos de licenciamento.



