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Condenação histórica: Volkswagen pagará R$ 165 mi por trabalho escravo; recorrerá

Justiça condena Volkswagen a pagar R$ 165 milhões por trabalho análogo à escravidão em fazenda no Pará, nas décadas de 70 e 80. A montadora vai recorrer da decisão histórica.
Volkswagen trabalho escravo
Foto: Volkswagen/Divulgação

A Justiça do Trabalho proferiu uma condenação histórica contra a Volkswagen do Brasil, determinando o pagamento de R$ 165 milhões por exploração de trabalho análogo à escravidão. Os incidentes ocorreram em uma fazenda localizada no Pará, ao longo das décadas de 1970 e 1980. A montadora, por sua vez, já comunicou que irá recorrer da decisão em primeira instância.

A Condenação Histórica e os Fatos

A sentença, considerada de grande relevância pelo procurador Rafael Garcia, do Ministério Público do Trabalho (MPT), que liderou o caso, emergiu de uma ação civil pública ajuizada pelo MPT em dezembro de 2024. As práticas exploratórias foram constatadas entre os anos de 1974 e 1986, na Fazenda Vale do Rio Cristalino, popularmente conhecida como Fazenda Volkswagen. Esta propriedade, dedicada à pecuária, situava-se em Santana do Araguaia, no sudeste do Pará, próximo à divisa com Mato Grosso.

As denúncias detalhavam que centenas de trabalhadores eram submetidos a condições de vida e trabalho extremamente degradantes. Além disso, havia vigilância armada constante, os alojamentos eram precários, a alimentação era insuficiente e muitos eram mantidos em servidão por dívida, sem acesso a qualquer tipo de assistência médica. Segundo o procurador Rafael Garcia, uma grande quantidade de trabalhadores foi aliciada e transportada para a fazenda, onde enfrentou um cenário de desumanidade absoluta, caracterizado por condições insalubres e abusivas.

Impacto da Decisão e a Indenização

A multinacional alemã deverá desembolsar a quantia de R$ 165 milhões a título de indenização por dano moral coletivo. Posteriormente, os recursos serão direcionados ao Fundo Estadual de Promoção do Trabalho Digno e de Erradicação do Trabalho em Condições Análogas à de Escravo no Pará (Funtrad/PA). Em uma declaração à Agência Brasil, Rafael Garcia expressou sua satisfação com o veredito. O procurador classificou a sentença como a maior condenação por trabalho escravo contemporâneo na história do Brasil, notável por envolver uma das maiores corporações globais.

Adicionalmente, Garcia salientou que as evidências apresentadas pelo MPT e acolhidas pela Justiça tiveram como base denúncias da Comissão Pastoral da Terra (CPT), formalizadas em 2019 pelo padre Ricardo Rezende Figueira. Consequentemente, a decisão reforça o entendimento de que crimes dessa natureza não podem prescrever, independentemente do tempo transcorrido.

A Natureza Imprescritível do Crime

O procurador enfatizou que a exploração de trabalho escravo configura uma violação imprescritível dos direitos humanos. Portanto, mesmo após muitos anos, é possível que tais ações sejam objeto de processos judiciais, resultando em condenação e reparação. Garcia traçou um paralelo com a tortura, argumentando que ambos são crimes graves contra a humanidade e, como tal, passíveis de punição a qualquer momento.

Além disso, o procurador recordou que o delito ocorreu com a conivência do Estado brasileiro, que na época estava sob o regime da ditadura militar (1964-1985). O empreendimento agropecuário da Volkswagen, aliás, recebeu financiamento público da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). Para Garcia, o dano se estende a toda a sociedade brasileira, e a reparação visa beneficiar o coletivo. Assim sendo, a indenização funciona como uma punição à empresa pela conduta praticada, dado que tal violação agride não apenas os trabalhadores diretamente afetados, mas a sociedade como um todo. A condenação também exige o reconhecimento público da responsabilidade da empresa e um pedido formal de desculpas aos trabalhadores e à sociedade em geral.

A Posição da Volkswagen e Casos Anteriores

Ao ser questionada pela Agência Brasil, a Volkswagen do Brasil confirmou que irá recorrer da sentença. A empresa declarou ter tomado conhecimento da decisão em primeira instância, mas reiterou seu compromisso em buscar justiça e segurança jurídica nas instâncias superiores. A companhia afirmou que, com um legado de 72 anos, defende consistentemente os princípios da dignidade humana e cumpre rigorosamente todas as leis e regulamentos trabalhistas aplicáveis. Ademais, a Volkswagen reafirmou seu compromisso inabalável com a responsabilidade social, um pilar fundamental de sua conduta como pessoa jurídica e empregadora.

É relevante notar que a Volkswagen, uma das principais fabricantes de automóveis do mundo, chegou ao Brasil em 1953 e inaugurou sua primeira fábrica em 1959. A empresa também possui um histórico de colaboração com a ditadura militar. Em 2017, Pablo Di Si, então presidente da Volkswagen para a América do Sul e Brasil, admitiu que houve funcionários dentro da empresa que colaboraram com o regime. Uma investigação interna da companhia apontou diversas condutas problemáticas, incluindo a permissão para prisões de funcionários dentro de suas unidades, a perseguição de trabalhadores por sua atuação política e sindical, a produção de informações para órgãos de repressão, a colaboração financeira com o regime e até mesmo a permissão de práticas de tortura na sede da montadora. Contudo, Di Si enfatizou que essa colaboração não era institucionalizada, mas sim resultado da ação de indivíduos dentro da empresa.

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