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Círio de Nazaré: Romaria Fluvial reúne 50 mil e precede procissão principal

Cerca de 50 mil fiéis e 400 embarcações participaram da Romaria Fluvial do Círio de Nazaré em Belém neste sábado, antecedendo a procissão principal de domingo, esperada por 2 milhões.
Círio de Nazaré Romaria Fluvial
Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil

A cidade de Belém testemunhou neste sábado a vibrante Romaria Fluvial do Círio de Nazaré, um evento que mobilizou aproximadamente 50 mil fiéis e mais de 400 embarcações nas águas da capital paraense. Esta celebração náutica precede a grande procissão terrestre de domingo, a qual espera atrair um público monumental de cerca de dois milhões de pessoas, consolidando o Círio como uma das maiores manifestações de fé do mundo.

As Romarias que Precedem a Grande Procissão

A manhã de sábado, 11 de novembro, marcou o início da Romaria Fluvial, parte integrante das celebrações do Círio de Nazaré. Por volta das 9h, a Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Nazaré partiu do Trapiche do Distrito de Icoaraci, em direção à icônica Escadinha da Estação das Docas. A bordo do navio Garnier Sampaio, da Marinha do Brasil, que também coordenou a segurança e o fluxo da romaria, a imagem seguiu seu percurso sob o olhar atento e devoto de milhares.

Considerada por muitos como uma das mais belas procissões do Círio, a Romaria Fluvial teve sua primeira edição em 1986. O trajeto aquático abrange cerca de 10 milhas marítimas, equivalente a aproximadamente 18,5 quilômetros, e possui uma duração média de duas horas. Ao chegar à Escadinha, localizada na Praça Pedro Teixeira, a Imagem Peregrina recebe honras de Chefe de Estado. Esta reverência especial é garantida por uma lei estadual de 1971, que proclamou Nossa Senhora de Nazaré como Padroeira do Pará e Rainha da Amazônia.

Em um prelúdio aos eventos do final de semana, o dia anterior já havia sido palco da maior procissão em extensão, onde a imagem peregrina percorreu 52,3 quilômetros até as 18h, sem o registro de incidentes. Posteriormente, o sábado também incluiu outras importantes manifestações de fé. A Romaria Rodoviária, por exemplo, percorreu 24 quilômetros antes da Fluvial, e ainda está prevista a Moto Romaria. À noite, acontece a Trasladação, uma procissão que dura cerca de cinco horas e meia e serve como uma antecipação da grande procissão de domingo. Esta última, a mais significativa do Círio, tem início programado para as 6h e reunirá a esperada multidão de cerca de dois milhões de devotos.

O Círio e a Conexão com a COP-30

Neste ano, a maior procissão católica do planeta celebra sua 233ª edição em um contexto de grande relevância ambiental. A festividade ocorre às vésperas da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-30), que será sediada em Belém. Dessa forma, o Círio de Nazaré tem sido carinhosamente denominado como a “COP da Floresta”, evidenciando a profunda conexão entre fé, cultura e a preservação do meio ambiente amazônico. Reconhecido como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco, o Círio é uma vívida demonstração da devoção paraense, e a expectativa é que mais de dois milhões de pessoas participem da procissão deste domingo, 12 de novembro.

Acolhimento na Casa de Plácido: Um Refúgio para os Romeiros

A Casa de Plácido emerge como um pilar de abrigo, solidariedade e amor durante o Círio, homenageando o agricultor e caçador paraense Plácido José de Souza. No ano de 1700, Plácido encontrou a pequena imagem de Nossa Senhora de Nazaré entre pedras lodosas, nas margens do Igarapé Murutucu, local onde hoje se ergue a Basílica. Conforme a história, ele levou a imagem para sua choupana, mas no dia seguinte, ela havia desaparecido, sendo encontrada novamente no local original. Este fato se repetiu diversas vezes, levando Plácido a construir uma ermida no ponto do achado. Para além dessa narrativa histórica, a “Casa de Plácido” personifica o milagre da fé através do ritual do lava-pés, um gesto que simboliza humanidade e doação.

Aliás, por suas instalações transitam inúmeras caravanas de romeiros. Maria da Conceição Rodrigues, coordenadora da Acolhida da Casa de Plácido, revelou a expectativa de atender 18 mil pessoas neste Círio, com o apoio de equipes de voluntários que trabalham em revezamento. “Estamos neste Círio com 530 voluntários, de diversas profissões”, explicou Maria da Conceição. Ela complementou que o grupo inclui desde médicos e advogados até estudantes de medicina e fisioterapia, que atuam como massagistas, distribuídos em 14 equipes de trabalho que abrangem atendimento, recepção, e preparação de refeições.

A Casa de Plácido iniciou oficialmente suas atividades na quarta-feira, 8 de novembro, e permanecerá aberta até as 13h de domingo, 12 de novembro. Em seguida, reabrirá na terça-feira, 14, para o restante da quinzena do Círio. O fechamento temporário no domingo permite que os voluntários também acompanhem a procissão principal. No ano passado, conforme dados apresentados, a casa recebeu 238 caravanas e atendeu 20.500 pessoas somente de grupos organizados, além de 11 mil romeiros visitantes. “Nós acreditamos que essa expectativa vai aumentar”, afirmou Maria da Conceição, destacando que, mesmo antes da abertura na quarta-feira, já havia 212 caravanas inscritas e uma média de 18 mil pessoas esperadas. Ademais, a casa oferece suporte essencial: “Por exemplo, a pessoa chegou passando mal, ela vai direto para o serviço médico, se precisar tomar um soro, toma; se precisa de uma insulina, toma. Se o médico avaliar que o caso é mais grave, temos a ambulância e ela já faz o encaminhamento para o hospital”, detalhou a coordenadora, sublinhando a importância do atendimento de saúde disponível.

Arte e Devoção: A Perspectiva de Aline Folha

O Círio de Nazaré transcende a dimensão religiosa, revelando-se um evento multifacetado que congrega fé, devoção e a renovação da esperança. Presente em cada recanto de Belém, o Círio inspira o trabalho de artistas e artesãos que buscam traduzir essa experiência em suas criações. Uma dessas vozes é a da artista paraense Aline Folha, conhecida por produzir diversas peças, como camisas e louças, todas com a temática do Círio.

Para Aline, a vivência do Círio é intensa. “Desde o começo do mês, eu já vivo o Círio. Eu vivo em estado de outubro, como o paraense gosta de falar”, relata. Ela descreve a atmosfera única que toma conta da cidade: “A gente tem essa coisa de esperar pelo cheiro da cidade que fica diferente, a energia das ruas, que fica diferente.” Este ano, Aline Folha foi convidada para desenvolver a ilustração das peças de comunicação e ativações do Círio para uma renomada empresa de mineração. Sua obra, caracterizada por transitar pelos estados emocionais do cotidiano feminino, especialmente a maternidade, busca expressar liberdade, acolhimento e novas possibilidades. A artista incorpora em suas criações os rastros do processo artístico, o que evidencia a presença da água e do grafite na relação entre desenho e aquarela.

“O Círio para mim é uma experiência bastante pessoal”, explica Aline. “Tem alguma coisa de subjetivo e tem algo que a gente vive em conjunto, em comunidade, tem uma memória coletiva que faz a gente partir para nossas criações, nós artistas”. Ela se emociona particularmente com “o ritual que cada pessoa vive, o ritual de família de sair para ver a santa passar no mesmo cantinho todos os anos”. Reconhecida por sua sensibilidade e autenticidade, Aline já foi selecionada por três vezes (em 2016, 2017 e 2022) para criar os mantos oficiais do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, a maior manifestação cultural-religiosa do Pará. Além disso, em 2023 e 2024, uma empresa a escolheu para desenvolver as primeiras coleções de louças temáticas da festividade, batizadas de “Caminhos do Círio” e “Raízes de Fé”, projetos que celebram a fé e a identidade paraense com traços delicados e simbólicos.

Aline compartilha que suas principais inspirações “vieram das sensações que o Círio provoca em quem o vivencia”. Ela buscou “representar esses sentidos aflorados e como eles podem despertar memórias afetivas e coletivas nessa grande festa paraense”. A arte que ela criou neste ano incorpora diversos elementos culturais, como o tacacá, os brinquedos de miriti, os gritos de “viva, viva, viva”, os fogos de artifício e a figura feminina que acolhe uma criança. Contudo, um desafio significativo foi “manter o aspecto aquarelado em uma arte que pudesse ser aplicada de formas e tamanhos diversos nas peças da campanha”, acrescenta a artista. Aline Folha já realizou diversas exposições individuais, incluindo “Elas” e “O Peso das Coisas Leves”, ambas no Espaço Cultural do TRT-8; “Elas Estampadas”, na Casa Oiam; e “Florescer Mãe”, no Shopping Bosque Grão Pará. Atualmente, ela mantém seu atelier na capital paraense como um espaço múltiplo, onde não apenas produz suas obras, mas também oferece cursos livres ou corporativos e recebe o público, clientes e alunos.