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Cerrado perde 28% da vegetação nativa em 40 anos; quase metade alterada

Em 40 anos, o Cerrado brasileiro perdeu 28% da vegetação nativa, com quase metade de sua área alterada principalmente por pastagens e agricultura, aponta o Mapbiomas.
Desmatamento Cerrado 40 anos
Foto: Google Maps

O Cerrado brasileiro, um dos biomas mais ricos em biodiversidade do planeta e crucial para o equilíbrio hídrico nacional, enfrenta uma crise ambiental alarmante. Dados revelados pelo Mapbiomas indicam que, ao longo das últimas quatro décadas, o bioma perdeu impressionantes 28% de sua vegetação nativa, uma área equivalente a 40,5 milhões de hectares. Além disso, a análise detalhada aponta que quase metade, precisamente 47,9%, da área total do Cerrado já sofreu alguma alteração, impulsionada majoritariamente pela expansão de pastagens e da agricultura.

Impactos Ambientais Profundos

A perda significativa da cobertura vegetal natural no Cerrado acarreta consequências socioambientais severas, conforme alerta Bárbara Costa, analista de pesquisa do IPAM e membro da equipe MapBiomas Cerrado. Esses impactos estendem-se desde a fragmentação de habitats, que compromete a fauna e flora local, até uma intensa pressão sobre os serviços ecossistêmicos essenciais, como a regulação do clima e da água. Ademais, a especialista ressalta que as mudanças regionais no regime hídrico tornam o bioma ainda mais suscetível a eventos climáticos extremos, como secas prolongadas e chuvas intensas.

Ao analisar o período estudado, observou-se que as formações savânicas foram as mais impactadas, registrando uma redução de 26,1 milhões de hectares. Em seguida, as formações florestais também sofreram considerável diminuição, perdendo 10,5 milhões de hectares. Por outro lado, os campos alagados, ecossistemas vitais para a biodiversidade aquática, encolheram em 1,3 milhão de hectares, evidenciando a abrangência da devastação.

Expansão Agrícola e Pastagens: Os Motores da Transformação

As atividades humanas são as principais responsáveis pela intensa modificação da paisagem do Cerrado. Principalmente, o uso do solo para pastagem, agricultura e silvicultura tem avançado de forma acelerada. Em 2024, as pastagens já ocupavam 24,1% do território do bioma, enquanto a agricultura respondia por 13,2% e a silvicultura por 1,7%. Apesar de as pastagens ainda dominarem uma fatia maior, a agricultura é o setor que mais cresceu nos últimos 40 anos, exibindo uma variação espantosa de 533% desde 1985 e avançando sobre 22,1 milhões de hectares.

Inicialmente, as pastagens experimentaram um crescimento expressivo até 2007; posteriormente, contudo, a agricultura começou a conquistar mais espaço. Atualmente, as lavouras temporárias, como a de soja, abrangiam 25,6 milhões de hectares em 2024. Já a agricultura perene, exemplificada pelo cultivo de café, ocupava 700 mil hectares do bioma no ano anterior. Assim, a transformação se intensifica em múltiplas frentes.

A pesquisadora Bárbara Costa reforça que o Cerrado tem sido alterado em ritmo acelerado nas últimas quatro décadas. Conforme ela explica, a supressão da vegetação nativa foi mais intensa entre 1985 e 1995. Nas décadas seguintes, entretanto, a agricultura se expandiu e se intensificou, consolidando o bioma como uma região central para a produção agrícola do país, especialmente de grãos.

No início do estudo, a agropecuária predominava em 42% dos municípios do Cerrado. Após 40 anos, esse percentual saltou para 58%. Em contrapartida, os municípios que ainda mantêm mais de 80% de vegetação nativa no Cerrado representam, em 2024, apenas 16% do total, um declínio que sublinha a severidade da degradação.

A Dinâmica da Água no Bioma

Entre 1985 e 2024, o Cerrado passou por uma notável transformação também em sua cobertura hídrica. Corpos d’água naturais, como rios, lagos e veredas, foram gradualmente substituídos ou impactados por intervenções antrópicas, como hidrelétricas, reservatórios, aquicultura e atividades de mineração. Essa modificação, por conseguinte, levou o bioma a registrar sua maior cobertura de água em 2024, com 0,8% de sua área total, equivalente a 1,6 milhão de hectares, coberta por corpos hídricos.

Um detalhamento do estudo revela que, em 2024, a maior parte dessa superfície aquática, ou seja, 60,4% do total, possui natureza antrópica, indicando uma profunda alteração nos ecossistemas aquáticos originais do Cerrado. Portanto, a água, embora presente, está em grande parte sob o controle humano.

Refúgios e Ameaças da Vegetação Remanescente

No período mais recente da pesquisa, o Cerrado lamentavelmente perdeu 6,4 milhões de hectares de vegetação nativa. A maior parte da vegetação nativa remanescente está concentrada na região conhecida como Matopiba, que abrange os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Juntos, esses quatro estados compreendem aproximadamente 30% do Cerrado brasileiro.

Apesar de possuir uma extensa área de ecossistema ainda preservado, o Matopiba enfrentou uma perda substancial de 15,7 milhões de hectares em 40 anos. Além disso, o avanço da supressão de vegetação nativa nessa região intensificou-se drasticamente na última década da pesquisa, entre 2015 e 2024, período em que o Matopiba foi responsável por 73% da conversão do uso do solo para atividades humanas. Consequentemente, a agricultura avançou significativamente, ocupando um total de 5,5 milhões de hectares, inclusive sobre áreas já transformadas.

Felizmente, nem todas as áreas seguem o mesmo padrão de degradação. A vegetação nativa é significativamente mais preservada em Territórios Indígenas, que conseguem manter 97% de seu Cerrado intacto. Da mesma forma, áreas militares e Unidades de Conservação demonstram alta eficácia na proteção, preservando, respectivamente, uma média de 95% de seus territórios. Por outro lado, o contraste é notório em outras formas de ocupação, como áreas urbanas, onde apenas 7% do Cerrado permanece em pé. Outras formas de ocupação, como imóveis rurais e terras sem registro, também apresentam níveis de preservação muito menores, mantendo apenas 45% e 49%, respectivamente.

Desaceleração do Desmatamento, Mas Vigilância Necessária

Embora o cenário geral seja preocupante, há um sinal de esperança em relação aos alertas de desmatamento. Dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação indicam que, entre agosto de 2024 e julho de 2025, o Cerrado registrou uma queda de 20,8% na área sob alerta de desmatamento. No entanto, é crucial observar que uma área considerável de 5.555 km² do bioma permaneceu sob alerta nesse mesmo período. Isso demonstra que, apesar da desaceleração, a ameaça persiste.

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, por meio do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), é responsável por sistemas cruciais de monitoramento, como o Sistema de Detecção de Desmatamentos em Tempo Real (Deter) e o Projeto de Monitoramento do Desmatamento por Satélite (Prodes). Estes sistemas são ferramentas indispensáveis para acompanhar a dinâmica da degradação e subsidiar ações de conservação. Em conclusão, a preservação do Cerrado exige esforços contínuos e integrados, dada a sua importância ecológica e socioeconômica para o Brasil.