No Rio de Janeiro, a realidade dos catadores de materiais recicláveis é marcada pela informalidade e precariedade, apesar dos esforços de cooperativas como a Cootrabom e a CoopQuitungo para garantir melhores condições de trabalho e dignidade a esses trabalhadores essenciais para o processo de reciclagem. A busca por reconhecimento e infraestrutura adequada representa um desafio constante na luta por melhores condições de vida.
A trajetória de Luiz Carlos Santiago e a Cootrabom
Luiz Carlos Santiago, 70 anos, iniciou sua jornada na coleta de materiais recicláveis no ano 2000, trabalhando inicialmente de forma autônoma no Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Em 2002, ele se tornou um dos fundadores da Cooperativa dos Trabalhadores do Complexo de Bonsucesso (Cootrabom), uma iniciativa apoiada pela Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Atualmente, a Cootrabom coleta materiais em empresas públicas e privadas, além de receber recicláveis da Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) em seu galpão em Cascadura. Nesse espaço, os cooperados realizam a separação e comercialização dos materiais, obtendo uma renda média mensal de R$ 1,6 mil por associado. Entretanto, Santiago considera essa renda insuficiente para o trabalho realizado. “Não considero suficiente o que conseguimos ratear, tendo em vista o trabalho que prestamos à sociedade”, afirma ele à Agência Brasil, acrescentando que a renda melhora um pouco com a prestação de serviços extras para empresas.
Além da questão financeira, Santiago critica a falta de apoio do poder público na disponibilização de espaços adequados para armazenamento dos materiais coletados e a persistência da discriminação. “Muitas situações de preconceito acontecem por causa do nosso trabalho, que é confundido com o trabalho da população em situação de rua”, explica o fundador da Cootrabom.
O contexto legal e a realidade dos catadores
Dieric Guimarães Cavalcante, autor do livro “A vida com direitos: direito do trabalho inclusivo e trabalho decente para catadores de resíduos”, destaca a importância do trabalho dos catadores em todo o processo de reciclagem, desde a coleta seletiva até a comercialização dos materiais. Ele ressalta que, apesar da atividade só ter sido reconhecida oficialmente pelo Ministério do Trabalho e Emprego em 2002, com sua inclusão na Classificação Brasileira de Ocupações, a atividade acompanha a urbanização do Brasil há muito tempo. De acordo com o Guia Brasileiro de Ocupações, existem 3.848 catadores de material reciclável registrados no país, sendo 70,97% homens e 29,03% mulheres.
Cavalcante, mestre em sociologia pela UFF, explica que a jornada de trabalho varia significativamente de acordo com o regime de trabalho. Catadores autônomos podem trabalhar mais de 16 horas diariamente, sem intervalos, enquanto aqueles inseridos em cooperativas geralmente cumprem jornadas de oito horas, com intervalos de uma hora, conforme a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). “O trabalho dos catadores, quando exercido no contexto das cooperativas e das associações, tende a ser mais protegido e, consequentemente, mais digno”, afirma Cavalcante.
Apesar das vantagens de se trabalhar em cooperativas, muitas ainda enfrentam dificuldades para sobreviver devido à falta de reconhecimento formal e padrões de trabalho decentes, conforme descrito em seu livro.
A CoopQuitungo e os desafios das mulheres na reciclagem
Na mesma região, na Zona Norte do Rio, a Cooperativa de Trabalho CoopQuitungo, fundada em 2005 por Maria do Carmo Barbosa de Oliveira, 70 anos, atua na comunidade do Quitungo, em Brás de Pina. Composta inicialmente por 30 mulheres, a cooperativa hoje conta com 14 famílias associadas. “A cooperativa foi criada para atender a comunidade, porque as pessoas não tinham condições de ir para o mercado de trabalho”, explica Oliveira.
Assim como a Cootrabom, a CoopQuitungo coleta materiais em empresas públicas e privadas, além de condomínios. No entanto, a falta de um espaço próprio para armazenar o material coletado representa um obstáculo significativo. “Na maioria das vezes, nós não temos tanta liberdade. Mesmo após esses anos todos, trabalhamos em um espaço emprestado por uma igreja católica. Não temos estrutura para muita coisa”, lamenta a fundadora.
A falta de infraestrutura impactou o número de cooperadas, que diminuiu com o passar do tempo. Inicialmente, as mulheres trabalhavam com carrinhos de mão, situação que se tornou mais fácil com a aquisição de um caminhão, o que levou à inclusão de homens para dirigir o veículo. Ainda assim, apenas mulheres realizam a coleta de materiais, com apoio do Decreto nº 5.940, de 2006, que prioriza a coleta seletiva em órgãos públicos.
A necessidade de valorização profissional e infraestrutura
O professor Ronei de Almeida, do Departamento de Engenharia Sanitária e Meio Ambiente da UERJ, aponta a informalidade e a consequente ausência de direitos trabalhistas como os principais desafios enfrentados pelos catadores. A falta de infraestrutura e equipamentos adequados impacta negativamente a saúde e a qualidade de vida desses profissionais. Portanto, a formalização do trabalho, através da estruturação de associações e cooperativas, é fundamental. Além disso, Almeida enfatiza a necessidade de investimentos em infraestrutura, capacitação profissional e remuneração justa por parte dos municípios.
Embora a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) priorize parcerias com cooperativas de catadores, especialmente na logística reversa, Almeida defende que a solução mais eficaz para a valorização da categoria é a formalização, combinada a investimentos em infraestrutura e capacitação. Ele ressalta ainda a importância da remuneração direta das cooperativas e associações pelos municípios, reconhecendo seu papel estratégico no gerenciamento de resíduos sólidos.
A perspectiva da Comlurb
Em resposta a questionamentos sobre as ações voltadas aos catadores no Rio de Janeiro, a Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) informou que realiza a coleta seletiva em 117 bairros, entregando gratuitamente o material coletado a 30 cooperativas, beneficiando cerca de 450 famílias. A Comlurb coleta aproximadamente 1.300 toneladas de materiais recicláveis por mês, considerando a coleta própria e a realizada por recicladores autônomos. Em resumo, a Comlurb afirma que o sistema garante trabalho e renda aos cooperados, através da coleta porta a porta, uma vez por semana.
Em conclusão, a situação dos catadores de materiais recicláveis no Rio de Janeiro demanda atenção e ações efetivas por parte do poder público e da sociedade. A formalização, a valorização profissional e a garantia de infraestrutura adequada são passos essenciais para a construção de um cenário de trabalho digno e justo para esses trabalhadores.