O acesso a exames de mamografia no Brasil revela uma acentuada desigualdade, com a rede pública oferecendo consideravelmente menos equipamentos do que o setor privado. Essa disparidade, evidenciada por um relatório recente, representa um obstáculo significativo à detecção precoce do câncer de mama, uma doença que demanda rastreamento e tratamento equitativos para reduzir a mortalidade.
Desigualdade no Acesso a Mamógrafos no Brasil
Um levantamento detalhado do Atlas da Radiologia no Brasil, elaborado pelo Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR), destaca que, embora o país disponha de 6.826 equipamentos de mamografia registrados – com 96% em pleno funcionamento –, a distribuição é extremamente desbalanceada. O Sistema Único de Saúde (SUS), que atende cerca de 75% da população brasileira, possui apenas metade desses aparelhos. Consequentemente, a proporção é de 2,13 mamógrafos para cada 100 mil habitantes dependentes do SUS.
Em contraste, o cenário na saúde suplementar, que abrange os restantes 25% da população, é substancialmente mais favorável. Neste setor, observam-se 6,54 aparelhos para cada 100 mil beneficiárias, o que representa quase o triplo da oferta encontrada na rede pública. O estado do Acre serve como um exemplo gritante dessa disparidade, registrando 35,38 mamógrafos por 100 mil habitantes na rede privada, enquanto o SUS oferece uma taxa de apenas 0,84.
Disparidades Regionais e a Cobertura Nacional
Além da diferença entre os setores público e privado, o relatório do CBR também aponta para notáveis disparidades regionais na disponibilidade de mamógrafos. Roraima apresenta a menor proporção do país, com 1,53 aparelhos por 100 mil habitantes, seguido de perto pelo Ceará (2,23) e Pará (2,25). Por outro lado, a Paraíba lidera o ranking de maior oferta, com 4,32 mamógrafos por 100 mil, à frente do Distrito Federal (4,26) e do Rio de Janeiro (3,93).
Apesar da existência de um número suficiente de aparelhos em todos os estados, segundo Ivie Braga de Paula, coordenadora da Comissão Nacional de Mamografia do CBR, a cobertura de mamografias no Brasil permanece alarmantemente baixa, atingindo apenas 24% da população. Este índice está muito aquém do ideal recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que sugere uma cobertura de 70%. Inclusive, mesmo em estados como São Paulo, que concentra a maior quantidade de mamógrafos, a taxa de realização do exame não ultrapassa os 26%.
Gargalos e Desafios na Logística de Atendimento
Apesar da quantidade de equipamentos, uma série de gargalos logísticos e de informação impede o acesso efetivo e gera a subutilização dos mamógrafos. Ivie Braga de Paula explica que problemas de comunicação, acesso e logística são particularmente críticos na Região Norte. Por exemplo, populações ribeirinhas frequentemente precisam viajar de barco por seis a sete horas para alcançar uma unidade com mamógrafo.
Ademais, mesmo nos grandes centros urbanos, pacientes que residem na periferia enfrentam desafios consideráveis. Muitas vezes, a falta de informação adequada e as dificuldades para agendar e chegar aos locais de exame contribuem para a baixa adesão ao rastreamento. Dessa forma, a mera existência dos aparelhos não garante que a população mais vulnerável consiga realizar o procedimento essencial.
A Importância Crucial da Detecção Precoce
Com a estimativa do Instituto Nacional do Câncer (INCA) de mais de 73 mil novos diagnósticos de câncer de mama anualmente no Brasil, a detecção precoce assume um papel vital. Em setembro, o Ministério da Saúde ampliou as diretrizes de rastreamento, agora recomendando que mulheres entre 40 e 49 anos, mesmo sem sintomas, realizem mamografias regulares.
Conforme Ivie Braga de Paula, a eficácia na redução da mortalidade está diretamente ligada à descoberta do tumor antes do aparecimento de sintomas clínicos. Quanto menor o tamanho do tumor, melhores são as opções de tratamento e maiores as chances de cura. Portanto, a mamografia é a ferramenta primordial para identificar esses tumores em estágios iniciais.
Em conclusão, a especialista ressalta que um câncer de mama diagnosticado com menos de 1 centímetro oferece uma chance de cura de 95% em cinco anos, independentemente de sua agressividade. Esses tumores, detectáveis apenas pela mamografia, sublinham a importância de que mulheres saudáveis, e não apenas aquelas com sintomas, procurem ativamente esse exame preventivo.