A Câmara dos Deputados agendou uma audiência pública para 3 de setembro, visando debater a proposta de reforma administrativa. Entretanto, a iniciativa já gera apreensão entre os servidores públicos, que expressam temores sobre possíveis retrocessos, especialmente em relação ao aumento de contratações temporárias no funcionalismo e o potencial impacto na estabilidade de seus cargos.
O Debate em Torno da Reforma Administrativa
A agenda da reforma administrativa, inicialmente pautada pelo governo anterior através da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32 de 2020, ganhou prioridade neste segundo semestre na Câmara. Todavia, em vez de seguir com a PEC 32, o atual presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), instituiu um grupo de trabalho. O relator desse grupo, deputado Pedro Paulo (MDB-RJ), ainda não apresentou os dois projetos de lei e a Proposta de Emenda à Constituição que devem consolidar a nova reforma, mas estima-se que os textos serão divulgados a partir da próxima semana.
Este tema, por conseguinte, é bastante controverso, dividindo opiniões. De um lado, há setores que reivindicam a redução dos gastos públicos e uma maior eficiência do funcionalismo. Por outro lado, servidores públicos e movimentos sociais alertam que muitas das alterações propostas podem representar retrocessos significativos, fragilizando, em última análise, a prestação de serviços públicos essenciais. O relator Pedro Paulo, todavia, garante que o fim da estabilidade do servidor público — uma medida anteriormente prevista na PEC 32 — não fará parte da nova reforma e também nega que a proposta retire direitos dos servidores.
Preocupações com Contratos Temporários e Estabilidade
O diretor do Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior (Andes), Diego Marques, aponta a criação de um cadastro nacional para a contratação de funcionários temporários como um dos principais retrocessos. Para ele, essa medida representa um risco direto à estabilidade do servidor público. Mesmo que a legislação não contenha um dispositivo explícito que viole a estabilidade dos servidores em atividade, Diego Marques afirma que, na prática, a tendência é que vastas áreas do serviço público deixem de realizar concursos com estabilidade.
Ademais, Diego argumenta que, ao regulamentar o contrato temporário em lei, com a figura do empregado contratado via Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), haverá o que ele chama de fim “indireto” da estabilidade. Isso aconteceria pela substituição gradual de servidores concursados por empregados temporários, por meio da naturalização desses contratos como uma ferramenta de gestão do Estado, facilitada pelo mencionado cadastro. Vale ressaltar que a estabilidade no serviço público impede a demissão sem causa fundamentada e sem um processo administrativo que garanta amplo direito de defesa. Esta regra é considerada crucial, uma vez que impede interferências políticas e pressões indevidas na prestação dos serviços públicos.
Em complemento às suas críticas, o dirigente da Andes acrescentou que o relator ainda não estabeleceu diálogo com as entidades que representam os servidores. “Não há diálogo”, enfatizou Diego. “O deputado ouviu representantes, não apenas do Congresso, mas de entidades patronais para pensar a reforma. Porém, não houve interlocução com as entidades de servidores públicos”, concluiu.
A Busca por Eficiência e as Medidas Propostas
Ao mesmo tempo, os defensores da reforma argumentam que seu principal objetivo é conferir maior eficiência ao serviço público. Isso seria alcançado, sobretudo, por meio da digitalização dos serviços e da implementação de critérios mais rigorosos de avaliação de desempenho dos servidores. O presidente da Câmara, Hugo Motta, tem reiterado a urgência do tema, defendendo que não pode ser mais postergado. “O Brasil precisa de coragem para enfrentar suas verdades. E uma delas é inescapável: o Estado brasileiro não está funcionando na velocidade da sociedade. A cada dia, a vida real cobra mais do que a máquina pública consegue entregar. E quando o Estado falha, é o cidadão quem paga a conta”, declarou Motta em uma rede social.
Apesar de ainda não ter apresentado o texto final, o deputado Pedro Paulo tem concedido entrevistas, nas quais divulgou algumas das cerca de 70 medidas previstas. Ele reconhece que a reforma trará economia de recursos, mas nega que a questão fiscal seja o objetivo primordial das mudanças. Entre as medidas destacadas pelo relator, encontram-se dispositivos para combater os chamados “supersalários”; para limitar o trabalho remoto a um dia por semana; fixar em 30 dias o período de férias anuais (atualmente, juízes gozam de 60 dias); e o fim da aposentadoria compulsória para magistrados que forem expulsos do serviço por irregularidades.
Além disso, o relator defende o estabelecimento de regras gerais nacionais para a avaliação de desempenho de servidores, bem como a definição de metas de produtividade e o pagamento de bônus por resultados. A proposta inclui, ainda, uma análise mais rigorosa para a avaliação durante o estágio probatório e regras gerais para a realização de concursos, com a previsão de que vagas do Concurso Nacional Unificado (CNU) possam ser válidas também para estados e municípios. Há, por fim, a previsão de estabelecimento de, no mínimo, 20 níveis na carreira das categorias, e um salário de ingresso limitado a aproximadamente metade daquele recebido ao final da carreira. “A reforma administrativa vem para cortar privilégios e modernizar o Estado, com foco em mérito e eficiência”, justificou Pedro Paulo em uma rede social.
Críticas Sindicais e Mobilização Contra a Reforma
Diego Marques, dirigente sindical do Andes, pondera que o relator tem optado por destacar as medidas de maior aceitação social, buscando, assim, conquistar a opinião pública. “Elas visam ganhar apoio da sociedade sem fazer o debate de todos os outros fenômenos discutidos na reforma”, assegurou. Marques ressaltou que, na verdade, menos de 0,23% dos servidores recebem os chamados “supersalários”, que estão concentrados, sobretudo, na magistratura. O representante dos docentes destacou, ainda, que as organizações do Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais (Fonasefe) avaliam que diversos princípios da Proposta de Emenda Constitucional 32 do governo anterior sobreviveram no atual grupo de trabalho, criado sob a presidência de Hugo Motta.
Outra crítica significativa diz respeito à proposta de um sistema unificado de avaliação de desempenho. Diego Marques avalia que tal sistema ignora as peculiaridades de cada autarquia e submeterá os servidores a critérios produtivistas que precarizam o serviço prestado à população. Em adição, ele critica o bônus de produtividade que, em sua análise, tenderá a achatar a massa salarial do funcionalismo público e, concomitantemente, piorar a qualidade do serviço, em detrimento de critérios quantitativos de avaliação. “A maioria absoluta dos servidores ganha menos do que 10 salários mínimos. Converter uma parte da remuneração dos servidores em bônus de resultado, na prática, vai tornar o atendimento à população mais precário. As fiscalizações ambientais, por exemplo, serão mais precárias para atender critérios quantitativos”, completou.
Diante desse cenário, os servidores reunidos na Fonasefe e na Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (CondSef) prometem realizar uma agenda intensa de mobilização nas próximas semanas. Essas ações acontecerão em Brasília e nos estados, com o objetivo de expressar sua oposição à reforma administrativa.