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Brics ignora ameaças de Trump e avança com comércio em moedas locais

**Comércio Brics moedas locais**

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Em um cenário global de tensões geopolíticas, o grupo Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), juntamente com seus novos membros, parece determinado a aprofundar a cooperação comercial em moedas locais, desafiando, assim, a hegemonia do dólar americano. Apesar das recentes ameaças do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, especialistas avaliam que os países do Brics devem seguir adiante com a estratégia de priorizar suas moedas em transações comerciais, buscando, dessa forma, maior autonomia financeira.

Brics Mantém Rota de Comércio em Moedas Locais Apesar de Ameaças

Após a divulgação da “Declaração do Rio de Janeiro”, documento que expressa o desejo dos membros do Brics por uma ordem global mais justa, Donald Trump utilizou suas redes sociais para ameaçar com tarifas adicionais os países que se alinhassem ao bloco, atualmente composto por 11 nações. Contudo, essa postura não deve impedir o avanço do Brics em direção a um sistema de comércio menos dependente do dólar, conforme análise de especialistas.

Especialistas Analisam Impacto das Ameaças de Trump

Luiz Belluzzo, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), argumenta que as ameaças de Trump dificilmente surtirão o efeito desejado. Ele ressalta que os países já sentem os impactos negativos da dependência do dólar, moeda base do comércio global, e suas constantes flutuações, buscando, portanto, alternativas para proteger suas economias. Além disso, Belluzzo destaca que as negociações bilaterais que priorizam as moedas locais já estão em andamento e tendem a se fortalecer.

Segundo Belluzzo, o objetivo dos países do Brics não é criar uma moeda que rivalize com o dólar como reserva de valor. Em vez disso, eles buscam estabelecer relações comerciais utilizando suas próprias moedas, por meio de acordos bilaterais que não estejam sujeitos às oscilações e imposições do dólar.

Antonio Jorge Ramalho da Rocha, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), compartilha da mesma visão, afirmando que as declarações de Trump não devem ter um impacto significativo, pelo menos por ora. Rocha critica a postura do ex-presidente americano, argumentando que suas ameaças e a criação de desconfianças não contribuem para a solução dos problemas globais. Ao contrário, estimulam os demais países a buscarem alternativas que reduzam sua dependência dos Estados Unidos.

Aceleração da Busca por Alternativas ao Dólar

De acordo com Rocha, as atitudes de Trump podem, inclusive, acelerar a busca por alternativas ao dólar. Ele lembra que a discussão sobre o uso de moedas locais e arranjos monetários contingentes dentro do Brics é um tema antigo, que visa, sobretudo, reduzir os custos de transação. Embora não se vislumbre uma “desdolarização” completa, a redução gradual do uso do dólar como moeda de troca e reserva de valor já está em curso, impulsionada pelas incertezas em relação à economia dos EUA. Nesse sentido, outras moedas, como o euro, e arranjos baseados em moedas digitais de bancos centrais ganham espaço no cenário internacional.

Proteção e Resiliência Através de Sistemas de Pagamentos Nacionais

O diretor-executivo do Brasil no Fundo Monetário Internacional (FMI), André Roncaglia, defende a importância de se estabelecer relações bilaterais entre os sistemas de pagamentos nacionais. Para Roncaglia, a criação de uma infraestrutura monetária que permita aos países reduzir os custos de transação nas operações comerciais é fundamental. Além disso, ele acredita que essa iniciativa pode proteger os países em caso de crises do dólar ou do euro, oferecendo resiliência em momentos de instabilidade.

Roncaglia explica que, no caso de um choque sistêmico que fragilize a hegemonia do dólar e do euro, a existência dessa infraestrutura permitiria aos países proteger suas economias, evitando a dependência do circuito do dólar em um momento de crise da moeda americana.

Reforma da Governança do FMI e Banco Mundial

Na “Declaração do Rio de Janeiro”, os países do Brics também defenderam a necessidade de aprimorar os procedimentos de gestão do FMI, buscando um processo de seleção mais inclusivo e baseado no mérito, que aumente a diversidade regional e a representação dos países em desenvolvimento e mercados emergentes (PDMEs) na liderança tanto do FMI quanto do Grupo Banco Mundial (GBM), bem como o papel e a participação das mulheres no nível gerencial.

Além disso, os países defendem que, no contexto atual de incerteza e volatilidade, o FMI deve permanecer com recursos adequados e ágil, no centro da Rede de Segurança Financeira Global (RSFG), para apoiar efetivamente seus membros, particularmente os países mais vulneráveis. Segundo Roncaglia, houve um avanço substancial na criação de uma missão compartilhada dos Brics no sentido da reforma de governança desses órgãos, o que, apesar da heterogeneidade dos países, busca encontrar um campo comum de atuação.

Posicionamento do Brics Contra Sanções e Protecionismo

O comunicado final dos países do Brics condenou o uso de medidas como sanções comerciais e elevações unilaterais de tarifas como instrumentos políticos. Apesar de não mencionar diretamente os Estados Unidos ou o governo Donald Trump, o texto expressa a preocupação do bloco com o protecionismo comercial contrário ao direito internacional, que, segundo o documento, prejudica o desenvolvimento de países mais pobres e amplia a desigualdade global.

Avanços na Interoperabilidade dos Sistemas de Pagamentos

O comunicado final dos ministros de Finanças e presidentes dos Bancos Centrais do grupo indica que houve progresso na identificação de possíveis caminhos para a “interoperabilidade” dos sistemas de pagamentos dos países membros. Os países avançaram em reconhecer formas de estimular as transações em moedas locais dos membros do Brics e de reduzir custos nas operações. As negociações continuarão no segundo semestre, antes que a Índia assuma o comando do Brics, em 1º de janeiro de 2026.

A Relevância do Brics no Cenário Global

O Brics, que agora reúne 11 países membros permanentes, representa uma força significativa na economia mundial, respondendo por 39% do Produto Interno Bruto (PIB) global, 48,5% da população mundial e 23% do comércio global. Em 2024, os países do Brics foram destino de 36% das exportações brasileiras e origem de 34% das importações do Brasil.

Em conclusão, apesar das ameaças e pressões externas, o Brics demonstra determinação em seguir adiante com a agenda de fortalecimento do comércio em moedas locais e busca por maior autonomia financeira, consolidando-se como um ator relevante na reconfiguração da ordem econômica global.

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