Edição Brasília

Brasil perde R$ 38,8 bilhões anuais com apostas online, aponta estudo

Apostas online e jogos de azar geram perdas anuais de R$ 38,8 bilhões ao Brasil em danos sociais e econômicos, segundo estudo inédito.
perdas apostas online Brasil
Foto: REUTERS/Alexandre Meneghini/Proibida reprodução

O Brasil enfrenta uma perda anual de R$ 38,8 bilhões em decorrência dos danos sociais e econômicos causados pelas apostas online e jogos de azar, popularizados pelas chamadas “bets”. Este valor substancial, revelado em um estudo inédito, abrange uma série de prejuízos para a sociedade, como suicídios, desemprego, custos com saúde e o afastamento de indivíduos do ambiente de trabalho, impactando significativamente o bem-estar e a estrutura socioeconômica do país.

Danos Abrangentes Revelados por Pesquisa Inovadora

Intitulado “A saúde dos brasileiros em jogo”, o estudo divulgado recentemente oferece uma análise aprofundada dos impactos da crescente expansão das plataformas de apostas no Brasil. Para contextualizar a magnitude dessa perda, os R$ 38,8 bilhões estimados representariam, por exemplo, um aumento de 26% no orçamento do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida do ano passado, ou ainda um acréscimo de 23% nos recursos destinados ao Bolsa Família em 2024. Portanto, a quantia demonstra o peso desses danos em relação a importantes políticas públicas nacionais.

Esta pesquisa é fruto de uma colaboração entre organizações sem fins lucrativos focadas na saúde pública, a saber, o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps) e a Umane. Além disso, conta com a participação da Frente Parlamentar Mista para Promoção da Saúde Mental (FPSM), um grupo composto por cerca de 200 parlamentares no Congresso Nacional, o que confere ao trabalho uma relevância institucional considerável.

Detalhes das Perdas Sociais e Financeiras

Os pesquisadores apontam dados preocupantes, revelando que 17,7 milhões de brasileiros participaram de apostas em um período de apenas seis meses. Com base em um levantamento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), estima-se que aproximadamente 12,8 milhões de pessoas estão em situação de risco devido ao envolvimento com jogos. Inspirando-se em um estudo britânico sobre os efeitos do jogo, os autores do relatório projetaram as perdas diretas e indiretas para o Brasil, chegando a números alarmantes em diversas áreas.

Os principais prejuízos detalhados incluem:

  • R$ 17 bilhões relacionados a mortes adicionais por suicídio.
  • R$ 10,4 bilhões por perda de qualidade de vida decorrente da depressão.
  • R$ 3 bilhões em tratamentos médicos para depressão.
  • R$ 2,1 bilhões em gastos com seguro-desemprego.
  • R$ 4,7 bilhões associados a custos de encarceramento por atividades criminais.
  • R$ 1,3 bilhão correspondente à perda de moradia.

É importante ressaltar que, desse total, 78,8% (equivalente a R$ 30,6 bilhões) estão diretamente ligados a custos na área da saúde. Adicionalmente, o documento sublinha que “estudos internacionais recentes demonstram a associação entre o transtorno do jogo e o agravamento de quadros de ansiedade, depressão e risco de suicídio”, utilizando estimativas monetárias para quantificar as perdas em termos de qualidade e duração da vida. Assim sendo, o rápido crescimento do setor de apostas online, impulsionado pela tecnologia, pela falta de regulamentação, pela vasta exposição midiática e pela ausência de políticas públicas estruturadas, já provoca “impactos significativos sobre o endividamento das famílias, o aumento dos casos de transtorno do jogo e o agravamento de quadros de sofrimento mental”, conforme afirmam os pesquisadores.

Arrecadação Versus Custos: Uma Conta que Não Fecha

Os valores movimentados pelas apostas online são expressivos. De acordo com o Banco Central (BC), os brasileiros direcionaram cerca de R$ 240 bilhões para as “bets” em 2024. Surpreendentemente, beneficiários do programa Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões nessas plataformas somente em agosto de 2024, utilizando o sistema de pagamentos Pix. Embora as apostas tenham sido legalizadas no Brasil em 2018 e regulamentadas em 2023, um volume maior de impostos só será recolhido a partir de 2025. Até setembro deste ano, a arrecadação da atividade atingiu R$ 6,8 bilhões, chegando a quase R$ 8 bilhões no mês seguinte. Contudo, essa receita ainda está longe de cobrir os prejuízos.

O relatório salienta que “o contraste entre a arrecadação – ainda que consideremos a projeção anual de R$ 12 bilhões – e o custo anual estimado de R$ 38,8 bilhões revela uma conta que não fecha do ponto de vista do interesse público”. Atualmente, as bets são tributadas em 12% sobre a receita bruta. No Senado, tramita o Projeto de Lei 5473/2025, que propõe duplicar essa alíquota para 24%. Além disso, os apostadores pagam 15% de Imposto de Renda sobre os prêmios recebidos. Os autores do estudo criticam o fato de que apenas 1% do valor arrecadado com as apostas online é direcionado ao Ministério da Saúde, montante que somava R$ 33 milhões até agosto. Mais importante, essa receita não possui vinculação orçamentária específica para o financiamento de ações na Rede de Atenção Psicossocial (Raps), o que prejudica o cuidado em saúde mental oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

A Necessidade Urgente de Redução de Danos

Rebeca Freitas, diretora de Relações Institucionais do Ieps, enfatiza a urgência de uma regulamentação rigorosa e uma fiscalização eficaz, juntamente com a responsabilidade das operadoras, para mitigar os riscos de endividamento, adoecimento e impactos na saúde mental, especialmente entre os grupos mais vulneráveis da população. Ela observa que as apostas online já fazem parte da realidade de milhões de brasileiros; portanto, o foco deve ser na proteção da população. No entanto, o cenário atual mostra o oposto. Consequentemente, conforme declarou à Agência Brasil, “a prática está sendo incentivada por um lobby comercial poderoso, ainda que às custas da saúde do povo brasileiro”.

CPI das Bets e o Impacto Econômico Insignificante

Os danos provocados pelas apostas online foram objeto de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado. A CPI investigou os efeitos das apostas no orçamento familiar, possíveis conexões com o crime organizado e a atuação de influenciadores digitais na promoção dessas atividades. Entretanto, os parlamentares rejeitaram o relatório final, que recomendava o indiciamento de 16 pessoas. Este episódio marcou a primeira vez em uma década que o relatório de uma CPI do Senado foi recusado.

No âmbito econômico, o estudo conclui que a atividade das bets é “irrisória” na geração de empregos e renda. Baseado em dados oficiais do Ministério do Trabalho, o levantamento indica que o setor empregava apenas 1.144 pessoas formalmente. Em termos de renda, os pesquisadores estimam que, para cada R$ 291 de receita obtida pelas empresas, somente R$ 1 se transforma em salário formal. Eles destacam que “enquanto cada trabalhador formal no setor gera cerca de R$ 3 milhões mensais em receitas para as empresas, ele próprio recebe uma fração mínima (0,34%) desse valor”. Além disso, a pesquisa alerta para a alta informalidade: 84% dos trabalhadores do setor não contribuíram para a previdência em 2024, número significativamente superior à média da economia brasileira de 36%, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do IBGE.

Medidas de Prevenção e Sugestões para o Brasil

O dossiê “A saúde dos brasileiros em jogo” examina as medidas implementadas no Reino Unido para prevenção, tratamento e regulação do setor de apostas. Essas incluem a autoexclusão, que permite aos usuários bloquear o acesso a todos os sites licenciados por até cinco anos; restrições rigorosas à publicidade, que não pode sugerir que o jogo é uma solução financeira, ser direcionada a menores ou usar influenciadores com apelo jovem; e a destinação de 50% da arrecadação de impostos das bets para o tratamento de pessoas afetadas.

Diante desse cenário, Rebeca Freitas do Ieps, considerando que “uma vez que a proibição ainda não está em pauta”, propõe cinco caminhos para mitigar os danos das apostas no Brasil:

  1. Aumentar a porcentagem da taxação das apostas online destinada à saúde.
  2. Capacitar profissionais de saúde para oferecer acolhimento no SUS.
  3. Proibir propagandas e lançar campanhas nacionais de conscientização.
  4. Restringir o acesso, especialmente para pessoas com perfil de risco e menores de idade.
  5. Implementar regras mais severas para as empresas de apostas, visando retorno financeiro ao país, inibindo a corrupção e viabilizando políticas públicas de monitoramento.

Em suma, Rebeca Freitas argumenta que “se o Estado entende que a legalização é um caminho sem volta, ele precisa mitigar os danos causados pelas empresas de apostas e assegurar mecanismos sólidos de redução de danos”.

A Posição da Indústria: Contra o Aumento de Impostos

Por outro lado, o Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), fundado em 2023 e representando cerca de 75% do mercado brasileiro de apostas, manifesta-se contrário ao aumento da tributação. Segundo o IBJR, tal medida “pode acabar fortalecendo o mercado clandestino”. A entidade alega que “a oferta legal limitada, impulsionada pela tributação excessiva, fragiliza o setor. Esse desequilíbrio aumenta o risco de operadores licenciados migrarem para o ambiente ilegal, comprometendo tanto a competitividade do mercado regulado, quanto a arrecadação governamental prevista”. De acordo com o IBJR, mais de 51% das apostas virtuais no Brasil já operam na clandestinidade, uma questão que, para o instituto, seria agravada por uma maior carga tributária.