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Brasil: 9 em cada 10 mulheres já sofreram violência noturna

Nove em cada dez mulheres brasileiras já sofreram violência ao se deslocar à noite para lazer, com destaque para assédio e estupro.
Violência noturna mulheres
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Uma pesquisa recente revelou que a vasta maioria das mulheres brasileiras, precisamente nove em cada dez, já enfrentou alguma forma de violência durante deslocamentos noturnos para atividades de lazer. Os incidentes mais comuns incluem assédio e estupro, evidenciando um cenário alarmante de insegurança que afeta profundamente a vida social e a liberdade feminina no país.

A Realidade da Insegurança Noturna

Este cenário preocupante é detalhado em um novo relatório, fruto da colaboração entre o Instituto Patrícia Galvão, o Locomotiva e a Uber. O estudo aponta que a maioria das vítimas de violência noturna sofreu episódios de natureza sexual, abrangendo desde cantadas indesejadas até importunação e assédio sexual. Além disso, os dados são ainda mais chocantes quando se observa que pelo menos 10% das entrevistadas tiveram seus percursos de lazer – como idas a bares, restaurantes, baladas ou eventos culturais – resultando em estupro. Este índice, surpreendentemente, dobra entre mulheres da comunidade LGBTQIA+, sublinhando uma vulnerabilidade acentuada nesta parcela da população.

Agressões e Vulnerabilidades Ampliadas

O relatório também destaca que o receio de quase a totalidade (98%) das brasileiras em vivenciar situações semelhantes não é sem fundamento. A pesquisa demonstra que a severidade das agressões pode escalar, especialmente quando fatores interseccionais como perfil étnico-racial ou orientação sexual se somam à identidade de gênero feminina. Por exemplo, 72% das mulheres relataram já ter sido alvo de olhares insistentes e flertes indesejados. Contudo, essa proporção sobe para 78% entre mulheres jovens, na faixa etária de 18 a 34 anos.

As mulheres pretas, especificamente aquelas com pele retinta, enfrentam uma opressão ainda maior em múltiplos contextos. O levantamento evidenciou que, em casos de importunação sexual, assédio, agressões físicas, estupros e racismo, a porcentagem de mulheres pretas vitimadas foi consistentemente superior. Paralelamente, 34% das entrevistadas foram vítimas de assalto, furto ou sequestro relâmpago. Adicionalmente, quase um quarto delas (24%) sofreu alguma forma de discriminação ou preconceito não relacionado à etnia, com um aumento significativo para 48% entre as mulheres da comunidade LGBTQIA+, que veem seus direitos violados com ainda mais frequência.

O Impacto da Escolha do Transporte

Um aspecto crucial abordado pelo estudo refere-se à suscetibilidade à violência de acordo com o meio de transporte. As mulheres se mostram mais vulneráveis ao se deslocar a pé, com 73% das ocorrências, ou de ônibus, com 53%. Embora em menor grau, a probabilidade de sofrer violência ainda existe em outros modais: 18% em carro particular, 18% em carro de aplicativo, 16% em metrô, 13% em trem, 11% com motorista particular, 11% de bicicleta, 10% em motocicleta de aplicativo e 9% em táxi. Consequentemente, o critério primordial para a escolha do transporte é a segurança, citado por 58% das mulheres, seguido pelo conforto (12%) e praticidade (10%).

Consequências e Estratégias de Autoproteção

As experiências traumáticas explicam por que uma parcela expressiva das mulheres, 63% do total e 66% no grupo de mulheres negras (pretas e pardas), que possuem o hábito de lazer noturno, já desistiu de sair de casa em algum momento, motivadas pela sensação de insegurança. Não apenas foram vítimas diretas, mas também testemunharam atos de violência de gênero. A pesquisa apurou que 42% delas presenciaram agressões contra outras mulheres, e pouco mais da metade, 54%, prestou algum tipo de auxílio.

Entretanto, o suporte às vítimas é uma realidade mista. Seis em cada dez vítimas (58%) foram acolhidas por conhecidos, estranhos ou funcionários de estabelecimentos. Posteriormente, metade delas (53%) optou por retornar para casa após o incidente. Apenas uma minoria de 17% procurou as autoridades policiais, seja indo a uma delegacia ou solicitando uma viatura no local da ocorrência. Uma fração ainda menor contatou a Central de Atendimento à Mulher.

Diante deste cenário, as mulheres têm adotado diversas táticas para tentar reduzir sua vulnerabilidade. A maioria (91%) informa a pessoas de confiança sobre seus destinos e horários de retorno. Da mesma forma, 89% evitam transitar por locais desertos ou escuros, e outros 89% buscam companhia em seus trajetos de ida e volta. Uma parcela significativa, 78%, evita usar certos tipos de roupas ou acessórios, e 58% chegam a levar peças de roupa que cobrem mais o corpo como estratégia de proteção.

A Metodologia do Estudo

Para coletar os dados que fundamentam este relatório, os pesquisadores utilizaram formulários preenchidos por um total de 1.200 mulheres. As participantes tinham idade entre 18 e 59 anos, e a coleta das informações foi realizada em meados de setembro do ano corrente. Esta base sólida de dados permite uma compreensão aprofundada das complexidades da violência noturna vivenciada pelas mulheres no Brasil.