Bônus impulsiona reciclagem e combate à pobreza na Amazônia
Em Manaus, a vida de Cacilda Soares Viana, 55 anos, é um exemplo de superação e resiliência. Sua trajetória, marcada pela violência doméstica e pela luta pela sobrevivência de seus três filhos, se entrelaça com a história da reciclagem na região amazônica. Por anos, o sustento de sua família veio do lixo, do trabalho árduo na coleta de materiais recicláveis em um lixão. “Eu trabalhava no lixão, buscando latas para sustentar meus filhos”, relatou Cacilda à Agência Brasil, com os olhos marejados, mas com orgulho evidente em sua voz. “O lixo me deu uma vida digna, e até hoje eu estou aqui.”
Sua vida tomou um novo rumo em 2005, quando a Prefeitura de Manaus a convidou, juntamente com outros catadores, para participar de um projeto de educação ambiental. Desse projeto nasceu a Associação de Catadores de Materiais Recicláveis (Ascarman), atualmente presidida por Cacilda. “Com a associação, mudou muito. Não tínhamos mais os riscos do lixão, nem os roubos. O salário melhorou, minha vida mudou, a vida dos meus filhos, de tudo mudou. Quem imaginaria que eu, do lixão, conseguiria comprar um carro numa concessionária?”, comemorou ela.
O impacto da Ascarman na vida das famílias
Andreia Soares, filha de Cacilda, testemunha o transformador impacto da Ascarman. Ela mesma enfrentou dificuldades, mas conseguiu se formar em Letras e fazer uma pós-graduação, tornando-se secretária-geral da associação. “A Ascarman é uma associação de catadores que sobrevivem da catação e da triagem de resíduos. Minha mãe foi vítima de violência doméstica, e foi através da catação e da coleta seletiva que ela se libertou e encontrou sua voz”, explicou Andreia à Agência Brasil. Ela enfatiza o empoderamento que a mãe encontrou no trabalho coletivo e o papel da Ascarman na criação de um ambiente seguro e lucrativo.
Além de Andreia e Cacilda, Antonia Alves de Freitas, 40 anos, também faz parte da equipe da Ascarman. Trabalhando desde a fundação da associação, Antonia sustenta sete filhos com a renda obtida da coleta e separação dos materiais recicláveis. “Desde então, sustento minha família. Acordamos cedo e passamos o dia na associação. Chega papelão, pet e todo tipo de lixo, que nós separamos para a reciclagem”, explicou Antonia, destacando a importância do trabalho para sua vida e para o meio ambiente. “Meu trabalho é importante para o meio ambiente. Gosto muito do que eu faço”, ressaltou ela.
Um novo estímulo: bônus por reciclagem
Entretanto, o trabalho da Ascarman ganhou um novo impulso com uma parceria inédita na região Norte. Em conjunto com a Plastic Bank, uma fintech social, e a Lord, empresa de embalagens plásticas, um projeto foi lançado para incentivar a reciclagem de plástico e combater a poluição dos rios da Amazônia. A iniciativa, já implementada em outras regiões do país, oferece bônus aos catadores por quilo de plástico entregue para reciclagem, com potencial de aumento de renda de até 30%. Essa é a primeira operação do tipo voltada para catadores da região, com todas as transações registradas em uma plataforma blockchain, garantindo rastreabilidade, segurança e transparência.
Segundo Ricardo Araújo, diretor de operações da Plastic Bank Brasil, a meta até dezembro é coletar 3 milhões de garrafas, quintuplicando este número até 2030. “Monetizamos quem trabalha com reciclagem, pois o catador é o elo principal. Sem ele, a reciclagem não funciona. Incentivamos através do pagamento de bônus”, explicou Araújo. Ele destacou a importância da rastreabilidade via blockchain para integrar a economia circular, valorizar o trabalho dos catadores e gerar impacto ambiental positivo.
O impacto ambiental e social do projeto
Por outro lado, a iniciativa também visa um impacto social significativo. Além do bônus, projetos de inclusão digital e capacitação são oferecidos aos catadores. “A ideia é gerar benefício ambiental e social, pois o bônus gera um incremento de renda, incentivando a coleta de mais plástico”, explicou Araújo. Patrícia Azevedo da Cruz, supervisora de ESG da Lord Brasil, reforça a responsabilidade da indústria em buscar soluções sustentáveis. “A gente sabe do impacto ambiental que todas as indústrias têm e precisamos fazer mais. A indústria tem a faca e o queijo na mão, e sabemos da nossa responsabilidade”, afirmou.
O plástico, por sua versatilidade e baixo custo, é amplamente utilizado, mas sua durabilidade é problemática. Sua degradação leva séculos, contaminando solo, água e atmosfera, afetando a saúde humana e animal. “Se você descartar incorretamente o plástico, a natureza levará centenas de anos para absorvê-lo; esse é um problema urgente”, alertou Araújo. O bônus pago aos catadores se soma ao valor de mercado do plástico, incentivando a coleta e a reciclagem.
A conscientização e o futuro da reciclagem em Manaus
Ronaldo Soares, catador da Ascarman, explica que quase todo o material plástico pode ser reciclado, exceto os rótulos. “A gente vende para a empresa para o tratamento desses dejetos. Se não coletássemos, iria tudo para o aterro, ou para os igarapés e rios. Coletando o plástico, já geramos um impacto positivo na natureza”, disse ele, destacando a importância da educação ambiental, que se estende de sua casa para a comunidade. “Lá em casa, separamos o lixo orgânico do reciclável. A população precisa se conscientizar da importância da separação.” A parceria com a Plastic Bank e a Lord, segundo Soares, representa um grande incentivo para a continuidade deste trabalho.
Em conclusão, o projeto em Manaus demonstra como a inovação e a parceria público-privada podem contribuir para a resolução de problemas sociais e ambientais complexos. No ano da COP30, em Belém, a iniciativa destaca a importância da gestão adequada de resíduos, considerando que apenas 58,5% dos resíduos sólidos urbanos no Brasil tiveram destinação ambientalmente adequada em 2023, segundo a Abrema. Em Manaus, a prefeitura busca reduzir a poluição dos rios com a instalação de ecobarreiras, mas a iniciativa com a Ascarman representa um passo significativo na conscientização e na inclusão social, transformando o lixo em oportunidade e contribuindo para um futuro mais sustentável na Amazônia.