Bianca Borges, uma estudante de Letras de 25 anos proveniente do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), foi recentemente eleita como a nova presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). A jovem, natural de Itapevi e criada na Praia Grande, no litoral paulista, assumirá a liderança do movimento estudantil brasileiro pelos próximos dois anos. Sua eleição ocorreu com uma expressiva maioria de 82,62% dos votos durante o congresso da entidade, conhecido como Conune, que reuniu mais de 10 mil universitários de todo o país em Goiânia no último fim de semana. Consequentemente, Borges liderará uma mobilização nacional em defesa da soberania, que terá início em 1º de agosto, como resposta às tarifas impostas pelos Estados Unidos.
Cenário Político e as Novas Tarifas Americanas
A renovação na cúpula da maior entidade estudantil da América Latina acontece em um momento crucial para o Brasil. Atualmente, o país enfrenta uma instabilidade sem precedentes em suas relações com os Estados Unidos, especialmente após o presidente norte-americano, Donald Trump, anunciar a aplicação de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros exportados. Além disso, essa medida protecionista está prevista para entrar em vigor na próxima sexta-feira, dia 1º de agosto. Nesse mesmo dia, a UNE, por sua vez, planeja iniciar uma série de mobilizações de rua em diversas cidades, visando proteger a soberania nacional.
Nesse contexto, Bianca Borges, em entrevista à Agência Brasil, enfatizou a importância da resposta estudantil. “A UNE surgiu em 1937, durante a luta contra o nazifascismo, para posicionar o Brasil na vanguarda do combate aos países do Eixo. Portanto, agora que nossa nação está sendo abertamente atacada e sabotada pela extrema-direita, nossa postura não poderia ser diferente”, pontuou a nova presidente. Adicionalmente, ela destacou que a defesa da soberania nacional emerge como a principal bandeira do momento. “Como poderemos construir o projeto de educação que almejamos, ou conceber a reforma universitária popular, enquanto nosso país estiver subjugado por nações estrangeiras? Assim, elevamos a defesa da soberania e, ao final do congresso, convocamos o dia 1º de agosto, data de início do tarifaço, para um dia de ações em todo o Brasil como forma de reação”, acrescentou.
A Justificativa de Trump e a Unidade do Movimento
O presidente Trump, ao justificar as tarifas, citou o ex-presidente Jair Bolsonaro, que é réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado. Ademais, em uma carta enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 9 de julho, o líder estadunidense exigiu anistia para Bolsonaro, uma prerrogativa que sequer está ao alcance do presidente brasileiro, que não exerce comando sobre o Poder Judiciário. Para Bianca Borges, esse tipo de articulação, segundo ela um “complô”, deve ser denunciado e veementemente repudiado pela sociedade civil brasileira. A nova presidente da UNE argumenta que o “tarifaço” tem o potencial de prejudicar principalmente os trabalhadores do país. “Portanto, o congresso da UNE desmascarou esse falso patriotismo da extrema-direita, e precisamos levar essa indignação às ruas”, disse. Espera-se que a Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo, que englobam dezenas de outras organizações e movimentos sociais, unam-se às manifestações.
A eleição da nova diretoria da UNE, que congrega cerca de 90 representantes, simboliza uma unidade histórica no movimento estudantil. A chapa de Bianca Borges, que representa a ala majoritária da entidade, foi consagrada com 82,62% dos votos sob o lema “Unidade e coragem em defesa do Brasil: estudantes nas ruas para derrotar a extrema direita, taxar os super-ricos e investir na educação”. Este segmento agrega representações partidárias de espectros diversos, como PCdoB, PT, PSB, PDT e PSOL. “Temos, por exemplo, setores do PSOL integrando nossa chapa, e também todas as juventudes do PT, tudo pela primeira vez. O Conune, por conseguinte, veio com um forte chamado à aliança”, observou Borges. A chapa 2, “Oposição Unificada e independente para mudar a UNE: Em defesa do orçamento e da educação”, obteve 17,23% dos votos. A chapa 1, “Intifada – Construir uma oposição de esquerda ao governo na UNE para enfrentar a extrema direita, o arcabouço fiscal e a 6×1”, retirou sua candidatura antes do pleito.
Evasão no Ensino Superior e o Orçamento da Educação
Um dos temas centrais abordados durante o Conune foi a premente necessidade de políticas de assistência estudantil para garantir a permanência de estudantes e, consequentemente, combater a crescente evasão nas universidades. Dados recentes do Censo da Educação Superior de 2023, produzidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão ligado ao Ministério da Educação (MEC), revelaram uma taxa de evasão acumulada de 53% em instituições públicas e de 61% em faculdades privadas. Mais preocupante, a taxa de desistência acumulada em cursos de licenciatura atingiu 58% em 2022, o índice mais elevado da última década.
Diante desse cenário, Bianca Borges analisou: “Enfrentamos um desafio imenso hoje para a permanência desses estudantes. Os índices de evasão têm crescido significativamente, e não queremos um Brasil onde os filhos da classe trabalhadora sejam compelidos a abandonar o sonho de concluir o ensino superior. Ao contrário, desejamos a universidade no cerne de um projeto de desenvolvimento que não seja apenas econômico e tecnológico, mas também social.”
Durante sua participação no Conune, o presidente Lula sancionou um projeto de lei que destina recursos do Fundo Social para assistência estudantil, com foco em alunos que ingressaram por ações afirmativas nas instituições federais de ensino superior e de educação profissional e tecnológica. Anteriormente, no início do ano, o governo federal já havia lançado o programa Pé de Meia Licenciaturas, uma bolsa mensal de R$ 1.050 para estudantes de graduação em cursos de licenciatura via Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Entretanto, apesar dessas iniciativas, a UNE considera que os recursos para a educação continuam insuficientes e que é imperativo ir além, desvinculando o orçamento da educação dos limites impostos pelas regras do arcabouço fiscal, que restringe o crescimento dos investimentos públicos. “Defendemos, como necessidade imediata, a retirada da educação do arcabouço fiscal e, em um horizonte mais amplo, o fim do próprio arcabouço. Em suma, a educação e tantos outros direitos sociais não podem ser reféns de uma regra fiscal que, na verdade, só subtrai de quem mais precisa”, criticou a nova presidente da entidade.
Liderança Feminina e Tragédia no Congresso
Nos últimos 15 anos, a UNE tem se destacado pelo protagonismo feminino em sua liderança. Das últimas sete presidências, seis foram ocupadas por mulheres, e agora Bianca Borges se soma a essa lista. “O acesso das mulheres ao ensino superior no Brasil é historicamente recente, mas demonstramos que chegamos para ficar. Romper as barreiras de gênero que nos são impostas nos auxilia a avançar, criando, inclusive, lideranças mais acolhedoras para que novas mulheres venham também a ocupar esses espaços”, enfatizou a presidente da UNE.
O último congresso da UNE, infelizmente, também foi marcado por uma tragédia. Um grave acidente de trânsito na rodovia BR-153, em Porangatu, Goiás, envolveu um ônibus, uma carreta e um micro-ônibus na madrugada de 16 de julho. O sinistro resultou na morte de cinco pessoas, sendo três delas estudantes da Universidade Federal do Pará (UFPA) que se dirigiam ao evento em Goiânia. As vítimas fatais entre os estudantes foram Leandro Souza Dias, aluno de farmácia; Ana Letícia Araújo Cordeiro, de pedagogia; e Welfesom Campos Alves, de produção e multimídia. Além deles, faleceram o motorista do micro-ônibus, Ademilson Militão de Oliveira, e o motorista do caminhão, Keyne Laurentino de Oliveira. Adicionalmente, o acidente deixou 70 estudantes feridos. Segundo a UNE, dois deles permanecem internados, enquanto os demais retornaram para casa com o suporte do governo federal.