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Bárbara Paz une enchentes de 1941 e 2024 em filme sobre crise climática

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Foto: Diego Cardoso/Fotografando Bonit

A renomada cineasta Bárbara Paz lançou seu mais recente trabalho, o documentário “Rua do Pescador nº 6”, no Festival de Cinema Sul-Americano de Bonito, o Cinesur, em Mato Grosso do Sul. A produção, exibida no domingo (27), faz um contundente paralelo entre as devastadoras enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul em 1941 e as inundações sem precedentes de 2024, buscando, assim, alertar sobre a urgente e crescente crise climática que o planeta enfrenta.

A Cicatriz de uma Tragédia Recente no Rio Grande do Sul

O documentário de Bárbara Paz mergulha profundamente na calamidade que atingiu o Rio Grande do Sul no ano anterior, com um foco especial na enchente de maio de 2024, a qual se tornou o maior desastre meteorológico da história do estado. A obra começa com uma sequência impactante de imagens em preto e branco, que ilustram a magnitude da destruição: residências submersas, indivíduos isolados em telhados buscando socorro, ruas desaparecidas e animais lutando pela sobrevivência. Posteriormente, o cenário se transforma em uma vasta extensão de lama, lixo e desolação, revelando o árduo processo de reconstrução enfrentado pelas famílias gaúchas.

Para a diretora, a imensa tragédia que se desenrolou em sua terra natal foi o catalisador para a criação do filme. Bárbara Paz, em diálogo com jornalistas após a exibição no Cinesur, expressou que tanto ela quanto sua equipe estavam “em choque com tudo que estava acontecendo”, impulsionando-os a agir. Ela sentiu uma profunda necessidade de “registrar aquilo”, percebendo o filme como um “documento histórico urgente” cuja finalidade é evitar que tais eventos se repitam, apesar da triste constatação de sua recorrência – apenas em 2024, o mundo já registrou 150 desastres climáticos.

Os números da catástrofe de 2024 são alarmantes: as inundações impactaram 478 das 497 cidades gaúchas, afetando diretamente cerca de 2,4 milhões de habitantes. Além disso, a tragédia ceifou a vida de 184 pessoas, deixou 806 feridos e 25 indivíduos ainda permanecem desaparecidos. Por conseguinte, aproximadamente 200 mil gaúchos foram forçados a deixar suas casas, tornando-se desalojados ou desabrigados.

Um Passado Que Ecoa no Presente: A Urgência Climática

O cerne do documentário “Rua do Pescador nº 6” reside na premissa de que a história se repete, e a humanidade ainda falha em encontrar soluções duradouras para a crise climática. A diretora utiliza uma técnica de justaposição visual, contrastando as imagens da calamidade de 2024 com cenas de arquivo das enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul em 1941. Segundo Bárbara Paz, o filme é “um ensaio sobre a tragédia”, e ao observar o material histórico de 1941, ela notou semelhanças impressionantes: “Elas eram iguais. Havia animais em cima dos telhados, pessoas em abrigos, só mudavam as vestimentas e os telhados das casas.”

Nesse sentido, a cineasta argumenta que as imagens funcionam como “um poema sobre o desastre”, uma “costura” que dispensa narrativas verbais, pois a força visual fala por si mesma. Essa justaposição de eventos tão semelhantes, separados por décadas, serve como um poderoso alerta para a necessidade imediata de ações climáticas. Ademais, Bárbara Paz reforça a ideia de que o fenômeno das águas subindo e das florestas queimando é “quase como um prólogo do que pode acontecer”, reiterando a urgência de deixar um registro “potente” para as futuras gerações, dado o incerto futuro do planeta.

A Perspectiva Íntima: De Dentro Para Fora

A abordagem narrativa de “Rua do Pescador nº 6” é notavelmente particular. O documentário se inicia com uma visão aérea da destruição, mas, subsequentemente, a câmera adentra os lares, revelando a lama e a devastação de uma perspectiva mais íntima. O filme prescinde de narração, optando por um “silêncio” que permite à câmera “escutar as vozes marcadas por perdas, memórias e ausências”. Bárbara Paz explicou que desejava criar um filme “de dentro para fora”, sem que os entrevistados precisassem falar diretamente sobre suas dores, mas sim que suas presenças e o ambiente falassem por eles.

O Alerta Global e a Ambição da COP 30

A diretora nutre a esperança de que seu documentário alcance um público vasto, especialmente aqueles em posições de influência que podem catalisar mudanças significativas. Sua aspiração é que “Rua do Pescador nº 6” seja exibido na 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 30, que acontecerá em Belém, no Pará, ainda este ano. Ela enfatiza que o filme é um “documento” vital que “precisa ser visto para que isso não se repita”, destacando a urgência da questão climática como um “micro dentro desse macro”, um zoom sobre uma comunidade específica de Porto Alegre.

Em conclusão, Bárbara Paz adverte que a crise climática é apenas o começo e que ela continuará a se intensificar. Portanto, ela reitera a necessidade imperativa de mais “documentos, retratos, filmes, registros” e, acima de tudo, a discussão contínua e a elevação da urgência deste tema na agenda global.

Cinesur: Um Palco para o Cinema Sul-Americano

O Festival de Cinema Sul-Americano de Bonito, o Cinesur, que acolheu a estreia de “Rua do Pescador nº 6”, prossegue até o dia 2 de agosto na pitoresca cidade turística. O evento destaca-se por exibir 63 filmes provenientes de nove nações da América do Sul, além de promover uma série de debates, seminários e cursos de formação, consolidando-se como um importante polo cultural e de intercâmbio cinematográfico na região.

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