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Bailarina cega Gisele Camillo realiza sonho e voa no palco com a dança

Aos 46 anos, a bailarina cega Gisele Camillo realizou seu sonho de dançar no palco em Curitiba, apresentando-se com a Cia de Ballet de Cegos e seu cão-guia Faísca.
Bailarina cega Gisele Camillo
Foto: Paula Laboissière/Agência Brasil

A bailarina Gisele Camillo, aos 46 anos, realizou um antigo anseio ao brilhar no palco em Curitiba, apresentando-se com a renomada Cia de Ballet de Cegos e seu dedicado cão-guia, Faísca.

A Realização de um Sonho: A Jornada de Gisele

Gisele Camillo, aos 46 anos, transformou um desejo de infância em realidade ao performar como bailarina. Desde cedo, o anseio pela dança pulsava em sua vida, entretanto, a baixa visão, diagnosticada logo após seu nascimento, impôs obstáculos significativos. Ela relembra as tentativas frustradas na infância: “Eu tentava dançar quando era criança em algumas escolas, quando ainda tinha um pouco de visão. Contudo, era preciso disfarçar a condição visual. Se eu mencionasse minha deficiência, ninguém me aceitava. Eu tinha que permanecer sempre perto do professor para seguir os passos. Assim, a vida seguia adiante.”

Posteriormente, aos 38 anos, Gisele perdeu quase completamente a visão devido a um quadro de glaucoma. Atualmente, ela percebe apenas vultos e formas esporadicamente. No entanto, esses detalhes, conforme a própria Gisele, tornam-se irrelevantes quando ela pisa no palco. Ela enfatiza que, no palco, a visão perde a importância. Ela explica: “Quando estou com as outras bailarinas no palco, a questão visual se apaga. Nós nos apoiamos intensamente, comunicamo-nos constantemente. Aprendemos, de fato, a contornar a ausência da visão durante a performance. Hoje em dia, isso já não faz uma grande diferença.”

Faísca: Um Novo Olhar para a Liberdade

Enquanto Gisele executa seus movimentos graciosos, seu companheiro leal, Faísca, um labrador caramelo, aguarda pacientemente. Este cão-guia, que acompanha a bailarina há aproximadamente dois meses, tornou-se um pilar fundamental em sua jornada. Anteriormente, Gisele dependia de uma bengala para orientação. Entretanto, recentemente, ela reuniu coragem e decidiu depositar grande parte de sua autonomia no amigo de quatro patas.

Gisele descreve o período de adaptação com Faísca como um desafio inicial, mas que culminou em profunda satisfação. “Na segunda semana de treinamento, confessei ao instrutor que duvidava da minha capacidade de adaptação. Ele, por sua vez, garantiu que eu estava progredindo bem, apenas estava excessivamente ansiosa. É, sem dúvida, uma adaptação completamente distinta, mas sinto-me extremamente feliz com ele. Faísca é um verdadeiro parceiro. Ele representa a liberdade; ter um cão-guia é como sair voando”, narra ela, enquanto Faísca observa atentamente os ensaios.

A Cia de Ballet de Cegos: Um Projeto Pioneiro

Gisele é integrante da Cia de Ballet de Cegos, um projeto visionário fundado em 1995 pela bailarina Fernanda Bianchini. Bianchini foi pioneira ao desenvolver o primeiro método de ensino de balé clássico adaptado para pessoas com deficiência visual. Atualmente, a companhia abrange cerca de 200 alunos, sendo que aproximadamente 60% deles possuem algum tipo de deficiência visual.

Para Gisele, estar no palco é sinônimo de felicidade e realização. “Sempre alimentei o sonho de ser dançarina, de ser bailarina. No palco, sinto-me completamente livre, como se pudesse voar”, ela compartilha. Ademais, ela reflete sobre as adversidades: “Muitas vezes, recebemos negativas ao longo da vida. Contudo, o aplauso do público se transforma em um retumbante ‘Sim, você é capaz. Sim, você pode’. Cada apresentação no palco me preenche de realização, pois estou dançando exatamente como sempre desejei.”

Superação e Reconhecimento no Palco de Curitiba

Damaris Ferreira, gerente da Associação Fernanda Bianchini, revela que a proposta inicial de ensinar balé a pessoas com deficiência enfrentou considerável ceticismo. “As pessoas diziam: ‘Imagina. Ensinem qualquer outra coisa'”, lembra Damaris. Entretanto, o tempo provou o contrário: “Hoje, presenciamos meninas dançando com sapatilhas de ponta, mesmo sem a visão.”

Ela também enfatiza a transformação na percepção da pessoa com deficiência na sociedade. “Antigamente, a pessoa com deficiência era frequentemente marginalizada, mantida à parte pelas famílias. Hoje, felizmente, esses indivíduos desfrutam de inúmeros direitos e são incentivados a realizar diversas atividades”, afirma. A companhia, por exemplo, já se apresentou ao lado de figuras icônicas como o cantor Stevie Wonder e o renomado coreógrafo Mikhail Baryshnikov.

A mais recente apresentação da Cia de Ballet de Cegos ocorreu durante o 69º Congresso Brasileiro de Oftalmologia, que foi concluído no sábado anterior em Curitiba. O grupo de Gisele encantou a plateia com duas coreografias. Damaris Ferreira concluiu, explicando o significado da participação: “Como este evento se dedica à reabilitação ocular e possui um foco social na pessoa com deficiência visual, nossa presença aqui foi uma celebração para demonstrar que a pessoa com deficiência pode, sim, estar e fazer o que desejar. Não existem limites.”

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