Exportadores brasileiros enfrentam um cenário de crescente incerteza com a implementação de novas tarifas de importação pelos Estados Unidos. A partir desta quarta-feira, milhares de itens produzidos no Brasil, totalizando mais de três mil produtos, estarão sujeitos a sobretaxas, o que impulsiona as empresas nacionais a buscarem ativamente novos mercados e o suporte de órgãos governamentais e instituições de apoio.
Impacto Imediato e Busca por Novas Rotas Comerciais
O impacto dessas tarifas adicionais ainda se manifesta gradualmente, gerando apreensão tanto entre trabalhadores quanto empresários envolvidos com os setores afetados. Como resposta imediata, diversas estratégias vêm sendo adotadas, incluindo a gestão de estoques, o aceleramento de embarques e, em alguns casos, a redução da produção. No entanto, uma solução de longo prazo que se apresenta como caminho prioritário é a exploração de novos destinos para as mercadorias brasileiras. Entretanto, a diversificação de mercados exportadores não oferece resultados imediatos; pelo contrário, exige preparações específicas e um planejamento cuidadoso.
Apoio Governamental e Institucional à Diversificação
Nesse desafio de explorar novos mercados, as empresas contam com um robusto ecossistema de apoio público-privado. Este engloba importantes ministérios como o do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e o da Agricultura e Pecuária (MAPA), além de instituições chave como a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), o SEBRAE, associações comerciais e outras entidades de fomento ao comércio exterior. Essa rede atua de forma coordenada para mitigar os efeitos das tarifas e facilitar a transição para outros mercados.
Estratégias da ApexBrasil Diante do Novo Cenário
Conforme destacou Jorge Viana, presidente da ApexBrasil, em coletiva recente, a colaboração entre essas entidades é fundamental. A agência já presta suporte a 2,6 mil das 9 mil empresas brasileiras que atualmente exportam para os Estados Unidos. Segundo Viana, as mudanças são irreversíveis, e as novas estratégias empresariais se tornarão permanentes. Ele ressaltou a urgência de apoiar setores como o de produtores de mel, cujas exportações são quase que exclusivamente destinadas aos EUA. “Setores como o de produtores de mel precisarão receber apoio urgente pois o único destino de exportação destes pequenos agricultores hoje são os Estados Unidos. Vamos incluí-los em todas as políticas de apoio”, afirmou Viana.
Ademais, o presidente da ApexBrasil indicou que um programa de apoio, possivelmente semelhante ao implementado para as empresas afetadas pelas enchentes no Rio Grande do Sul em 2024, será anunciado em breve pela Presidência da República. Paralelamente, a ApexBrasil planeja a abertura de um escritório em Washington, buscando negociar diretamente com o governo americano. Essa iniciativa complementa os esforços dos serviços consulares brasileiros e a pressão exercida pelas próprias empresas locais. De acordo com Viana, a tarifa de 50% carece de motivação comercial, sendo motivada por grupos políticos. A expectativa é que, ao impactar os consumidores americanos, a situação possa ser reavaliada. “Essa tarifa de 50% não tem nenhuma motivação comercial, ela vem da atuação de grupos políticos. O que espero que aconteça é que, com a entrada das tarifas, essa taxação se materializa e afete o consumidor lá. Aí é que entra a Apex no trabalho de criar novas alternativas de mercados, para as empresas e produtos brasileiros que tenham os Estados Unidos como mercado”, explicou. Viana ainda enfatizou que a forte integração das cadeias produtivas pode ser um ponto favorável nas negociações, e que a agência intensificará sua atuação na diversificação de fornecedores, contando com o conhecimento dos setores, pois “o mundo inteiro está fazendo isso, percebendo a instabilidade com essas medidas.”
Panorama das Exportações Brasileiras
Dados divulgados pela ApexBrasil revelam que, entre janeiro e março deste ano, as exportações brasileiras totalizaram US$ 77,3 bilhões, um valor ligeiramente inferior aos US$ 77,7 bilhões registrados no mesmo período de 2024. Apesar da leve retração, a balança comercial do país manteve um superávit positivo de US$ 10 bilhões. Os principais produtos exportados neste período incluíram petróleo bruto, soja, minério de ferro e café verde. É notável o crescimento das exportações de bens industrializados, com destaque para itens como máquinas e aparelhos elétricos.
Com efeito, a análise dos principais destinos das exportações brasileiras mostra a China como o maior comprador, com US$ 19,8 bilhões, seguida pela União Europeia (US$ 11,1 bilhões), Estados Unidos (US$ 9,7 bilhões) e Mercosul (US$ 5,8 bilhões), sendo a Argentina um destaque dentro do bloco com um aumento de 51% nas compras de produtos brasileiros.
Diplomacia e a Questão da Concentração de Mercado
O governo brasileiro continua a considerar a via diplomática como uma alternativa para mitigar as tarifas impostas pelos Estados Unidos. A flexibilização anterior do governo Trump, que isentou cerca de 700 produtos de taxação, sinaliza uma possível abertura para negociações. Raphael Jadão, advogado especializado em direito comercial, ressalta a importância de aproveitar essa oportunidade para diversificar as exportações e reduzir a dependência do mercado americano. Para ele, uma abordagem estratégica e diplomática é crucial para minimizar impactos negativos e fortalecer a posição do Brasil no comércio internacional, tornando o diálogo a melhor opção para evitar uma escalada das tensões comerciais.
Além disso, um aspecto crítico dessa situação reside na elevada concentração das parcerias comerciais do Brasil. Analistas apontam que 50% das exportações do país se direcionam a apenas cinco nações (China, EUA, Argentina, Holanda e Espanha), dentre 237 parceiros comerciais. A parcela destinada somente aos Estados Unidos atinge 12%. Bruno Meurer, cofundador e diretor de operações da Next Shipping, empresa de logística, alerta para os riscos dessa dependência. “Isso nos traz um sinal de alerta e de preocupação. Pois como tivemos um desafio com os EUA neste momento, podemos ter daqui a pouco com a China, que representa quase um quarto de tudo que o país envia para o exterior”, ponderou. Meurer exemplifica com o caso da carne bovina, um dos produtos que não foram isentos e que agora enfrentarão uma taxação adicional de 40%, somando 50% a mais em relação ao ano passado. “Aquela empresa, por exemplo, que exporta carne bovina para os Estados Unidos (…) não vai encontrar tão cedo um mercado para comprar a carne que ele não vai mais vender para o americano da noite para o dia. A gente tem uma dependência que traz risco, sim, para a nossa pauta de exportação”, concluiu, evidenciando a dificuldade de substituir mercados rapidamente.
Mercados Alternativos: Desafios e Oportunidades
A incursão em novos mercados demanda uma compreensão aprofundada de elementos culturais, a construção de parcerias comerciais sólidas e a rigorosa conformidade com medidas burocráticas, como as fitossanitárias e as de comprovação de origem. Meurer detalha o processo de exportação: após a negociação e produção da mercadoria, o exportador deve emitir a documentação internacional, como a fatura comercial e o packing list, que são apresentados ao importador. Posteriormente, o importador contrata o frete internacional, e a mercadoria passa pela alfândega para fiscalização aduaneira e registro no Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX). Em algumas cargas, ocorre a fiscalização presencial. Somente após o recolhimento das taxas e a conclusão das inspeções, a mercadoria é liberada para exportação. O tempo desse processo, como resume Meurer, varia conforme o tipo de produto; medicamentos, por exemplo, que exigem anuência de órgãos específicos, demandam mais tempo, enquanto produtos como roupas, sem um órgão de fiscalização dedicado, têm um trâmite mais célere.
Por fim, condições específicas de cada mercado, como a preocupação com certificações ambientais ou culturais, podem se transformar em significativas oportunidades. O Brasil, por exemplo, se destaca como um dos maiores exportadores de aves para países muçulmanos, resultado de mais de uma década de adaptação de sua produção para atender à certificação Halal, que envolve métodos de abate específicos e o respeito aos preceitos religiosos. Stefânia Ladeira, especialista em comércio exterior da Saygo Comex, corrobora essa visão, explicando que a adaptação pode variar muito em tempo e detalhes, dependendo da produção mundial e da capacidade de atender à demanda internacional. “Por exemplo, o Brasil mantém boas relações comerciais com países do Oriente Médio, como Arábia Saudita e Dubai. No entanto, as exportações para essas regiões frequentemente demandam certificação Halal, rotulagem no idioma local, embalagens específicas e, em alguns casos, adaptações no produto, como cortes de carne diferenciados. Essa customização é fundamental para o sucesso nesses mercados”, exemplifica Ladeira. Ela sugere que o setor de pescados, embora os EUA sejam um mercado importante, pode explorar oportunidades na América do Sul e, potencialmente, na Europa, mas a penetração no mercado asiático apresenta desafios. “A identificação e compreensão das dinâmicas de oferta e demanda são cruciais para o estabelecimento de novos contratos”, acrescentou a especialista à Agência Brasil.
Os acordos internacionais de comércio também desempenham um papel crucial na identificação e aproveitamento dessas oportunidades. Observa-se um aumento nos acordos de complementação econômica nos últimos anos, inclusive com parceiros tradicionais como China e Japão, além de nações na África, Oceania, América Central e Caribe. Conforme explica o advogado Diego Joaquim, especialista em direito aduaneiro, “Nestes países há redução tarifária mútua, porém cada país tem sua característica operacional e definição legal de como os produtos precisam ser registrados para importação, salvo a União Europeia que é uma união aduaneira e todos os países seguem o mesmo procedimento para importação e exportação”.