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App workers: maior renda mensal, mas menos por hora e mais informalidade, diz IBGE

Pesquisa do IBGE de 2024 mostra que trabalhadores de aplicativos ganham mais por mês, mas enfrentam jornadas mais longas, menor remuneração por hora e alta informalidade.
Trabalhadores aplicativos IBGE
Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

Um novo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado em 2024, revela que trabalhadores que atuam por meio de aplicativos auferem uma renda mensal média superior em comparação com seus pares não plataformizados. Contudo, essa aparente vantagem esconde uma realidade de jornadas de trabalho mais longas, remuneração horária inferior e uma taxa alarmante de informalidade. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, em seu módulo dedicado a esse segmento, expõe um cenário complexo que demanda atenção.

Análise Detalhada dos Rendimentos e Jornadas de Trabalho

Em 2024, os trabalhadores de plataformas digitais registraram um rendimento médio mensal de R$ 2.996. Este valor representa um incremento de 4,2% sobre a média de R$ 2.875 percebida por aqueles que não utilizam aplicativos como principal meio de trabalho. Entretanto, é importante notar que essa diferença era significativamente maior em 2022, atingindo 9,4%, o que indica uma redução na disparidade de ganhos ao longo do tempo.

Apesar do rendimento mensal mais elevado, os dados do IBGE apontam para uma disparidade nas horas trabalhadas. Consequentemente, enquanto os trabalhadores não plataformizados dedicavam, em média, 39,3 horas semanais, os profissionais de aplicativos enfrentavam jornadas mais extensas, com uma média de 44,8 horas por semana. Por outro lado, essa carga horária superior resulta em uma remuneração por hora inferior para os plataformizados, fixada em R$ 15,4, um valor 8,3% menor que os R$ 16,8 recebidos por hora pelos não plataformizados. Dessa forma, para superar os ganhos mensais de outros ocupados, quem atua por meio de aplicativos precisa trabalhar mais horas.

O IBGE categoriza como “plataformizados” indivíduos com 14 anos ou mais que utilizam aplicativos para diversas finalidades. Incluem-se, por exemplo, motoristas de táxi e transporte particular (como Uber e 99), entregadores de comida e produtos (Rappi e iFood), e prestadores de serviços gerais ou profissionais, abarcando desde designers e tradutores até profissionais de telemedicina que usam plataformas para captar pacientes. Esta edição da pesquisa, a segunda do tipo, identificou um contingente de 1,7 milhão de trabalhadores atuando nesse formato.

Escolaridade e Desafios no Mercado de Trabalho

A pesquisa também analisou a relação entre nível de instrução e rendimentos. Curiosamente, em todos os segmentos de escolaridade abaixo do nível superior, os trabalhadores de plataformas digitais obtiveram rendimentos superiores aos não plataformizados. Em particular, para aqueles com ensino fundamental completo e médio incompleto, os plataformizados chegaram a receber 50% a mais que a média nacional.

No entanto, o cenário se inverte drasticamente para indivíduos com nível superior. Nesta categoria, os trabalhadores de aplicativos ganhavam 29,8% menos, com uma renda média mensal de R$ 4.263, em contraste com os R$ 6.072 recebidos pelos não plataformizados. De acordo com Gustavo Fontes, analista responsável pela pesquisa, este dado pode indicar que muitos graduados, ao não encontrarem oportunidades em suas áreas de formação, recorrem aos aplicativos. Assim sendo, eles buscam uma alternativa para gerar renda, mas acabam não atingindo o patamar de ganhos esperado para seu grau de instrução. Fontes exemplifica: “Provavelmente esse não é o trabalho que a pessoa mais gostaria de fazer, mas é o que encontrou naquele momento e está garantindo uma renda.”

A Preocupante Realidade da Informalidade e Previdência

A questão da informalidade é outro ponto crítico evidenciado pelo estudo. Enquanto 43,8% do total de trabalhadores ocupados no Brasil se encontravam em situações informais (como empregados sem carteira assinada ou autônomos sem CNPJ), essa proporção eleva-se para alarmantes 71,7% entre os plataformizados. Além disso, a cobertura previdenciária também apresenta um desequilíbrio significativo. Apenas 35,9% dos trabalhadores de aplicativos contribuíam para a previdência, em nítido contraste com 61,9% dos não plataformizados que possuíam essa proteção social essencial para benefícios como aposentadoria e pensão.

Perfil dos Motoristas por Aplicativo: Ganhos, Esforço e Desproteção

O IBGE dedicou uma análise específica aos motoristas. Em 2024, o país contabilizava 1,9 milhão de pessoas nessa ocupação, sendo 824 mil (43,8%) motoristas por aplicativos. Os motoristas de app apresentaram um rendimento médio mensal de R$ 2.766, superando em R$ 341 o valor recebido pelos não plataformizados (R$ 2.425), uma diferença quase duplicada em relação a 2022. Contudo, essa vantagem financeira é acompanhada por uma jornada de trabalho mais longa, com os plataformizados dirigindo, em média, cinco horas a mais por semana (45,9 horas contra 40,9 horas dos demais).

Em relação ao valor da hora trabalhada, os motoristas de aplicativo recebiam R$ 13,9, um valor muito próximo dos outros motoristas (R$ 13,7). Entretanto, se a comparação for com motoristas não plataformizados com vínculo formal, estes últimos auferiam um valor superior, R$ 14,7 por hora. Assim como no panorama geral, a informalidade é mais acentuada entre os motoristas de app, atingindo 83,6%, face a 54,8% dos demais. Por conseguinte, a contribuição para a previdência é consideravelmente menor: apenas um em cada quatro motoristas de aplicativo (25,7%) possuía cobertura previdenciária, enquanto mais da metade (56,2%) dos motoristas não plataformizados desfrutava dessa proteção. É importante ressaltar que a pesquisa considerou apenas aqueles que utilizam aplicativos como principal forma de intermediação de trabalho, excluindo, assim, “bicos” ou atividades complementares.

Motociclistas: Crescimento e Condições Semelhantes

A análise dos motociclistas revela fenômenos similares. De um total de 1,1 milhão de pessoas conduzindo motos profissionalmente, 351 mil (33,5%) trabalhavam por aplicativo, um aumento significativo em relação aos 21,9% registrados em 2022. Os motociclistas de app recebiam um rendimento mensal de R$ 2.119, 28,2% superior aos R$ 1.653 dos não plataformizados. Ademais, eles também trabalhavam mais, com uma média de 45,2 horas semanais, 3,9 horas a mais que os não plataformizados.

Nesta categoria, a hora trabalhada do motociclista por aplicativo valia R$ 10,8, superando a dos demais motociclistas (R$ 9,2) e até mesmo a dos não plataformizados com ocupação formal (R$ 10,6 por hora). Contudo, a informalidade persiste como um desafio, afetando 84,3% dos motociclistas de app, em contraste com 69,3% dos demais. Por fim, apenas 21,6% dos motociclistas de plataformas contribuíam para a previdência, um percentual inferior aos 36,3% dos não plataformizados.

O Debate Jurídico sobre o Vínculo Empregatício

Diante desse cenário de precarização, representantes de categorias que trabalham para aplicativos, notadamente motoristas, buscam o reconhecimento do vínculo empregatício com as plataformas digitais. As empresas, por sua vez, discordam dessa alegação. Este tema de grande relevância social e econômica se tornou objeto de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), a mais alta corte de justiça do país. A expectativa é que a discussão seja retomada no início de novembro, conforme anunciado pelo ministro Edson Fachin, presidente da corte. Entretanto, um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) já se manifestou contra o reconhecimento desse vínculo trabalhista, adicionando mais uma camada de complexidade ao debate.