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Apátrida encontra amor e cidadania no Brasil após 30 anos de luta

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Foto: Maha Mamo/Arquivo Pessoal

Após 30 anos de incertezas e desafios como apátrida, a ativista Maha Mamo encontrou no Brasil não apenas um lar, mas também a cidadania e a liberdade para amar. Sua jornada, marcada por migrações e a busca por aceitação, a levou a celebrar a vida e os laços que transcendem fronteiras, demonstrando que, acima de tudo, “a vida se move com amor”.

Uma vida em movimento: da apatridia à cidadania brasileira

Para Maha Mamo, a vida é uma oportunidade de buscar a felicidade e valorizar os relacionamentos. Essa perspectiva a motivou, primeiramente, a migrar com sua família do Líbano para o Brasil e, posteriormente, a se mudar para os Estados Unidos com sua esposa. Em um contexto global complexo, Maha compartilhou sua experiência de migração múltipla, refletindo sobre suas descobertas pessoais, suas percepções sobre as pessoas ao seu redor e sua visão do mundo.

De acordo com Maha, a decisão de deixar o próprio país nunca é fácil. As pessoas migram em busca de melhores condições de vida, mas frequentemente enfrentam incompreensão. Nesse sentido, ela enfatiza a importância da empatia e da gentileza em um mundo que, segundo ela, parece ter se esquecido desses valores fundamentais.

O reconhecimento como apátrida e a luta por direitos

Maha Mamo e sua irmã, Souad Mamo, foram as primeiras pessoas a serem formalmente reconhecidas como apátridas pelo governo brasileiro. Durante três décadas, a ausência de nacionalidade as privou do acesso a serviços básicos e as deixou em uma espécie de limbo legal. Nascida em Beirute, no Líbano, em 1988, Maha não pôde ser registrada como libanesa, já que, no Líbano, a nacionalidade é transmitida apenas por pais libaneses.

Além disso, seus pais, de nacionalidade síria, também não puderam registrá-la na Síria, uma vez que o país exige o casamento oficial para o registro de crianças. O pai de Maha, Jean Mamo, é cristão, enquanto sua mãe, Kifah Nachar, é muçulmana, e a legislação síria proíbe o casamento inter-religioso. No entanto, foi no Brasil que Maha obteve seu primeiro documento oficial, em 2014, aproveitando a política de facilitação da entrada de migrantes devido aos conflitos no Oriente Médio. Posteriormente, em 2018, o governo brasileiro concedeu a ela e à sua irmã a cidadania brasileira.

Assim, tendo vivido grande parte de sua vida como apátrida, Maha se dedica a lutar pela extinção das leis que causam a apatridia, visando impedir que outras pessoas enfrentem a mesma situação. Atualmente, conforme dados da Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), existem cerca de 4,4 milhões de pessoas apátridas em todo o mundo.

Amor, sexualidade e aceitação: a jornada pessoal de Maha

Com seu pai no Líbano e sua mãe em Portugal, Maha reflete sobre os motivos que impulsionam as pessoas a superar desafios globalmente. Em suas palavras, a ideia de que “tempo é dinheiro” é uma falácia. Para ela, o tempo é, na verdade, a oportunidade de direcionar energia, compartilhar momentos significativos e cultivar o que permanece na mente e no coração.

A busca pela definição de felicidade sempre levou Maha à mesma resposta: o amor. Seja o amor pelo próximo, pelo trabalho, pela vida, por viagens ou pela pátria, o amor é o motor que impulsiona as ações humanas. Mesmo em situações extremas, como a guerra, a motivação final pode ser rastreada até uma forma distorcida de amor, seja pelo poder ou pelo dinheiro.

Ademais, toda a sua trajetória e as migrações que vivenciou proporcionaram a Maha a oportunidade de explorar sua sexualidade e descobrir um novo tipo de amor: o amor romântico. Ela relata que, embora tivesse namoradas no Líbano, a criminalização da homossexualidade a impedia de se assumir, inclusive para si mesma. No entanto, foi no Brasil que ela encontrou a confiança para ser autêntica. “A minha chegada no Brasil me ajudou não só a ter os meus documentos, mas também no meu pertencimento como ser humano”, afirma Maha, descrevendo a sensação de completude e liberdade para se expressar.

A busca pelo amor e a mudança para os Estados Unidos

Maha se casou com sua segunda namorada, Isabela Sena, e, para viver esse amor, precisou deixar o Brasil, um país que tanto amava. Isabela recebeu uma proposta de emprego nos Estados Unidos, e Maha a acompanhou. “Eu estava feliz no Brasil, mas aí eu fui atrás da minha escolha. Fui atrás da minha esposa, do amor da minha vida”, explica.

Essa decisão também gerou transformações em sua família. Em 2023, quatro anos após o casamento, Maha reuniu coragem para revelar à sua mãe, uma mulher síria, muçulmana e com mais de 60 anos, que Isabela não era apenas uma amiga. Surpreendentemente, sua mãe retirou a aliança de sua própria mãe e a presenteou a Maha, um gesto que representou uma profunda aceitação. “As surpresas da vida vêm das pessoas que a gente menos espera”, conclui Maha, ressaltando a capacidade humana de mudar e surpreender.

Próximos passos: um podcast sobre o amor

Atualmente, Maha planeja lançar seu próprio podcast, intitulado “Ser in Love”, com o objetivo de discutir o amor e suas reflexões sobre a vida. O lançamento está previsto para este mês. Embora ainda não tenha definido se os programas serão totalmente em inglês, Maha pretende incluir o português em suas produções. “Eu acho que, em português, eu consigo me expressar muito melhor. É muito estranho, né? Mas, quando você ama o país, ama a língua, ama o jeito, aí vira você”, finaliza, expressando sua profunda conexão com o Brasil e sua cultura.

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