Novas pesquisas divulgadas no Brasil acendem um alerta grave sobre os efeitos das mudanças climáticas, indicando que temperaturas extremas, tanto de frio quanto de calor, elevam significativamente o risco de mortalidade para bebês e crianças menores de 5 anos. Estas descobertas, provenientes de dois estudos independentes, reforçam a urgência de políticas públicas e ações de proteção, especialmente para a primeira infância, um grupo altamente vulnerável.
A Preocupação Crescente da População Brasileira
Um dos levantamentos, encomendado pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal ao Datafolha, revelou uma preocupação generalizada entre os brasileiros. Mais de 80% dos entrevistados expressam temor pelos impactos das alterações climáticas em crianças de 0 a 6 anos. Este estudo, intitulado “Panorama da Primeira Infância: o impacto da crise climática”, entrevistou 2.206 pessoas, incluindo 822 responsáveis por crianças, entre os dias 8 e 10 de abril de 2025.
Os maiores receios dos participantes concentram-se predominantemente nos efeitos sobre a saúde, uma vez que 71% das pessoas manifestaram essa preocupação. Doenças respiratórias, por exemplo, surgiram como um dos principais pontos de atenção. Além disso, outros 39% dos entrevistados apontaram o maior risco de desastres naturais, como enchentes, secas e queimadas, enquanto 32% se preocupam com a dificuldade de acesso à água limpa e alimentos.
Apesar do cenário preocupante, uma parcela dos entrevistados demonstra otimismo. Cerca de 15% acreditam que as mudanças climáticas impulsionarão uma maior consciência ambiental, e 6% confiam que a sociedade encontrará soluções eficazes para mitigar os danos. Neste contexto, Mariana Luz, diretora da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, ressaltou a importância do reconhecimento popular. “Ver que a população reconhece o risco que as crianças enfrentam já é uma vitória”, afirmou Luz, enfatizando que as crianças na primeira infância são as menos culpadas pela emergência climática, contudo, são as mais afetadas. “Essa injustiça exige que cada medida tomada considere a vulnerabilidade de quem depende da proteção dos adultos”, concluiu.
Estudo Aprofunda Impacto na Mortalidade Infantil
Em consonância com a percepção da população, outro estudo aprofundou a análise dos riscos, corroborando a gravidade da situação. Conduzida por cientistas do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), do Instituto de Saúde Coletiva (ISC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), da London School e do Instituto de Saúde Global de Barcelona, a pesquisa foi publicada no prestigiado periódico Environmental Research.
Este levantamento científico revelou dados alarmantes: bebês em período neonatal (com idade entre 7 e 27 dias) são particularmente suscetíveis ao frio extremo, apresentando um risco de mortalidade 364% maior em comparação com condições climáticas normais. Por outro lado, o impacto do calor cresce à medida que a criança envelhece, com um risco 85% maior em calor extremo entre aqueles que possuem de 1 a 4 anos.
Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores analisaram mais de um milhão de mortes de crianças menores de 5 anos ao longo de duas décadas. Os resultados indicaram que o risco de mortalidade nesta faixa etária chegou a ser 95% maior em dias de frio extremo e 29% maior em dias de calor extremo, se comparado a dias com temperaturas amenas, que variam entre 14 e 21°C. A pesquisa utilizou como base dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Conjunto de Dados Meteorológicos Diários em Grade do Brasil (BR-DWGD).
Vulnerabilidade e Mecanismos Fisiológicos
O professor Ismael Silveira, do ISC/UFBA e colaborador do Cidacs, destacou que, embora pesquisas internacionais já apontassem a vulnerabilidade de crianças pequenas aos extremos climáticos, havia uma escassez de evidências em países com clima tropical. “O Brasil tem dimensões continentais e forte desigualdade socioeconômica, o que o torna um ‘laboratório natural’ para investigar os impactos do clima”, explicou Silveira, acrescentando que a abrangência e qualidade dos dados de óbitos, juntamente com o uso de métodos estatísticos robustos, permitiram superar essa lacuna de conhecimento.
As crianças são intrinsecamente mais vulneráveis aos efeitos das oscilações de temperatura, uma vez que seus corpos ainda não desenvolveram plenamente os mecanismos de regulação térmica. Consequentemente, em dias mais quentes, os riscos incluem insolação, desidratação, problemas renais, além de doenças respiratórias e infecciosas. Em contrapartida, durante o frio intenso, podem ocorrer hipotermia, que desencadeia complicações respiratórias e metabólicas, e favorece o aumento de infecções, comprometendo seriamente a saúde infantil.
Desafios Regionais e Desigualdades
O estudo também revelou que o Brasil apresenta variações regionais significativas nos impactos climáticos sobre a mortalidade infantil. Os dados indicam que o maior aumento na mortalidade de crianças menores de cinco anos relacionada ao frio, atingindo 117%, ocorreu na região Sul do país. Por outro lado, a mortalidade associada ao calor foi mais proeminente no Nordeste, registrando um aumento de 102%.
Adicionalmente, as elevadas taxas de mortes de crianças permanecem concentradas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Isso ocorre porque essas áreas frequentemente exibem maior vulnerabilidade socioeconômica, além de um acesso mais limitado à infraestrutura básica, como saneamento e moradia adequada. Portanto, o aumento das temperaturas representa uma ameaça adicional e intensifica os desafios já existentes nessas localidades.