Ícone do site Edição Brasília

Agências de checagem: 10 anos mudando o jornalismo e a política

Agências checagem 10 anos Brasil

Foto: Agência Lupa/Divulgação

Há uma década, a paisagem midiática e política brasileira foi profundamente alterada pela ascensão das agências de checagem de fatos. Essas organizações pioneiras têm desempenhado um papel crucial no combate à proliferação da desinformação, estabelecendo novos padrões de rigor jornalístico e influenciando diretamente o discurso público em todo o país.

A Ascensão das Agências de Checagem no Brasil

O surgimento dessas iniciativas no Brasil marcou um ponto de virada na forma como o público consome notícias. Antes, uma informação surpreendente divulgada em redes sociais ou aplicativos de mensagens frequentemente gerava incerteza sobre sua veracidade. Agora, entretanto, a verificação por selos de “verdadeiro” ou “falso” tornou-se uma prática comum para muitos usuários, um hábito consolidado ao longo dos últimos dez anos.

A saber, o portal Aos Fatos foi o primeiro a ser lançado no país, em julho de 2015. Pouco tempo depois, em novembro do mesmo ano, a Agência Lupa também iniciou suas operações. Posteriormente, outras plataformas de relevância surgiram, como Uol Confere em 2017 e Estadão Verifica em 2018. Todas essas quatro entidades são membros da prestigiada Aliança Internacional de Checagem de Fatos (IFCN), o que reforça seu compromisso com padrões globais de verificação.

Transformação no Jornalismo e na Política

Conforme destacado por Tai Nalon, diretora executiva de Aos Fatos, e Natália Leal, da Agência Lupa, o trabalho de checagem foi fundamental para modificar aspectos essenciais do jornalismo e do cenário político nacional. A década de 2010, em particular, viu políticos e formadores de opinião passarem a utilizar as redes sociais para difundir suas versões dos acontecimentos, independentemente dos grandes veículos de comunicação. Consequentemente, a ausência de um processo rigoroso de apuração jornalística nessas plataformas permitiu que a desinformação se tornasse ainda mais disseminada.

Nesse sentido, a checagem de fatos emergiu como uma ferramenta vital para escrutinar o discurso de políticos que se beneficiavam dessa “desmediação” para se comunicar diretamente com o eleitorado. Seu objetivo primordial, segundo Tai Nalon, foi desmascarar afirmações que poderiam ser falsas, enganosas ou tiradas de contexto. Ademais, Natália Leal observa que o impacto se estendeu à própria conduta dos políticos, que agora, com maior frequência, demonstram preocupação em verificar dados antes de fazer declarações públicas, cientes da vigilância constante de agências como a Lupa.

O jornalismo em geral também passou por uma reorientação significativa, especialmente após o início da pandemia de COVID-19. Anteriormente, era comum que a imprensa apresentasse apenas as declarações de autoridades, deixando a cargo do leitor a avaliação de sua veracidade, um reflexo, em parte, da precarização das redações. No entanto, o surgimento das agências de checagem incentivou uma postura mais proativa e assertiva do jornalismo, que passou a verificar e confrontar diretamente as informações, como no exemplo de declarações sobre vacinas desmentidas por estudos científicos.

O Legado de Uma Década: Dados da Aos Fatos

Para marcar sua primeira década de atuação, a agência Aos Fatos divulgou um panorama detalhado de suas realizações, evidenciando o volume e o impacto de seu trabalho. Até o momento, a plataforma realizou mais de 19 mil checagens, das quais aproximadamente 15 mil confirmaram a veracidade de declarações atribuídas a 167 figuras públicas. Por outro lado, quase 4 mil verificações foram dedicadas a desmentir boatos e informações falsas que circulavam nas redes sociais, sublinhando a amplitude de sua atuação.

A análise dos temas preponderantes revela que a desinformação política e eleitoral foi o foco principal, presente em 2.105 checagens. A saúde também se destacou como um assunto de grande relevância, com 594 verificações. O ano de 2020, que coincidiu com o início da pandemia de Covid-19, registrou o maior volume de declarações checadas, totalizando 718, com particular atenção às informações relacionadas às vacinas e à saúde pública.

Outro período de intensa cobertura foi o governo de Jair Bolsonaro, durante 1.459 dias. A plataforma checou 1.610 declarações do então presidente, identificando um total de 6.685 afirmações falsas ou distorcidas. Em média, os dados da Aos Fatos indicam que Bolsonaro proferiu, no mínimo, quatro inverdades por dia, ilustrando a persistência e a escala do desafio da desinformação enfrentada pela agência.

Desafios Atuais e o Futuro da Verificação

Apesar dos notáveis avanços no combate à desinformação, novos e complexos desafios continuam a surgir, conforme observado por Tai Nalon. Atualmente, há um movimento preocupante por parte de algumas plataformas digitais para remover mecanismos de moderação e checagem de fatos, muitas vezes sob a premissa de que a automação, por meio de inteligência artificial, seria suficiente. Entretanto, Nalon alerta que a inteligência artificial, isoladamente, não será capaz de combater a desinformação em escala. Por conseguinte, é imperativo que haja um maior investimento em checagem e moderação de conteúdo, especialmente diante da sobrecarga informacional e da diminuta capacidade de discernir o que é falso por parte do público.

Adicionalmente, as próprias organizações de checagem de fatos têm sido alvo de campanhas de desinformação. Grupos políticos, em especial da extrema direita, propagam a retórica de que a checagem é parte de um projeto autoritário, classificando-a como uma grande teoria da conspiração. Nalon reitera que o trabalho dessas organizações não se configura como censura, mas sim como uma prática jornalística legítima, fundamentada no contraditório, na liberdade de imprensa e na liberdade de expressão.

Inovação e Reinvenção: Os Próximos Passos

Comemorando uma década de existência, a Agência Lupa está se preparando para uma significativa reformulação em seu portal, prevista para ser concluída até dezembro. O projeto incluirá a introdução de novas ferramentas e iniciativas. Um dos pontos focais de sua cobertura para o ano corrente será a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), a ser realizada em Belém. Para essa cobertura, a Lupa lançará um selo específico, o “Lupa no Clima”, dedicado à verificação de notícias falsas e ao negacionismo climático, demonstrando um compromisso com temas de impacto global.

A diretora Natália Leal enfatiza a importância de uma constante atualização e criação de novos elementos para enfrentar os desafios inerentes ao desenvolvimento das plataformas de checagem e, assim, alcançar novos públicos. Além do mais, a crise de financiamento que assola o jornalismo impacta diretamente as agências de checagem, que são, por sua natureza, empreendimentos jornalísticos. Portanto, a diversificação do trabalho torna-se essencial não apenas para manter a relevância do negócio, mas também para atender a um público cada vez mais exposto à desinformação.

Em suma, as principais plataformas de checagem no Brasil chegam a seus dez anos em um processo contínuo de reinvenção. Leal expressa otimismo, destacando a capacidade de evolução tanto na metodologia de trabalho quanto na conexão com as pessoas. Esse é um ativo fundamental que, segundo ela, impulsionará essas organizações para frente, com a expectativa de que continuem seu valioso trabalho por muitos anos.

Sair da versão mobile