O Brasil, país que recentemente foi palco da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), onde debates cruciais sobre preservação e restauração ambiental dominaram a agenda, confronta uma realidade urbana alarmante, conforme revelam dados do Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De fato, uma proporção significativa da população em favelas e comunidades urbanas, especificamente dois terços dos moradores, vive em trechos de vias desprovidos de qualquer tipo de arborização. Esta descoberta sublinha uma marcante disparidade territorial no acesso a elementos essenciais de infraestrutura verde.
Desigualdade Ambiental e o Cenário Nacional
De acordo com o levantamento detalhado do IBGE, 64,6% dos habitantes de favelas no país residem em ruas sem ao menos uma árvore em espaço público. Por outro lado, a situação é notavelmente diferente em áreas urbanas que não se classificam como favelas; nestes locais, a proporção de moradores em vias sem árvores diminui drasticamente para 31%, equivalente a cerca de três em cada dez pessoas. Esta distinção ressalta uma lacuna considerável na qualidade de vida urbana e na distribuição de recursos ambientais.
As informações provêm do suplemento “Favelas e comunidades urbanas: características urbanísticas do entorno dos domicílios”, um componente integral do Censo 2022, divulgado pelo IBGE. Anteriormente, em novembro do ano passado, o instituto já havia notificado a existência de 16,4 milhões de pessoas vivendo em 12.348 favelas em todo o território nacional. Agora, os novos dados adicionam uma camada crucial a essa compreensão, indicando que aproximadamente 10,4 milhões desses indivíduos residem em trechos de vias desprovidos de uma única árvore.
Metodologia da Pesquisa e a Importância da Arborização
Para conduzir esta análise, o IBGE estabeleceu critérios específicos para a contagem de árvores. Assim, somente foram consideradas aquelas com, no mínimo, 1,70 metro de altura e situadas em vias públicas, excluindo a vegetação presente em quintais ou propriedades privadas. Além disso, o instituto definiu “vias” de forma abrangente, incluindo becos, vielas, escadarias e palafitas, garantindo uma avaliação completa das condições de arborização nessas comunidades. As comparações foram realizadas abrangendo a população dos 656 municípios brasileiros que possuem registro de favelas.
Nesse contexto, Belém, cidade que sediou a COP30 em novembro, apresenta um panorama ainda mais desafiador. Na capital paraense, 65,2% dos moradores de favelas vivenciam a ausência de árvores em suas ruas, um índice ligeiramente superior à média nacional de 64,6%. Em seguida, o chefe do Setor de Pesquisas Territoriais do IBGE, Filipe Borsani, reforça a interligação direta entre a arborização e a qualidade de vida. Ele destaca que “a arborização, de fato, constitui uma variável importante, especialmente em um momento de aquecimento global, pois está intrinsecamente ligada ao conforto térmico e à melhoria das condições do ambiente urbano.” Adicionalmente, durante a COP30, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima lançou o Plano Nacional de Arborização Urbana, com o objetivo claro de expandir a cobertura vegetal nas cidades, atualmente considerada aquém dos padrões ideais.
Detalhes da Arborização e a Influência do Tamanho da Comunidade
A pesquisa também oferece um olhar mais granular sobre a quantidade de árvores presentes. Entre os 35,4% dos moradores de favelas que de fato têm árvores próximas de casa – um total que representa 5,7 milhões de pessoas – o IBGE identificou as seguintes distribuições: 17,8% dos moradores vivem em trechos com uma ou duas árvores, enquanto 7,1% contam com três ou quatro árvores. Já 10,5% têm o benefício de cinco ou mais árvores em suas vias. Por outro lado, fora das favelas, uma parcela maior, 33,5% dos moradores, desfruta da presença de cinco ou mais árvores próximas de seus domicílios.
É importante salientar que a pesquisa estabeleceu uma correlação inversa entre o tamanho da comunidade e a presença de árvores. Em outras palavras, quanto menos populosa a favela, maior a proporção de moradores com arborização. Para ilustrar, em favelas com até 250 habitantes, 45,9% da população residia próximo a árvores. Em contrapartida, em comunidades com mais de 10 mil habitantes, essa porcentagem caía para apenas 31,8%, evidenciando a concentração da falta de arborização em aglomerados maiores.
Contrastes nas Maiores Favelas e a Questão dos Bueiros
Ao analisar as 20 maiores favelas do Brasil, o IBGE revelou cenários contrastantes. Em Rio das Pedras, no Rio de Janeiro, que figura como a quinta favela mais populosa do país, apenas 3,5% dos seus quase 56 mil moradores têm árvores em frente às suas residências. Esta situação representa a pior entre as grandes comunidades estudadas. No entanto, o outro extremo do espectro é ocupado por Sol Nascente, em Brasília, a segunda favela mais populosa do país, onde 70,7% dos moradores desfrutam da presença de árvores em suas vias, demonstrando uma notável diferença na infraestrutura verde.
Adicionalmente à arborização, o IBGE também investigou a presença de bueiros, elementos cruciais da infraestrutura urbana para o escoamento de água da chuva e, consequentemente, para a mitigação dos impactos das mudanças climáticas. Os recenseadores constataram que 45,4% dos habitantes das favelas tinham bueiros no trecho da via onde moram. Em contraste, fora das favelas, essa porcentagem aumentava para 61,8%. O estudo aponta que, quanto mais populosa a favela, maior a frequência de bueiros nas vias. Por exemplo, em favelas com até 250 habitantes, 38% das pessoas tinham bueiros próximos de casa, enquanto em comunidades com mais de 10 mil habitantes, essa marca atingia 54,1%. Portanto, embora a proporção ainda seja menor que em áreas não-faveladas, as grandes favelas demonstram uma ligeira melhoria na presença desse tipo de infraestrutura.



