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STF remarca julgamento do marco temporal para sessão presencial; indígenas comemoram

O STF remarcou o julgamento do marco temporal de terras indígenas para a próxima quarta (10), de forma presencial. Indígenas comemoram, mas pedem plena participação e a votação da tese.
Julgamento marco temporal STF
Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) remarcou o julgamento da tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas para uma sessão presencial, a ser realizada na próxima quarta-feira, 10 de dezembro. Lideranças e organizações que representam os povos originários comemoraram a decisão, entretanto, reforçam a necessidade de plena participação no processo e a urgente votação da matéria.

A Transição para o Julgamento Presencial

A princípio, a Corte havia programado o início do julgamento para a última sexta-feira, 5 de dezembro, em plenário virtual. Contudo, a alteração para o formato presencial gerou um alívio considerável entre as comunidades indígenas, que expressaram a importância de um debate mais aprofundado e visível. Esta mudança é amplamente vista como uma vitória inicial, fruto da intensa pressão exercida pelos movimentos indígenas em todo o país.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), por exemplo, classificou a decisão do STF como um passo significativo, ressaltando que o pleito pela mudança de formato foi uma de suas principais reivindicações. A organização, em conjunto com suas entidades regionais e parceiras, protocolou um pedido formal à Corte, buscando assegurar a participação efetiva dos povos originários no processo decisório, que diretamente afeta seus direitos e seu futuro.

Entendendo a Tese do Marco Temporal

A controvérsia central gira em torno da tese do marco temporal, uma proposta legal que sustenta que os povos indígenas só teriam direito a reivindicar a demarcação de terras que estivessem sob sua posse ou disputa comprovada em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Essa interpretação é veementemente defendida por setores do agronegócio, da mineração e por alguns partidos políticos de direita, que argumentam a necessidade de segurança jurídica para suas atividades. Por outro lado, os povos indígenas e seus aliados consideram a tese um retrocesso, que ignora séculos de esbulho e violência.

As Demandas Essenciais dos Povos Indígenas

Apesar da celebração pela mudança de formato, a APIB adverte que a medida é apenas o primeiro passo e que diversas outras reivindicações cruciais ainda precisam ser atendidas. Dentre elas, destacam-se a exigência de um julgamento com ampla participação indígena, a declaração da inconstitucionalidade integral da Lei 14.701/2023 – legislação na qual o Congresso Nacional buscou regulamentar a própria tese do marco temporal – e o restabelecimento pleno do rito constitucional de demarcação, conforme previsto no Artigo 231 da Constituição. Além disso, a organização defende a reafirmação da proteção das terras indígenas como um pilar fundamental para a vida, a cultura e a mitigação das mudanças climáticas.

Preocupações e o Risco da Falta de Votação

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), adotou uma postura ainda mais crítica frente à remarcação. A entidade enfatiza que o STF “garantiu apenas a realização presencial da leitura do relatório e das sustentações orais no dia 10 de dezembro”, considerando esta etapa importante, mas “ainda insuficiente diante da gravidade do tema”. A principal preocupação da Coiab reside na ausência de previsão para a votação dos ministros na sessão do dia 10, o que significa que uma nova data para a deliberação final será agendada posteriormente.

A Coiab, portanto, manifesta que o processo virtual, anteriormente proposto, reduziria drasticamente a transparência em um tema que molda o futuro das Terras Indígenas no Brasil. Consequentemente, a instituição continua a pleitear a participação integral dos indígenas, o respeito irrestrito aos direitos constitucionais e a plena observância da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), um tratado internacional sobre os direitos dos povos indígenas em vigor no Brasil desde 2003.

Em Roraima, lideranças do Conselho Indígena de Roraima (CIR), representando diversos povos como Wapichana, Taurepang e Macuxi, reiteraram a exigência por um julgamento totalmente presencial. O CIR alerta para os graves efeitos produzidos pela vigência da lei do marco temporal, que incluem a paralisação de novos processos de demarcação, o fortalecimento de invasores em territórios indígenas e um aumento significativo do risco à vida de indígenas que bravamente lutam pela retomada e proteção de suas terras ancestrais.

O Caminho Legal do Marco Temporal: Um Histórico de Idas e Vindas

A tese do marco temporal já percorreu um complexo caminho legal no Brasil. Em setembro de 2023, o próprio STF considerou a tese inconstitucional, em uma decisão por nove votos a dois. Posteriormente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou um projeto de lei aprovado pelo Congresso que validava o marco temporal, buscando alinhar-se à decisão do Supremo.

Entretanto, em um revés significativo ocorrido em dezembro de 2023, o Congresso Nacional derrubou o veto presidencial, restabelecendo a validade da tese. Após essa votação crucial, partidos como PL, PP e Republicanos protocolaram novas ações no STF, com o intuito de sustentar a constitucionalidade e a vigência da legislação que reconhece o marco temporal. Em resposta, organizações indígenas e partidos governistas novamente recorreram ao Supremo, contestando mais uma vez a constitucionalidade da tese, demonstrando a persistente batalha jurídica em torno do tema.

Perspectivas para o Julgamento Futuro

A remarcação do julgamento para o formato presencial representa um avanço na luta dos povos indígenas por visibilidade e participação. Ainda assim, a ausência de uma data definida para a votação final mantém o cenário de incerteza e a necessidade de mobilização. Os olhos do país e da comunidade internacional estarão voltados para o STF na próxima quarta-feira, aguardando os próximos capítulos dessa decisão crucial para o futuro dos direitos indígenas e do meio ambiente brasileiro.