Um aumento alarmante nas contaminações por agrotóxicos, que registraram uma elevação de 762% em 2024, coloca em evidência os riscos inerentes ao modelo de agronegócio praticado no Brasil. Em um período marcado por mobilizações globais, o Dia Mundial de Luta Contra os Agrotóxicos, lembrado recentemente, serviu de plataforma para movimentos sociais e organizações de saúde e direitos humanos reforçarem suas críticas contundentes a um sistema agrícola amplamente dependente de químicos.
O Alerta dos Números: Contaminações em Ascensão
As estatísticas recentes pintam um cenário preocupante para a saúde pública e ambiental. Segundo dados divulgados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), foram documentados 276 novos casos de contaminação por agrotóxicos apenas em 2024, o que representa não apenas o maior número registrado na última década, mas também um salto dramático de 762% em comparação com o ano anterior. Em um panorama mais amplo, o Sistema Único de Saúde (SUS) notificou mais de 124 mil intoxicações em todo o país entre os anos de 2013 e 2022, evidenciando a persistência e a gravidade do problema.
A Conexão Inegável com o Agronegócio e Seus Impactos
Para especialistas, o avanço do agronegócio no território brasileiro é intrinsecamente ligado à escalada das contaminações. Jakeline Pivato, integrante da coordenação nacional da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, destaca que o modelo produtivo atual se mostra como um fator preponderante na deterioração ambiental. A especialista salienta que essa influência negativa não se restringe apenas à produção de commodities, mas abrange também a exploração de gás, o desmatamento e o contrabando de biodiversidade, revelando uma série de impactos interconectados.
Pivato argumenta, ademais, que a questão dos agrotóxicos constitui a principal contradição do agronegócio, gerando consequências diretas e visíveis. Entre essas consequências, ela cita o aumento da incidência de câncer na população, a mortalidade acentuada de abelhas – essenciais para a polinização e o equilíbrio ecológico – e a contaminação generalizada de diversos ecossistemas. Portanto, a sociedade passa a perceber de forma mais clara a responsabilidade associada a essas práticas.
Bhopal: Um Lembrete Global dos Riscos Industriais
A escolha da data de 3 de dezembro para o Dia Mundial de Luta Contra os Agrotóxicos não é aleatória; ela marca os 41 anos da trágica catástrofe de Bhopal, na Índia. Em dezembro de 1984, um vazamento de gás isocianato de metila de uma fábrica de pesticidas da Union Carbide India Limited resultou na morte imediata de mais de 2 mil pessoas e expôs cerca de 500 mil ao produto tóxico. Esse evento serve como um marco global, simbolizando os perigos devastadores que as práticas industriais desreguladas podem acarretar para a vida humana e o meio ambiente.
Esforços e Obstáculos na Luta Contra os Agrotóxicos
Diante do cenário crítico, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida tem intensificado suas ações. A campanha, que agrega movimentos da Via Campesina, entidades de saúde coletiva e organizações de agroecologia, fortaleceu neste ano sua articulação com grupos jurídicos e de direitos humanos. O objetivo primordial é enfrentar de maneira mais eficaz os múltiplos impactos decorrentes do uso de substâncias venenosas no território nacional.
Conforme explicado por Jakeline Pivato, a Campanha atua ativamente no acompanhamento de políticas públicas e da agenda legislativa, tanto em âmbito federal quanto nos estados e municípios. Além disso, a iniciativa busca avançar no processo formativo em comunidades e territórios, educando sobre o que são os agrotóxicos e como eles afetam a vida das pessoas. Em uma frente mais combativa, são realizadas tentativas para assegurar indenizações às famílias afetadas, bem como a proteção de defensores de direitos humanos e comunidades vulneráveis, e a proposição de projetos de lei com medidas mais restritivas.
A Visão Crítica da Central Única dos Trabalhadores (CUT)
A Central Única dos Trabalhadores (CUT) também se manifestou sobre o tema, publicando uma nota que aponta diversos impedimentos para a redução do uso de agrotóxicos no Brasil. A entidade sindical elenca a forte pressão política, a flexibilização contínua de normas regulatórias e um ambiente legal excessivamente permissivo como fatores que contribuem para o aumento no registro de novas substâncias químicas e para a manutenção de isenções fiscais que beneficiam o setor. Dessa forma, a CUT questiona a eficácia das medidas existentes.
Ainda de acordo com a CUT, o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara), fruto de mais de uma década de mobilização social, avança a passos lentos. A falta de orçamento adequado e a limitada governança são os principais entraves, que impedem a plena execução de suas diretrizes, comprometendo assim seus objetivos de proteger a saúde e o meio ambiente.
O Posicionamento do Ministério Público do Trabalho (MPT)
Em sua manifestação sobre a questão, o Ministério Público do Trabalho (MPT) alertou que o Brasil se consolidou como o maior mercado consumidor de agrotóxicos do mundo. O órgão enfatiza que muitos dos produtos empregados no país são, paradoxalmente, proibidos em outras nações devido aos comprovados riscos de causarem câncer, alterações hormonais e danos graves ao sistema reprodutivo. Portanto, essa disparidade regulatória gera uma preocupação significativa.
Trabalhadores e trabalhadoras do campo estão entre os grupos mais vulneráveis, expondo-se diretamente a esses químicos. A aplicação inadequada de agrotóxicos – seja em condições climáticas desfavoráveis ou por meio de pulverização aérea – amplia consideravelmente os riscos de intoxicação e contaminação. Estudos técnicos, por exemplo, demonstram que a deriva desses venenos pode atingir distâncias de até 32 km do ponto de aplicação original, impactando comunidades e ecossistemas distantes.
O MPT, entretanto, salienta que a legislação brasileira possui normativas para proteger a saúde dos trabalhadores. A Instrução Normativa Conjunta nº 2/2023 (MAPA-IBAMA-ANVISA), por exemplo, estabelece regras claras, exigindo que a pulverização aérea respeite uma distância mínima de 500 metros de áreas habitadas e de fontes de água, buscando mitigar os impactos negativos dessas operações.



