Em uma ação estratégica para combater o vício em apostas eletrônicas, os Ministérios da Saúde e da Fazenda oficializaram nesta quarta-feira, 3 de abril, um acordo de cooperação técnica. Essa parceria interministerial visa implementar uma plataforma de autoexclusão e expandir o teleatendimento no Sistema Único de Saúde (SUS) para oferecer suporte essencial aos indivíduos afetados pela compulsão por jogos.
O Cenário das Apostas e a Nova Plataforma
Os jogos de aposta, especialmente as modalidades eletrônicas que se popularizaram intensamente sob o rótulo de “bets”, têm gerado significativas repercussões negativas na saúde e nas finanças de muitos brasileiros. Diante desse panorama desafiador, as pastas da Saúde e da Fazenda uniram esforços para desenvolver e lançar iniciativas focadas na prevenção da compulsão por jogos, zelando tanto pela saúde física e mental quanto pela estabilidade financeira dos usuários.
Uma das ferramentas centrais do acordo assinado pelos ministros Alexandre Padilha, da Saúde, e Fernando Haddad, da Fazenda, é uma plataforma de autoexclusão. A partir de 10 de dezembro, ela possibilitará que apostadores que desejam interromper o ciclo do vício solicitem o bloqueio de seu acesso a sites de apostas. Além disso, a ferramenta impedirá o uso do CPF do usuário para novos cadastros ou para o recebimento de material publicitário relacionado às apostas, configurando uma barreira importante contra a reincidência.
Um estudo recente sublinha a gravidade da situação, estimando que as apostas eletrônicas acarretam perdas econômicas e sociais para o Brasil na ordem de R$ 38,8 bilhões anualmente. Portanto, a criação de mecanismos de proteção se torna um imperativo para o bem-estar coletivo.
Observatório e Canais de Apoio
O acordo interministerial não se limita à autoexclusão. Ele também estabelece o Observatório Brasil Saúde e Apostas Eletrônicas, uma medida de prevenção e cuidado de suma importância. Este observatório funcionará como um canal permanente para o intercâmbio de dados entre os dois ministérios, facilitando a implementação de ações integradas que possam guiar usuários com problemas de jogo aos serviços de apoio oferecidos pelo SUS.
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, enfatizou a relevância dessa troca de informações. Conforme explicou Padilha, a análise dos dados coletados permitirá identificar padrões de adição e compulsão, auxiliando na localização dos indivíduos para que as equipes de saúde possam abordá-los e oferecer o suporte necessário, agindo como um “ombro amigo ou braço de apoio”.
Expansão dos Atendimentos e Cuidados em Saúde Mental
Adicionalmente à plataforma de autoexclusão, o Ministério da Saúde disponibilizará uma série de orientações detalhadas sobre como buscar assistência na rede pública. Tais informações, acessíveis via aplicativo Meu SUS Digital e pela Ouvidoria do SUS, incluirão pontos de atendimento específicos em todo o país. Essa iniciativa visa desmistificar o processo de busca por ajuda e facilitar o acesso aos serviços.
Em complemento, a pasta da Saúde já lançou a Linha de Cuidado para Pessoas com Problemas Relacionados a Jogos de Apostas. Este guia oferece orientações clínicas fundamentais e prevê modalidades de atendimento tanto presencial quanto online, com o objetivo de superar as barreiras de acesso aos cuidados em saúde mental. Posteriormente, a rede pública ampliará ainda mais sua capacidade de resposta.
Com efeito, a partir de fevereiro de 2026, o SUS passará a ofertar teleatendimentos especializados em saúde mental para casos de problemas com jogos e apostas. Essa nova fase será viabilizada por meio de uma colaboração estratégica com o renomado Hospital Sírio-Libanês. Inicialmente, o programa prevê a realização de 450 atendimentos online por mês, com a possibilidade de expansão desse número conforme a demanda dos usuários. O Ministério da Saúde reforçou que essa assistência será plenamente integrada à rede do SUS, garantindo que pacientes com necessidade de cuidado mais intensivo sejam encaminhados para atendimentos presenciais.
A Urgência da Regulamentação
Durante o evento de assinatura do acordo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ressaltou a lentidão na regulamentação das apostas eletrônicas no Brasil, apesar de sua autorização desde 2018. Ele criticou a inação da gestão anterior, entre 2019 e 2022, período em que, segundo ele, poucas medidas foram tomadas para ordenar essa atividade crescente.
Haddad pontuou a ausência de definições cruciais, como a estrutura tributária, as diretrizes para publicidade e marketing, parâmetros para o jogo responsável e a distribuição de responsabilidades entre os ministérios para combater práticas abusivas, lavagem de dinheiro e oferecer suporte aos necessitados de atenção em saúde pública. “Nada disso foi feito entre 2019 e 2022”, declarou o ministro.
Entretanto, com o regramento atual, uma série de salvaguardas foram estabelecidas. Por exemplo, está proibido o uso de CPFs de crianças, de beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC) ou do Bolsa Família para a criação de cadastros em sites de jogos. Esta medida representa um avanço significativo na proteção de populações mais vulneráveis.
O Perfil dos Afetados e o Crescimento da Demanda
O diretor do Departamento de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde, Marcelo Kimati, apresentou dados alarmantes que evidenciam o aumento de atendimentos a pessoas com transtornos associados ao jogo no SUS. Em 2023, o sistema registrou 2.262 atendimentos para esse tipo de vício ou compulsão. No ano seguinte, 2024, esse número saltou para 3.490. Mais preocupante ainda, entre janeiro e junho de 2025, já haviam sido contabilizados 1.951 atendimentos, demonstrando uma curva de crescimento acentuada.
Kimati também detalhou o perfil predominante dos indivíduos que buscam ajuda. Segundo suas observações, o apostador compulsivo geralmente é um homem, com idade entre 18 e 35 anos, de etnia negra, que frequentemente enfrenta situações de estresse e rupturas em sua rotina. Adicionalmente, ele pode estar separado, aposentado, desempregado, e muitas vezes apresenta um isolamento social ou uma rede de apoio fragilizada. Em síntese, este perfil está intrinsecamente ligado a populações em situação de vulnerabilidade, destacando a necessidade de abordagens de saúde pública direcionadas e inclusivas.



