O ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta quarta-feira (3) que a prerrogativa para solicitar o impeachment de ministros da Corte passa a ser exclusiva do chefe da Procuradoria-Geral da República (PGR). Essa decisão monocrática, portanto, suspende o trecho da Lei do Impeachment (Lei nº 1.079/1950) que anteriormente concedia a “todo cidadão” a capacidade de formalizar denúncias contra os magistrados perante o Senado Federal por crimes de responsabilidade.
Em outras palavras, o entendimento do ministro restringe significativamente quem pode iniciar um processo de impedimento de membros do Supremo Tribunal Federal. Essa mudança representa uma alteração substancial na dinâmica de fiscalização e responsabilização do Poder Judiciário, transferindo uma atribuição que era pulverizada entre a população para uma única autoridade do Ministério Público.
A Racionalidade por Trás da Decisão
Para fundamentar sua decisão, Gilmar Mendes expressou profunda preocupação com a integridade e a independência do Poder Judiciário. O ministro argumentou que a possibilidade de qualquer cidadão iniciar um processo de impeachment havia se transformado em uma ferramenta de intimidação. De acordo com ele, a ameaça de um impedimento abusivo é capaz de criar um cenário de grande insegurança jurídica, consequentemente, enfraquecendo a autonomia do Poder Judiciário.
Além disso, Mendes salientou que essa prática poderia minar a capacidade da Corte de atuar de maneira firme e imparcial. O ministro detalhou que a amplitude e a falta de clareza da legislação anterior facilitavam a utilização política dos pedidos de impeachment. Nesse contexto, os juízes, temendo eventuais represálias, poderiam se sentir coagidos a adotar posicionamentos mais alinhados com interesses políticos momentâneos, em vez de priorizar a interpretação fiel da Constituição e a defesa dos direitos fundamentais.
Tramitação e Contexto Legal do Impeachment
É crucial notar que a decisão de Gilmar Mendes, por ser monocrática, ainda será submetida ao plenário do STF. O julgamento virtual para a validação ou anulação dessa determinação está agendado para ocorrer entre os dias 12 e 19 de dezembro, estabelecendo um período de expectativa sobre a confirmação dessa nova interpretação.
No tocante à estrutura legal, a Constituição Federal prevê que cabe ao Senado Federal a responsabilidade de processar e julgar os ministros do Supremo em casos de crimes de responsabilidade. Entretanto, a Carta Magna não aborda explicitamente os detalhes sobre quem pode iniciar tais processos. Por outro lado, a Lei nº 1.079/1950, conhecida como Lei do Impeachment, é o instrumento legal que regulamenta minuciosamente essa matéria, definindo os procedimentos e as condições para o impedimento.
Definição de Crimes de Responsabilidade
Conforme a legislação vigente, um ministro do Supremo Tribunal Federal pode ser acusado de crime de responsabilidade se cometer alguma das seguintes infrações:
- Alterar, por qualquer meio, exceto por recurso, uma decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal.
- Proferir julgamento em uma causa na qual seja legalmente suspeito.
- Exercer qualquer tipo de atividade político-partidária.
- Demonstrar patente desídia no cumprimento de seus deveres funcionais.
- Proceder de maneira incompatível com a honra, a dignidade e o decoro inerentes às suas funções.
Crítica à Disposição Anterior e o Papel do Cidadão
O trecho específico da Lei do Impeachment que foi suspenso por Gilmar Mendes estabelecia que “É permitido a todo cidadão denunciar perante o Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e o Procurador Geral da República, pelos crimes de responsabilidade que cometerem”. Essa ampla permissão, segundo o decano, transformou-se em um ponto de vulnerabilidade para a independência judicial.
Para Mendes, aquilo que deveria ser um “instrumento legítimo e excepcional” para a responsabilização de ministros do Supremo, acabou por se converter em uma “ferramenta de intimidação e mitigação das garantias judiciais”. Consequentemente, a interpretação anterior submetia os membros do Poder Judiciário a uma aprovação de caráter excessivamente político, comprometendo sua autonomia. Vale ressaltar que o ministro é relator de duas ações no STF que contestam a compatibilidade de diversos pontos da Lei do Impeachment com a Constituição de 1988, uma impetrada pelo Psol e outra pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Em conclusão, a decisão busca resguardar o Judiciário de manipulações externas, focando na integridade da interpretação constitucional.



