Edição Brasília

2ª Marcha das Mulheres Negras: 300 mil em Brasília por reparação e bem-viver

Mais de 300 mil mulheres negras são esperadas hoje em Brasília, na 2ª Marcha por Reparação e Bem-Viver, para exigir direitos e vida digna.
2ª Marcha Mulheres Negras 2025
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Mais de 300 mil mulheres negras convergem hoje, terça-feira (25), para Brasília, participando da 2ª Marcha por Reparação e Bem-Viver. O evento nacional, que mobiliza caravanas de todas as regiões do país, almeja firmar demandas por direitos fundamentais e a garantia de uma vida digna, livre de violências e com oportunidades equitativas para este expressivo segmento da população brasileira. A mobilização, portanto, ocupa a Esplanada dos Ministérios em um clamor unificado por justiça social e equidade.

A Reivindicação por Reparação e Bem-Viver

Organizada pelo Comitê Nacional da Marcha das Mulheres Negras, a manifestação tem como propósito central inserir na agenda pública as reivindicações por moradia adequada, emprego digno e segurança para as mulheres negras. Contudo, a pauta vai além, englobando a busca incessante por um “bem-viver” que transcenda a mera sobrevivência, o que inclui, consequentemente, a implementação de ações reparatórias pelos danos históricos sofridos. Esta jornada é, ademais, parte integrante da Semana por Reparação e Bem-Viver, que ocorre na capital federal entre os dias 20 e 26 de novembro, com uma programação rica em debates, atividades e apresentações culturais que enaltecem o papel protagonista das mulheres negras em todo o território nacional.

Um Marco de Dez Anos e Novas Perspectivas

Esta segunda edição da Marcha das Mulheres Negras ganha ainda mais relevância por ser realizada no mês em que se celebra o Dia Nacional da Consciência Negra, em 20 de novembro. Em um retrospecto, o evento marca uma década desde a primeira marcha, ocorrida em 18 de novembro de 2015, quando mais de 100 mil mulheres negras uniram suas vozes em Brasília. Naquela ocasião, os protestos visavam o racismo, a violência contra a juventude negra, a violência doméstica e o feminicídio, pautas que, infelizmente, continuam a ser desafios persistentes. Por conseguinte, a edição de 2025 amplia o foco, buscando a promoção da mobilidade social para esta população, a fim de mitigar os impactos seculares da escravidão que ainda hoje representam grandes obstáculos ao seu desenvolvimento econômico e social.

Agenda Abrangente de Mobilização

A programação oficial da 2ª Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem-Viver, que acontece ao longo desta terça-feira (25), foi meticulosamente planejada para engajar os participantes em diversas atividades. O ponto de encontro inicial será às 9h, no Museu da República, situado nas proximidades da Rodoviária do Plano Piloto, onde, além da concentração, haverá uma roda de capoeira e um cortejo de berimbaus. Simultaneamente, o Congresso Nacional, no plenário da Câmara, realizará uma sessão solene em homenagem à Marcha. Posteriormente, por volta das 11h, a grande caminhada seguirá pela Esplanada dos Ministérios, impulsionada por um jingle oficial que ecoa a força e a determinação das manifestantes: “Mete marcha negona rumo ao infinito. Bote a base, solte o grito! Bem-viver é a nossa potência, é a nossa busca, é reparação!”

Engajamento Cultural e Musical

No encerramento das atividades diurnas, especificamente às 16h, o público terá a oportunidade de assistir a uma série de shows com artistas que representam a riqueza e a diversidade da produção cultural negra brasileira. As cantoras, profundamente engajadas com as temáticas da negritude, do antirracismo e do feminismo, incluem nomes como Larissa Luz, Luanna Hansen, Ebony, Prethaís, Célia Sampaio e Núbia. Dessa forma, a arte se torna um veículo poderoso para a mensagem da marcha, fortalecendo a união e a celebração da identidade.

Resonância Global da Marcha

A Marcha das Mulheres Negras de 2025 transcende as fronteiras nacionais, consolidando-se como um verdadeiro espaço de articulação internacional. O evento reúne mulheres negras da diáspora, ou seja, aquelas que foram forçadas a migrar do continente africano e suas descendentes, além de representantes do próprio continente africano. Elas compartilham um compromisso comum na construção de um futuro que seja livre das violências impostas pelo racismo estrutural, pelo colonialismo e pelo patriarcado. Portanto, a dimensão global da marcha sublinha a universalidade das lutas e a necessidade de solidariedade transnacional.

A Força da Articulação Afrolatina

Lideranças negras do Equador, por exemplo, viajaram a Brasília especificamente para participar da Marcha. Seu objetivo é aprofundar e dar maior visibilidade às lutas das mulheres afrolatinas, afro-caribenhas e da diáspora em geral. O grupo equatoriano foca no fortalecimento da articulação regional e global das mulheres negras, na recuperação da memória e na visibilidade das mulheres afrolatinas em todos os níveis. Além disso, busca o fortalecimento político através de um posicionamento coletivo em defesa dos direitos das mulheres. Ines Morales Lastra, ativista de San Lorenzo (Equador) e membro da Confederação Comarca Afro-equatoriana do Norte de Esmeraldas (Cane), ressalta que elas defendem os direitos coletivos e dos territórios ancestrais de seu povo. Ela enfatiza que a participação visa somar na luta feminina, declarando: “Marcharemos para ecoar a firmeza de nossa voz e nossas demandas, porque são nossas as vozes de nossas avós.”

O Legado de Lélia Gonzalez Revivido

Entre as presenças notáveis na 2ª Marcha das Mulheres Negras está Melina de Lima, neta da renomada antropóloga Lélia Gonzalez, que faleceu em 1994, aos 59 anos. Recentemente, em 10 de novembro, Melina esteve em Brasília para receber, postumamente em nome de sua avó, o título de Doutora Honoris Causa, concedido pela Universidade de Brasília. Lélia Gonzalez foi uma figura seminal, sendo uma das fundadoras do Movimento Negro Unificado e uma referência incontestável nos estudos e debates de gênero, raça e classe, tanto no Brasil quanto na América Latina e globalmente. Além disso, ela é amplamente reconhecida como uma das principais teóricas do feminismo negro no país.

Conceitos Fundamentais: Amefricanidade e Pretuguês

Lélia Gonzalez foi a criadora de conceitos revolucionários como “amefricanidade” e “pretuguês”, que continuam a moldar o pensamento crítico sobre a identidade e a cultura negra. O conceito de “amefricanidade” refere-se à condição singular dos povos negros nas Américas, unindo as ancestralidades africanas e ameríndias para forjar uma identidade política e cultural específica. Este termo desafia, sobretudo, a dominação colonial e o racismo que persistem após o período escravista. Por outro lado, o “pretuguês” descreve as profundas influências das línguas africanas no português falado no Brasil, revelando a riqueza e a complexidade da formação linguística e cultural do país. Atualmente, Melina de Lima segue o legado de sua avó, atuando como diretora de educação e cultura do Instituto Memorial Lélia Gonzalez e cofundadora do projeto “Lélia Gonzalez Vive”.

A Representatividade Numérica das Mulheres Negras

As meninas e mulheres negras representam o maior grupo populacional do Brasil, um fato que sublinha a importância de suas demandas e a necessidade de políticas públicas inclusivas. De acordo com dados do Ministério da Igualdade Racial (MIR), elas totalizam 60,6 milhões de pessoas, distribuídas entre 11,30 milhões de pretas e 49,30 milhões de pardas. Este número impressionante corresponde a aproximadamente 28% da população geral do país, destacando não apenas sua vasta representatividade, mas também a urgência de suas reivindicações por equidade e bem-viver.