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Agricultor uruguaio denuncia agrotóxicos que destroem solo e saúde

Agricultor uruguaio denuncia que agrotóxicos usados no cultivo de beterraba causaram contaminação do solo, lençóis freáticos e problemas de saúde na região de Tala.
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Foto: Rafael Cardoso/Agência Brasil

Um agricultor uruguaio, Marcelo Fossati, da região de Tala, a cerca de 100 km da capital Montevidéu, emergiu como uma voz crítica contra o uso de agrotóxicos na agricultura, destacando os severos impactos que essa prática causou ao solo, aos lençóis freáticos e à saúde da população local. Por décadas, a região baseou sua economia no cultivo de beterraba açucareira, uma cultura que demandava intensa aplicação de defensivos agrícolas, muitas vezes fornecidos por empresas uruguaias e multinacionais. Atualmente, o cultivo cessou, mas as consequências ambientais e sanitárias permanecem.

Degradação do Solo e Escassez Hídrica

A agricultura na área de Tala hoje depende quase exclusivamente de irrigação artificial. Isso ocorre porque o solo, outrora fértil e capaz de reter a água da chuva, foi quimicamente degradado pela intensa utilização de fertilizantes. Marcelo Fossati, coordenador da Red Nacional de Semillas Nativas y Criollas, explicou em entrevista à Agência Brasil, durante a Cúpula dos Povos em Belém, que a estrutura porosa do solo, essencial para o armazenamento de água, foi destruída pelos produtos químicos. Consequentemente, quando ocorrem chuvas intensas, o solo “se lava rapidamente”, permitindo que a água escoe em vez de ser absorvida, comprometendo o suprimento hídrico para as plantas e tornando a produção agrícola local inviável sem o uso de irrigação.

Impactos na Saúde e o Legado da Revolução Verde

A Revolução Verde, iniciada no Uruguai nas décadas de 1960 e 1970, introduziu e consolidou o modelo agrícola baseado em agrotóxicos e sementes híbridas. Fossati ressalta que as gerações que cresceram sob essa égide, ao contrário de seus pais que utilizavam fertilizantes orgânicos e sementes crioulas, foram expostas desde cedo aos agroquímicos. Este longo período de exposição, muitas vezes sem a devida proteção, tem se manifestado em um alarmante aumento de doenças graves. Cânceres de intestino, pele e esôfago, além de problemas respiratórios e dermatológicos, tornaram-se frequentes entre pessoas com cerca de 50 a 60 anos. Fossati denuncia que a publicidade da época minimizava os riscos, chegando a afirmar que os produtos eram inofensivos e poderiam até ser ingeridos para “purificar o estômago”. Essa desinformação levou muitos agricultores a manusearem os venenos sem qualquer equipamento de segurança, como máscaras, luvas ou aventais, resultando na contaminação direta e na absorção lenta e cumulativa das substâncias tóxicas.

Contaminação da Água e a Responsabilidade Corporativa

A contaminação dos recursos hídricos é outro grave problema apontado pelo agricultor. Um estudo realizado pelo ensino público em escolas rurais analisou a qualidade da água subterrânea consumida por crianças. Os resultados foram alarmantes: de 76 amostras coletadas, nenhuma escola apresentou água livre de agrotóxicos. Fossati também identificou as empresas responsáveis por fornecerem esses produtos danosos. Ele menciona a Isusa e a Proquimur como exemplos de companhias uruguaias que, embora mantenham nomes locais, foram adquiridas por multinacionais. Essa estratégia corporativa, segundo ele, visa dissociar os problemas de saúde e ambientais de suas matrizes globais, atribuindo responsabilidade a “marcas” locais quando ocorrem incidentes, como intoxicações causadas pela deriva de pulverizações aéreas.

Agrotóxicos e a Crise Climática

Fossati conecta de forma explícita o uso de agrotóxicos à emergência climática, destacando dois elos principais. Primeiramente, a produção de agrotóxicos é um processo intensivo em energia, pois envolve a síntese de substâncias químicas complexas, muitas vezes a partir de derivados de petróleo. Ele exemplifica com a produção de ureia, que consome mais energia do que a aplicação do fertilizante em si. Essa pegada energética, que inclui a produção da molécula, sua aplicação e o transporte dos produtos agrícolas finais (como a soja, que viaja em navios movidos a combustível pesado), contribui significativamente para a emissão de gases de efeito estufa. Em segundo lugar, a degradação do solo causada pelos agrotóxicos diminui sua capacidade de sequestrar carbono, um processo natural que ajuda a mitigar as mudanças climáticas.

A Luta por um Modelo Agrícola Sustentável

Marcelo Fossati é uma figura ativa na Red Nacional de Semillas Nativas y Criollas, uma rede que abrange mais de 250 propriedades familiares e 350 produtores em diversos departamentos uruguaios. A instituição tem como missão resgatar e valorizar as sementes nativas e tradicionais, promovendo uma agricultura familiar e sustentável, seja para autoconsumo ou para abastecer mercados locais. Sua participação na Cúpula dos Povos em Belém serviu como um importante palco para expor as denúncias contra as corporações multinacionais e alertar sobre os custos humanos e ambientais de um modelo agrícola insustentável, que lucra à custa da saúde das pessoas e da preservação do planeta.