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Tribunal dos Povos condena Estados e empresas por ecocídio e violações ambientais.

Tribunal dos Povos, em Belém, condena 7 Estados e mais de 800 empresas por ecocídio e violações ambientais.
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Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

Um tribunal simbólico, o Tribunal Autônomo e Permanente dos Povos contra o Ecogenocídio, realizou um pronunciamento contundente em Belém, durante a COP30, condenando diversos Estados e centenas de empresas por práticas que configuram ecocídio e graves violações contra povos originários, comunidades quilombolas, ribeirinhas e o meio ambiente. Esta sentença, de caráter político e fundamentada na sabedoria ancestral, delineia um conflito fundamental entre a exploração de recursos e o respeito à natureza como entidade viva.

Sentença que Confronta Modelos de Exploração

A decisão do Tribunal dos Povos, divulgada na última quinta e sexta-feira, é resultado de um extenso processo que reuniu denúncias apresentadas por promotores populares, vítimas, testemunhas e especialistas de diversas nacionalidades. Esses depoimentos foram coletados na estrutura montada provisoriamente nas instalações do Ministério Público Federal, em Belém. A corte argumenta que o cenário global atual reflete uma “guerra entre modos de vida”, contrapondo o modelo colonial, que se caracteriza pela expropriação de corpos e territórios, com o modo ancestral, que reconhece a Terra como um ser vivo, diverso, materno e merecedor de profundo respeito.

Casos Abrangem Diversas Regiões e Violações Múltiplas

O julgamento abarcou 21 casos distintos, englobando violações em locais como a Amazônia, a Palestina ocupada, Bangladesh e em territórios camponeses tanto na América Latina quanto na África. As acusações detalham um leque preocupante de práticas destrutivas, incluindo a devastação de manguezais, a dragagem de leitos de rios, a expansão desenfreada do agronegócio, a implementação de projetos de mineração e a construção de hidrovias. Além disso, foram mencionados a pulverização aérea de agrotóxicos, o desmatamento em larga escala, a grilagem de terras, a persistência do trabalho escravo e as remoções forçadas de comunidades.

Ecocide como Projeto Político Sistêmico

De acordo com o Tribunal, essas transgressões não são eventos isolados, mas sim manifestações de um plano político coeso, descrito como “colonial, racista e patriarcal”. Este projeto, segundo a sentença, visa transformar a natureza em um mero patrimônio a ser explorado, beneficiando exclusivamente grandes corporações e o setor financeiro. Em virtude disso, a sentença formalmente condena sete Estados: Brasil, Bangladesh, Chile, Colômbia, Bolívia, Guiné-Bissau e Israel. Por conseguinte, as responsabilidades se estendem a mais de 800 empresas e instituições financeiras.

Responsabilização Ampliada para Empresas e Instituições Financeiras

A lista de entidades responsabilizadas é extensa e inclui gigantes corporativos como Cargill, Bunge, Amaggi, JBS, Enel, Norte Energia, Minerva e Louis Dreyfus. Adicionalmente, instituições financeiras de grande porte foram incluídas, como o BNDES, Banco Mundial, Banco do Brasil, Banco da Amazônia, Banco do Nordeste e JPMorgan Chase. Essa abrangência visa demonstrar a complexa teia de interesses que sustentam as práticas de ecocídio e violações ambientais em escala global.

Exigências Urgentes de Reparação e Justiça Ambiental

Diante desse cenário, a sentença do Tribunal dos Povos estabelece um conjunto de exigências urgentes de reparação. Entre as principais, destacam-se o reconhecimento inequívoco dos direitos territoriais, a demarcação imediata das terras indígenas e a garantia do direito à consulta prévia, livre, informada e de boa-fé para as comunidades afetadas. Paralelamente, clama-se por uma reforma agrária abrangente e popular, bem como pela revogação imediata do Decreto Federal 12.600/2025, que facilita a desestatização de hidrovias, uma medida considerada prejudicial aos ecossistemas.

Medidas de Investigações e Proteção aos Defensores

A decisão também requer a instauração de investigações criminais rigorosas para apurar as violações cometidas, a localização de pessoas desaparecidas em decorrência desses conflitos e o fortalecimento das medidas de proteção aos defensores de direitos humanos. Outro ponto crucial é a nulidade de quaisquer projetos que impactem territórios tradicionais sem o devido processo de consulta às comunidades envolvidas. Dessa forma, busca-se não apenas punir, mas também prevenir futuras transgressões e assegurar a integridade dos territórios e de seus guardiões.

Sentença como Semente para o Futuro

O documento enfatiza que as reparações são indispensáveis para combater as “violências que atentam contra a própria Mãe Terra”. Ressalta ainda o papel fundamental dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais como guardiões de territórios que são vitais para a preservação dos ecossistemas globais. Em sua essência, a sentença é apresentada não apenas como um veredito, mas como um ato político e simbólico, destinado a inspirar ações futuras e a fortalecer a luta pela justiça ambiental e pelos direitos dos povos. “Esta sentença é mais que decisão: é canto, é tambor, é lamparina acesa na vigília dos povos”, conclui o texto.

Conselho de Notáveis Assina a Decisão Histórica

A fundamentação e assinatura desta histórica decisão foram realizadas por um conselho composto por personalidades de notório saber e ativismo, incluindo lideranças indígenas e quilombolas, renomados pesquisadores, juristas e defensores dos territórios. Entre os signatários, constam nomes como Cacique Ramon Tupinambá, Aiala Colares de Oliveira Couto, Iyalasé Yashodhan Abya Yala Muzunguè CoMPaz, Girolamo Treccani, Itahu Ka’apor, Andréia Macedo Barreto, Marcela Vecchione-Gonçalves, Luiz Felipe de Alencastro, Eliete Paraguassu, Helena de Souza Rocha e Nô Recursos. A pluralidade e representatividade deste conselho conferem peso e legitimidade à sentença emitida pelo Tribunal dos Povos.